Declarações de Bolsonaro sobre escravos são um equivoco
A declaração do deputado brasileiro Jair Bolsonaro sobre a participação dos africanos no comércio de escravos para o Brasil é um equívoco, disse à Lusa o historiador Luís António Dias, da Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Na segunda-feira passada, o deputado conservador Bolsonaro, candidato ao cargo de Presidente e em segundo lugar nas sondagens para a eleição em outubro, negou, numa entrevista ao programa Roda Viva, que exista alguma dívida histórica com a população negra por causa da escravatura.
Ao criticar o sistema de quotas, que destina uma percentagem de vagas em universidades e órgãos públicos aos afrodescendentes como política de reparação e inserção nas camadas mais ricas da sociedade, Bolsonaro culpou os africanos pela captura dos negros levados ao Brasil e outras partes do mundo como escravos.
"Se formos ver a história, realmente (...), o português nem pisava em África. Eram os próprios negros que entregavam os escravos (...). Os portugueses faziam o tráfico, não caçavam os negros na costa. Eles eram entregues pelos próprios negros (...). Que dívida é essa?", declarou o deputado.
O historiador da PUC-SP avaliou que este tipo de discurso como sendo "um equívoco, porque a escravidão em África entre os povos locais não tinha o caráter económico que passou a ter a partir da conquista da América pelos portugueses e europeus".
Luis António Dias reconheceu que existia escravidão nas tribos e que quando os povos perdiam guerras ou disputas os sobreviventes dos conflitos podiam ser subjugados pelos vencedores, mas sublinhou que culpar esta prática pelo que se tornou um comércio mundial de exploração de pessoas, onde os grandes beneficiários foram os europeus, "é um erro histórico".
"Com o controlo de Portugal sobre áreas em África inverteu-se a lógica existente. Passou-se a fazer guerras para obter escravos. Os escravos antes eram consequência das guerras tribais, com os portugueses e a criação do grande comércio de negros para a América, a guerra passou a ser um negócio e a escravidão aumentou dramaticamente", explicou.
"Estima-se que só para o Brasil foram levados cerca cinco milhões de escravos durante os 300 anos de tráfico negreiro", acrescentou.
Luís António Dias também contrariou o deputado ao dizer que existe uma dívida histórica com a população negra trazida a força para o Brasil.
"Há sim uma dívida histórica que não é dele [Jair Bolsonaro] com a população negra, mas uma dívida com relação ao processo de colonização. Esta dívida não é só dos portugueses, mas de todos os que beneficiaram até hoje com os ganhos económicos da escravidão", acrescentou.
O professor da PUC-SP lembrou que além da violência com que foram tratados os negros, a escravidão deixou como marca no Brasil "um racismo muito forte que ainda estabelece privilégios para determinados grupos em detrimentos de outros".