Cueva de Nerja. A descoberta de cinco amigos que mudou a história

Miguel, José, Francisco, José Luís e Manuel tinham entre 14 e 21 anos quando em 1959 descobriram uma gruta junto à aldeia de Maro. Durante anos a sua descoberta não lhes foi atribuída. Mas hoje dizem-se felizes por a poder partilhar com os visitantes.
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A tarde do 12 de janeiro de 1959, como muitas outras tardes, Miguel, José, Francisco, José Luís e Manuel foram até a zona chamada "Minas do Cemitério", perto da sua aldeia, Maro (Málaga). Era o lugar habitual para ir buscar lenha mas desta vez o objetivo foi diferente. Este grupo de amigos com idades compreendidas entre os 14 e os 21 anos tinham observado a saída de morcegos de uma fenda e decidiram averiguar o que estava lá dentro. Roubaram um martelo ao pai de um deles, que era pedreiro, e uma lanterna a outro, Guarda Civil. "Começámos a bater com o martelo para fazer um buraco e Miguel, o mais novo, entrou, primeiro de cabeça e eu a segurar os pés. Depois passou e fomos todos atrás, era como um escorrega de uns três metros". É assim como Manuel Muñoz Molina começa a narrar para o DN a história do dia mais importante das suas vidas. O dia em que descobriram a Cueva de Nerja, uma das mais impressionantes grutas de Espanha, com 35 mil metros quadrados de superfície e de grande importância arqueológica.

Depois de chegar a um primeiro espaço, deram pontapés para abrir caminho para uma galeria que os levou até aquela que é agora conhecida como Sala da Cascata. "Não sei como explicar o que vivemos. A lanterna só nos dava luz para poder caminhar, não percebemos o tamanho do espaço", continua Miguel, o irmão de Manuel. Mas continuaram a caminhar, a pisar excrementos de morcegos - "tínhamos medo". E chegaram até uma sala onde encontraram dois esqueletos humanos, completos. "Pensámos que eram outros miúdos que tinham feito o mesmo que nós, muitos anos antes e que não tivessem conseguido sair. Por isso voltámos para trás muito rápido", lembra Miguel. Um deles tinha colocado montinhos de pedras para assinalar o percurso e não se perderem. Mas sair não foi fácil. "A galeria era muito estreita e eu era o mais maior, ficava preso. Estivemos várias horas até conseguir sair", conta Manuel. Quando o fizeram, Francisco, muito religioso, pediu para rezar um Pai Nosso pelas duas almas dos esqueletos encontrados. Na aldeia, as suas famílias andavam a sua procura, e os pais ralharam com eles.

Muitos quiseram reivindicar a descoberta

Sessenta anos depois dessa tarde, Cueva de Nerja é um dos principais pontos turísticos da zona, por onde passam cada ano 400 mil visitantes. Tudo mudou a partir dessa aventura que trouxe, com os anos, muito desenvolvimento para a pequena aldeia que faz parte do município de Nerja. Foi por isso que se chamou Cueva de Nerja e não Cueva de Maro. Mas o reconhecimento do papel destes cinco amigos tardou em chegar porque foram muitos os que quiseram reivindicar a descoberta. "Depois desse dia fomos falar com o nosso professor e voltámos ao local com ele e outro grupo. José Luís falou com alguns jovens do Frente de Juventudes que quiseram ir e foi organizada uma expedição no mês de abril. O meu amigo estava doente e fui eu a acompanhá-los. Entre eles estava um fotógrafo que publicou o seu trabalho no diário Sur de Nerja e foi quando começou a despertar interesse. Mas ninguém falava de nós", lamenta-se Miguel.

A vida em Maro nunca voltou a ser igual. A fama do lugar expandiu-se dentro e fora das fronteiras. Quando começou a ser estudado o seu interior foi descoberto uma jazida arqueológica única. A presença humana nesta gruta data de há mais de 43000 anos. Em poucos meses foi preparada para receber visitas e inaugurou-se com um espetáculo no interior - um ballet. Os cinco protagonistas da história começaram a trabalhar como guias da gruta. "O salário era de 1500 pesetas mas numa só volta pela gruta ganhávamos 1000 pesetas de gorjeta", lembra-se Miguel. Foram anos muito especiais para eles - "era a nossa cova". Cada um ficava responsável pela gruta durante um dia. Mas à noite era deles. José Luís, o único dos cinco já falecido, era muito romântico. "Levou-me uma noite à gruta e com a música do Concerto de Aranjuez pediu-me em casamento", conta emocionada a sua viúva, Maria. Ela morava em Melilla e os seus tios abriram um restaurante ao pé da gruta. "Cheguei para ficar uns dias, de visita, e não voltei", sublinha. José Luís trabalhou na gruta durante 25 anos e Miguel 50. "Ainda sonho com a gruta", reconhece. Manuel ficou só quatro anos. "Mandaram-me embora", mas dedicou-se à construção e "as coisas correram bem".

Entre as historias que viveram nos primeiros anos lembram-se do dia em que Franco foi visitar a gruta. "Mandaram-nos a todos a Málaga porque não queriam reconhecer que tínhamos sido nós a fazer a descoberta", lamentam-se. As visitas aumentavam ano após ano e Maro, dedicada ao cultivo da cana-de-açúcar, crescia economicamente. E cresceria ainda muito mais com a série de televisão Verão Azul, que decorre em Nerja. "A série foi filmada em Nerja por causa da gruta", afirmam os irmãos Muñoz. Nerja deu-se ainda mais a conhecer em Espanha e fora do país. Também os concertos dentro da gruta, todos os verões, tornaram-se internacionalmente conhecidos. Pelo palco passaram artistas como Monserrat Caballé, Alfredo Kraus, Paco de Lucía ou Pablo Alborán. Concertos que deixaram de ter lugar na gruta, por causa de sua conservação.

45 visitas por dia

Seis décadas depois desta descoberta, a gruta recebe até 45 visitas por dia. Chegam a passar 2400 pessoas nos meses de verão e 1700 noutras épocas. A beleza do lugar é indiscutível e só está aberta ao público um terço do total da superfície da gruta. Do ponto de vista da fauna, encontram-se três espécies endémicas. Vivem, por exemplo, ali troglóbios, adaptados à vida noturna, que são transparentes e cegos. A gruta está catalogada como lugar de interesse geológico mundial. Do ponto de vista arqueológico, a gruta foi uma grande descoberta porque há vestígios de ocupação humana do ano 50.000 a.C. até 2500 a.C. Durante o Solutrense, por exemplo, a gruta foi ocupada nos períodos frios, com as populações locais a fazer vida no exterior e estea ser o seu refúgio. Uma das grandes descobertas arqueológicas na gruta foi o esqueleto de "Pepita", datado em 6310 a.C., no período cultural conhecido como Epipaleolítico. Um esqueleto muito bem conservado, exibido agora no Museu de Nerja, sobre o qual existe muita informação graças aos estudos realizados. Esta gruta foi utilizada no Neolítico para os enterros. Dentro existem também pinturas rupestres. Há símbolos dos quais não se conhece o significado mas poderiam ser o primeiro sistema de comunicação gráfica do homem.

Esta gruta tem uma importante ventilação natural mas a equipa que trabalha na sua conservação monitoriza tudo o que acontece no interior. "A temperatura média no interior é de 19 graus, há 70% de humidade que chega até aos 100% nos meses de verão. A capacidade máxima é de 850 pessoas. O impacto que recebe durante o dia equilibra durante as horas em que a gruta está fechada.", explica ao DN a equipa de conservação formada por arqueólogos, geólogos e biólogos. Durante 20 anos houve visitas de espeleoturismo mas acabou por se revelar prejudicial para a gruta. A parte que não é visitável pelo público "é ainda maior mas encontram-se configurações similares", garantem os responsáveis. Uma zona onde Miguel, José, Francisco, José Luís e Manuel iam com muita frequência. "Eram outros tempos", conta entre risos Miguel. Os tempos quando a gruta era a sua gruta. Hoje têm saudades desses tempos, sim, mas "é uma satisfação muito grande ter feito esta descoberta e partilhá-la com tanta gente".

FICHA:
Cueva de Nerja
Localização:
Ctra. de Maro, s/n
Tel. +34 952 529 520
29787 Nerja, Málaga
Preço:
entre 11 e 16 euros
Horário:
das 9:30 às 16:00

A revista Volta ao Mundo esteve em reportagem na Costa do Sol, passando por Nerja. Leia mais AQUI.

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