Da sala de aulas de Jill Biden ao 'zapping' de Bill Clinton: a 2.ª noite de convenção democrata
A segunda noite da convenção democrata ficou marcado pelo discurso do ex-presidente Bill Clinton e pela intervenção de Jill Biden, mulher do ex-vice-presidente Joe Biden, que foi oficialmente confirmado como candidato do partido às eleições presidenciais de 3 de novembro.
Estes foram os pontos altos da noite, apresentada pela atriz Tracee Ellis Ross, atualmente na série Black-ish.
Em todas as convenções, uma estrela em ascensão do partido é convidada a proferir o discurso-chave. O de Barack Obama, na convenção de 2004, transformou o então candidato a senador num candidato a presidente, que acabaria por chegar à Casa Branca em 2008, tornando-se no primeiro presidente negros dos EUA.
Nesta convenção virtual, por causa da pandemia de covid-19, os democratas não escolheram uma estrela, mas 17 membros da "próxima geração de líderes partidários" para o discurso, numa montagem de vídeos caseiros, mostrando a diversidade de pessoas que formam o Partido Democrata.
A lista incluía Stacey Abrams, da Geórgia, que por pouco não se tornou a primeira mulher negra a chegar a governadora em 2018 e que chegou a pensar candidatar-se às presidenciais. Foi ela que terminou o discurso: "A nossa escolha é clara. Um funcionário público experiente e estável que pode liderar-nos para fora desta crise, tal como já fez antes, ou um homem que apenas sabe como negar e distrair. Um líder que se preocupa com as nossas famílias ou um presidente que só se preocupa com ele. Nós conhecemos o Joe Biden. América, nós precisamos do Joe Biden."
Deram também a cara por Biden três membros do Congresso, oito congressistas estaduais, dois presidentes da câmara, o líder da Nação Navajo e o comissário da agricultura da Florida.
A noite ficou também marcada pela nomeação oficial de Joe Biden como candidato democrata. Mas em vez de cada um dos representantes dos delegados de cada estado anunciar, no local da convenção e no meio de uma festa colorida, em quem votava, a chamada foi também virtual, indo ao encontro dos representantes em cada um dos 57 estados e territórios associados.
Alguns dos representantes, escolhidos pelos candidatos (Bernie Sanders também estava na corrida) surgiram mesmo frente a um local de destaque do respetivo estado, numa montra da América. Um pouco ao estilo da contagem dos votos do júri durante o Festival da Eurovisão, mas sem pontos a serem contados, já que Biden há muito tinha conseguido nos caucus e nas primárias o número de delegados necessário para vencer.
Houve contudo espaço para dois apoios a Sanders, um deles de Nova Iorque, com a congressista Alexandria Ocasio-Cortez a defender o porquê de apoiar o senador que é o rosto do movimento progressista, mais à esquerda, do partido -- as regras da convenção exigem que todos os candidatos que alcançam um determinado número de delegados tenham os seus defensores na chamada.
Nos 90 segundos a que teve direito, AOC como é conhecida lembrou "um movimento de pessoas que está a trabalhar para estabelecer direitos sociais, económicos e humanos do século XXI, incluindo garantir o direito à saúde, à educação superior, a um salário mínimo e a direitos dos trabalhadores para todos nos EUA". A congressista falou ainda dos direitos dos migrantes, do fim da desigualdade económica e de "um movimento que busca reconhecer e reparar as feridas da injustiça social, colonização, misoginia e homofobia".
Seguiram-se depois os apoios a Biden, sendo que o primeiro veio de Jacquelyn Brittany, segurança do The New York Times, que ficou conhecida por ter tirado uma selfie com o ex-vice-presidente após escoltá-lo a um elevador. "Adoro-o. A sério. É o meu favorito", tinha dito na altura. No vídeo da convenção, contou que sentiu que o então candidato realmente lhe prestou atenção, se preocupou com ela, porque "Joe Biden tem espaço no seu coração para mais do que ele próprio".
O ex-presidente norte-americano já falou em 11 convenções nacionais norte-americanas e desta vez teve cinco minutos para passar uma mensagem de que o tempo do presidente Donald Trump já passou, com alguns media norte-americanos a dizer que "o feitiço virou-se contra o feiticeiro" e que parece que todos estão a dizer "You're fired" (estás despedido), a frase que Trump popularizou no reality show que apresentou, The Apprentice.
Depois de apontar várias falhas do atual morador da Casa Branca, Clinton disse: "Agora vocês têm que decidir se renovam o contrato dele ou contratam outra pessoa. Se querem um presidente que define o trabalho como horas passadas a ver televisão e a fazer zapping entre as pessoas nas redes sociais, ele é o vosso homem. Negar, distrair e humilhar funcionam muito bem se estão a tentar entreter e inflamar. Mas numa verdadeira crise, colapsa como um castelo de cartas."
E culminou o discurso com um "É o 'nós vs. eles' do Trump contra a América de Joe Biden, onde todos vivemos e trabalhamos juntos. É uma escolha clara. E o futuro do nosso país depende dela".
Além de Bill Clinton, houve declarações de outro ex-presidente democrata, Jimmy Carter, ou do antigo secretário de Estado, John Kerry, que também foi candidato à Casa Branca. "Ele não vai defender o nosso país, ele não sabe como defender as nossas tropas. A única pessoa que está interessada em defender é ele próprio", disse.
Tal como na primeira noite da convenção, quando houve quatro intervenções de políticos republicanos, na segunda noite também houve intervenções do outro lado da linha política. Mais uma forma de mostrar que Biden está interessado em chegar ao maior número de eleitores possível.
Desta vez as intervenções republicanas vieram do ex-secretário de Estado Colin Powell e da viúva do senador John McCain, candidato presidencial derrotado por Barack Obama.
"O nosso país precisa de um comandante-em-chefe que cuida das nossas tropas da mesma forma que cuida da sua própria família", disse, alegando ainda que com Biden na Casa Branca "nunca vamos duvidar que ele vai defender os nossos amigos e enfrentar os nossos adversários e nunca o contrário".
O ex-secretário de Estado afirmou ainda que Biden vai, desde o primeiro dia, "restaurar a liderança da América no mundo e restaurar as alianças que são precisas para enfrentar os perigos que ameaçam a nação, das alterações climáticas à proliferação nuclear".
A sua intervenção não agradou contudo a todos os democratas, por causa do papel que teve na Guerra do Golfo. Foi Powell que proferiu o discurso chave no Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a presença de armas de destruição massiva no Iraque que levaram à invasão.
A intervenção de Cindy McCain, que lembrou a amizade entre o falecido marido e Biden, será mais consensual. Mostrando imagens da "amizade improvável", disse que eles "sentavam-se e diziam piadas", que por vezes era como um "espetáculo de comédia ver os dois". Cindy destacou a capacidade de Biden de trabalhar com republicanos como o marido. "Era um estilo de legislar e de liderança que já não encontramos muito", disse.
A segunda noite da convenção democrata terminou com o discurso de Jill Biden, mulher de Joe Biden, que falou a partir de uma sala de aulas na Escola Secundária de Brandywine, em Wilmington, Delaware, onde foi professora.
"Sei que se confiarmos esta nação ao Joe, ele fará pela vossa família o que fez pela nossa -- unir-nos e tornar-nos inteiros novamente", disse no discurso muito pessoal. "Como é que voltamos a unir uma família partida? Da mesma forma que unimos uma nação. Com amor e compreensão e com pequenos atos de bondade. Com bravura, com uma fé inabalável", afirmou.
O ex-vice-presidente perdeu a primeira mulher e uma filha de um ano num acidente de carro, pouco tempo depois de ter sido eleito senador em 1972. Beau e Hunter, os dois filhos, sobreviveram. Conheceu Jill em 1975, acabando por casar dois anos depois. Ambos tiveram uma filha, Ashley. Em 2015, quando Biden estava na vice-presidência, o filho mais velho, Beau, morreu de cancro no cérebro.
"Perguntei-me se alguma vez voltaria a sorrir e a sentir alegria", disse Jill no discurso, indicando que depois viu como o marido reagiu, voltando para o trabalho apesar da sua própria dor.
Jill Biden não tem a presença de Michelle Obama, que discursou na primeira noite, mas a mensagem que passou era óbvia. A diferença entre o marido e o homem que se senta atualmente na Sala Oval.