Brasil escolhe Presidente para os próximos dois anos sem ir às urnas

Afastamento de Dilma Rousseff parece quase certo perante os debates sobre o 'impeachment'
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Os senadores brasileiros vão escolher o Presidente que querem a comandar o Brasil até às eleições presidenciais de 2018, ao julgarem Dilma Rousseff a partir de quinta-feira, num processo com parâmetros mais políticos do que jurídicos.

Com um ano e pouco mais de quatro meses de segundo mandato, a 12 de maio, Dilma Rousseff foi temporariamente suspensa do cargo para ir a julgamento por irregularidades orçamentais, que têm levantado dúvidas quanto à sua configuração enquanto crimes de responsabilidade passíveis de destituir um Presidente da República.

Porém, nos debates sobre o 'impeachment' (destituição), os parlamentares têm discorrido mais sobre o conjunto da obra de Dilma Rousseff, a profunda recessão económica que o país enfrenta e os casos de corrupção, que vêm minando a vida política brasileira, inclusive o Partido dos Trabalhadores (PT) e o ex-Presidente Lula da Silva.

Após 59 dos 81 senadores terem aceitado, a 10 de agosto, a denúncia contra Dilma Rousseff, a vida da Presidente com mandato suspenso ficou ainda mais dificultada.

Para se safar de perder o mandato e de ficar inelegível para cargos públicos durante oito anos, Dilma Rousseff precisa ainda de convencer seis senadores, visto que no julgamento final bastam 54 senadores para ditar o afastamento definitivo, algo que parece quase certo.

Nesse cenário, o Presidente interino, Michel Temer, que pegou temporariamente na gestão do país a 12 de maio, passará a ter toda a legitimidade para representar o Brasil enquanto Presidente efetivo e tomar medidas impopulares para melhorar a economia.

Contudo, com um governo aprovado por 14% da população, quase o mesmo que o de Dilma Rousseff quando ela foi suspensa, Michel Temer não terá a vida fácil, podendo ser apanhado na mesma teia onde Dilma Rousseff assumiu ter ficado presa: "a fragmentação partidária patrocinada por fisiologismo [procura de vantagens pessoais]".

Até agora, Michel Temer, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), mostrou interesse em agradar a todos e teve até de fazer concessões aos parlamentares, o que pode comprometer as reformas para reequilibrar as contas públicas.

Michel Temer - que tem repetido não desejar candidatar-se em 2018 - quer, por exemplo, levar adiante as reformas laboral e da segurança social.

Se Dilma Rousseff for considerada inocente, voltará ao exercício do cargo e Michel Temer deverá deixar a vice-presidência, visto que tem sido acusado pela Presidente suspensa de "traidor" e "golpista".

Ainda antes de o pedido de 'impeachment' ter passado na Câmara dos Deputados (câmara baixa do Senado), já o então ministro-chefe do gabinete pessoal da Presidente, Jaques Wagner, dizia que Michel Temer deveria renunciar ao cargo se o processo fosse rejeitado.

Numa carta enviada na semana passada aos senadores, a líder brasileira voltou a propor "a convocação de um plebiscito, com o objetivo de consultar a população sobre a realização antecipada de eleições" e uma reforma política.

Contudo, o presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), Rui Falcão, disse não concordar que a Presidente abra mão de mandato e alertou que a hipótese é inviável, uma vez que o processo para a convocação de novas eleições demoraria dois anos, terminando em 2018, ano de presidenciais.

Além disso, a chefe de Estado precisaria de uma maioria para aprovar o referendo, algo que atualmente não tem.

No final de junho, Dilma Rousseff também afirmou que, caso retorne à liderança do país, fará um governo de transição, com o intuito de garantir a democracia até às eleições de 2018, e avançará nas discussões em torno da reforma política.

Qualquer que seja o veredicto dos senadores, o Presidente até 2018 poderá ter o trabalho dificultado também pelas eleições municipais de outubro e pelo clima de ano pré-eleitoral em 2017.

Em qualquer caso, Dilma Rousseff deverá ficar na história, não só como a primeira mulher a ocupar o mais alto cargo no país, mas também como a única chefe de Estado que aceitou enfrentar todo o processo de destituição, indo ao Senado fazer a sua defesa.

Fernando Collor de Mello, o único Presidente condenado num processo de 'impeachment', em 1992, apresentou a renúncia horas antes do julgamento final, mas os senadores decidiram levar o processo até ao fim.

Dilma Rousseff tem garantido que irá lutar até ao último dia pelo seu mandato e, sobretudo, pela democracia e pelo "respeito pelo voto direto do povo".

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