Cimeira Europeia para discutir "destino" e "lugar da UE" no mundo
Qual o lugar da Europa no mundo? Que capacidade tem a Europa de "moldar o próprio destino?". É a partir destas dúvidas que o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, convoca os representantes nacionais para "um debate", em Bruxelas, à mesa da Cimeira Europeia.
O encontro extraordinário presencial vai finalmente tratar dos vários tópicos de política externa e fazer uma avaliação à abordagem europeia à covid-19, depois do adiamento de uma semana, curiosamente, para que Charles Michel desse o tempo necessário para que ele próprio cumprisse um período de quarentena, por ter estado em contacto com um agente do corpo de segurança pessoal que testou positivo ao novo coronavírus.
O primeiro-ministro de Portugal, António Costa, já está desde quarta-feira em Bruxelas e tem já na manhã desta quinta-feira vários encontros agendados para acertar pormenores do acesso aos fundos do plano de recuperação e resiliência, com vista à retoma pós-pandemia. As reuniões de trabalho decorrem no âmbito da preparação do programa da presidência portuguesa da União Europeia, que terá início a 1 de janeiro de 2021.
O primeiro encontro bilateral terá início às 08.15, com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel. António Costa segue depois para a sede da Comissão Europeia, para uma reunião com a vice-presidente da Comissão Europeia, Margrethe Vestager. A meio da manhã, o primeiro-ministro português reúne-se com o comissário europeu da Economia, Paolo Gentiloni. A comissária europeia da Coesão e Reformas, Elisa Ferreira, recebe António Costa, antes do arranque da cimeira.
A reunião magna começará com uma discussão sobre as relações entre a União Europeia e a China, na sequência da videocimeira realizada neste mês, entre a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e o presidente chinês, Xi Jinping.
No convite que endereçou aos 27 chefes de Estado ou de governo, Charles Michel expressou a intenção europeia de "trabalhar com a China para enfrentar os principais desafios globais, como a pandemia de covid-19 e as mudanças climáticas". Estes são pontos de convergência entre a União Europeia (UE) e China.
Mas, há outros dossiês também em cima da mesa, como o da "relação económica", que não foi um tópico consensual no diálogo dos representantes do bloco europeu com Xi Jinping, nomeadamente por Bruxelas apelar a "mais equilíbrio e reciprocidade", que garantam "condições de concorrência equitativas". Por outras palavras: "A China tem de convencer a UE de que vale a pena investir", como comentou a presidente da Comissão, no videoencontro com Xi Jinping.
Bruxelas também tem vindo a desenvolver um diálogo mais firme com Pequim, em matéria de direitos humanos, com discussões mais enervantes, quando é abordada a temática dos campos de correção de Xinjiang, de onde chegam relatos de abusos com a minoria uigur. A ação musculada contra os protestos em Hong Kong também foi duramente criticada por Bruxelas.
"Continuaremos a promover os nossos valores e padrões", anuncia o presidente do Conselho Europeu, como mote para a conversa a 27 sobre a relação entre a UE e a China.
A cimeira acontece ao fim de mais de três anos de liderança de Donald Trump, que, inegavelmente, têm provocado desgaste na relação da Europa com o seu o parceiro natural. E a China olha para o bloco europeu como um contrapeso à relação com o Washington. E Bruxelas não ignora esse pormenor.
Os líderes vão também fazer um debate sobre a situação na Bielorrússia. Bruxelas rejeita o resultado de umas eleições que atribuíram a vitória a Lukashenko, o qual não reconhece como presidente.
"As eleições de 9 de agosto não foram livres nem justas. A UE não reconhece os resultados falsificados", anunciou o chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell.
Nesta semana, a presidente em exercício da UE, a chanceler alemã, Angela Merkel, anunciou um encontro com a líder da oposição, Svetlana Tikhanovskaya. E, já antes, o presidente francês, Emmanuel Macron, também tinha manifestado a intenção de se encontrar com Tikhanovskaya, que tem apelado a mediação urgente "para evitar que mais sangue seja derramado".
A UE tem condenado fortemente os ataques contra manifestantes favoráveis à oposição, mas até agora não conseguiu a unanimidade necessária para avançar com sanções a personalidades ligadas ao poder na Bielorrússia, por oposição de um único país, Chipre.
O recente caso de envenenamento do líder da oposição a Vladimir Putin, na Rússia, Alexei Navalny, merece também a atenção dos 27, que vão reiterar apelos às autoridades russas por uma "investigação completa, transparente e esclarecedora" sobre o factos que levaram ao internamento do opositor do poder na Rússia, como já apelou o Governo português. Ao que o DN apurou, a UE pretende também que a Rússia se comprometa a excluir o recurso a armas químicas.
Os líderes vão ainda dedicar uma parte da cimeira para abordarem o conflito do território disputado de Nagorno-Karabakh, que desde há cinco dias voltou a ser campo de batalha. A UE vai apelar a um cessar-fogo imediato, ao fim das hostilidades entre Azerbaijão e Arménia.
Na cimeira, que tem também um tópico sobre a Turquia, os líderes deverão apoiar a posição que tem sido expressa por Bruxelas de que "a interferência estrangeira" em Nagorno-Karabakh "não é aceitável e é preciso evitá-la".
"Defendemos que todos os atores regionais devem contribuir para parar o confronto armado, por forma a permitir uma resolução pacífica deste conflito", avançou nesta semana o porta-voz principal da Comissão Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Peter Stano.
O jantar de trabalho desta quinta-feira será inteiramente dedicado à situação no Mediterrâneo Oriental e às relações com a Turquia. "O nosso objetivo é criar espaço para um diálogo construtivo com a Turquia para alcançar a estabilidade e a segurança em toda a região e garantir o pleno respeito pela soberania e pelos direitos soberanos de todos os Estados membros da UE", defende Charles Michel, numa altura em que a Ancara tem em curso exercícios militares no Mediterrâneo que têm reforçado as tensões com Atenas.
O presidente do Conselho Europeu acredita que a estabilidade na região "só será possível se a Turquia se empenhar de forma construtiva". Sem nomear, o presidente Charles Michel adianta que "todas as opções permanecem em cima da mesa para defender os legítimos interesses da UE e dos seus Estados membros".
No âmbito da pandemia, Michel "gostaria que se discutisse a melhor forma de reforçar a autonomia estratégica da UE", tendo previsto "um debate aprofundado na sexta-feira de manhã sobre como desbloquear todo o potencial do mercado único, desenvolver uma política industrial ambiciosa e explorar as oportunidades oferecidas pelos mais recentes desenvolvimentos digitais".
O Brexit, que chegou nesta semana a uma fase crucial, terá reservado "um breve ponto da situação" sobre as negociações do acordo da relação futura, já no final da cimeira.