Brexit adiado até à noite das bruxas

Os líderes europeus decidiram adiar por mais alguns meses a saída do Reino Unido da UE. Até 31 de outubro esperam decisões do lado britânico. "Por favor, não desperdicem este tempo", frisou Donald Tusk.
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Ao fim de sete horas de discussões, os líderes europeus concordaram em adiar a saída do Reino Unido da União Europeia até 31 de outubro, véspera da noite de halloween. A data é o resultado de um compromisso entre múltiplas posições divergentes, que variaram desde as mais cooperantes, até uma linha dura, liderada pelo presidente de França, Emmanuel Macron, que impôs condições, conseguindo encurtar para seis meses o prazo de "até um ano" que o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, pretendia conceder.

"Esta extensão é tão flexível quanto eu esperava e um pouco mais curta do que eu esperava, mas ainda é suficiente para termos a melhor solução possível", afirmou, na conferência de imprensa realizada durante a madrugada desta quinta-feira. "Por favor, não desperdicem este tempo", alertou Tusk, falando do período extra de seis meses de permanência na União Europeia, que é agora concedido ao Reino Unido.

Numa tentativa de pressionar os membros do parlamento britânico - no qual o acordo de retirada já foi chumbado por três vezes -, Theresa May disse que ainda é possível evitar a realização de eleições europeias, desde que o mesmo acordo "seja aprovado antes de 22 de maio".

A certeza agora é a de que "não há reabertura da negociação do acordo de saída, e que não se iniciará a negociação da relação futura", embora haja "abertura para se poder rever a declaração política, relativa à relação futura com o Reino Unido, em função daquilo que for o resultado das negociações em curso, neste caso, as negociações entre o governo do Reino Unido e o Partido Trabalhista", afirmou o primeiro-ministro português, António Costa referindo-se aos motivos da extensão.

Azul da UE

Os lideres europeus juraram uma vez mais que estão disponíveis para ajudar o Reino Unido, na sua caminhada para fora da União Europeia. Mas, já toda a gente percebeu que "não tem graça nenhuma" a persistente hesitação a que Londres já habituou as instituições da capital em que a "fadiga do Brexit" torna o assunto ainda mais cinzento.

Curiosamente, não foi o caso de ontem. Na verdade, o arranque dos trabalhos foi até um momento de muito boa disposição e de muitos sorrisos, perante o sentido de humor das duas chefes de governo, que - não só ontem, mas especialmente ontem - dominaram atenções, Merkel e May.

Ambas estiveram reunidas na véspera, e pareciam até ter combinado a cor dos respetivos tailleurs com que se apresentaram na cimeira, pelo que ninguém podia deixar de reparar, tal era a coincidência. Pode, porém, pensar-se que "em diplomacia, nada é apenas uma coincidência", como comentou um diplomata com o DN, noutra ocasião, a propósito do mesmo fato com que Theresa May já se apresentou em momentos cruciais, nas discussões sobre o Brexit, pela cor que este apresenta.

Por ironia, Theresa May aparecia - uma vez mais -, vestida de azul índigo - aquele da bandeira da União Europeia -, só que, desta vez, com a companhia da europeísta Angela Merkel. Quando se aproximaram, era quase impossível de distinguir onde começava o casaco de uma e terminava o da outra. E, até o contorno, em que se esbatiam com a cor dos próprios cenários institucionais, era quase impercetível.

Ambas tinham já discursado nos respetivos Parlamentos com os mesmos casacos e a Chanceler alemã, levava preparada uma fotografia - no ecrã do iPad -, em que apareciam ambas, vestidas com as cores da União Europeia. Merkel fez questão de apresentar a imagem à chefe do governo do país que quer abandonar a União, mostrando que não deixava passar a escolha das tonalidades e as leituras que daí podem extrair-se. May vestiu-se com as cores da UE.

As discussões com o Reino Unido devem ser conduzidas "de forma construtiva" e "o importante agora e conhecer qual a mensagem que Londres vai preparar para integrar as eleições europeias", defendeu a Chanceler alemã, à entrada para a cimeira, parecendo já dar por adquirido que o Reino Unido não sairá antes.

A primeira-ministra britânica logo à chegada a Bruxelas manifestava a convicção de que ainda é possível fechar o acordo "até 22 de maio", mas aceitaria qualquer extensão que termine "tão depressa quanto possível".

"Estou a trabalhar para assegurar que deixamos a União Europeia dentro do timing que o governo gostaria. Eu quero que estejamos preparados para deixar a União Europeia de forma suave, tão depressa quanto possível", afirmou, apesar das criticas e os pedidos de esclarecimento, que conheceu ainda antes de entrar na sala da cimeira. Por exemplo, os que lhe foram dirigidos pelo presidente francês.

"Nós devemos saber hoje, o porquê desse pedido, qual é o projeto político que a justifica e quais são as propostas claras. Mas, pela minha parte, mantenho-me no mesmo princípio, a clareza, a unidade do projeto europeu, o respeito pela escolha britânica", afirmou Macron, à entrada para a Cimeira, avisando "por isso" que àquela hora, "neste ponto", nada estaria "adquirido".

Theresa May tinha até uma resposta ensaiada e nem a insistente pergunta de vários jornalistas, sobre eventual frustração por ainda não ter concretizado o Brexit, fazia o mesmo relato, fugindo à pergunta. "Precisamos desse tempo extra, para trabalhar e assegurar que conseguiremos um acordo no parlamento que nos permita sair, de forma suave e ordeira, o que é do interesse de todos".

O primeiro-ministro português, António Costa liderou a posição mais moderada, relativamente ao que deveria ser exigido ao Reino Unido em troca do acordo por uma "extensão tão longa quanto necessária, para que o Reino Unido possa ter uma posição final e consequente sobre esta questão e espero que seja isto que o Conselho hoje permita".

Entretanto, durante a tarde, o Parlamento Europeu opôs-se à "incerteza em torno do Brexit, que afeta os nossos cidadãos e as nossas empresas, precisa de terminar, esperando agora por um resultado rápido e positivo do diálogo interpartidário em curso, no âmbito nacional, no Reino Unido".

No plano europeu apoiaria uma melhoria da declaração política, que poderia incluir a participação na união aduaneira ou no mercado único, desde que no pleno respeito pelos princípios da União Europeia. Ou seja, "indivisibilidade das quatro liberdades, a integridade do mercado único e a autonomia do processo de decisão da UE".

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