Bolsonaro rompe isolamento e participa em manifestação a seu favor
Jair Bolsonaro participou neste domingo em manifestações a seu favor e contra os outros poderes constitucionais do Brasil, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF), mesmo depois de ter sido aconselhado por médicos do ministério da saúde a ficar em isolamento. Os atos, que o próprio presidente do Brasil ajudou a convocar mas depois tentou cancelar por causa da pandemia de coronavírus, juntaram milhares de brasileiros em dezenas de cidades.
Ao início da tarde, Bolsonaro, que acusou negativo num exame ao covid-19 realizado na sexta-feira mas esteve em contacto com pelo menos sete infetados em recente viagem oficial à Florida, nos Estados Unidos, saiu do confinamento no Palácio do Alvorada e cumprimentou, abraçou e tirou selfies com participantes da manifestação em Brasília, capital do pais.
Na semana passada, em Boa Vista, no Roraima, o presidente incentivara a população a participar das manifestações, chamadas por si de "movimento de rua espontãneo". Depois, face ao avanço do coronavírus no Brasil, usou máscara de proteção para sugerir uma nova data para a "manifestação espontânea" na sua comunicação semanal ao país pelas redes sociais.
Ainda assim ao longo desta manhã, ainda antes de romper o isolamento, já partilhara imagens de atos em Belém, no Pará, em Salvador, na Bahia, em Ribeirão Preto, em São Paulo, e em Volta Redonda, no Rio de Janeiro, entre outras cidades.
Na Avenida Paulista, em São Paulo, cantou-se "quem tem medo do coronavírus" (e, numa outra versão, "quem tem medo comunavírus") e exibiram-se faixas a dizer "o vírus que mata é o da corrupção".
As manifestações já estavam marcadas desde o início do ano para protestar contra a decisão do STF de não prender condenados em segunda instãncia - entendimento que libertou Lula da Silva, entre outros. Depois foram sendo adiadas até ganharem força ao longo de fevereiro por causa de um braço de ferro entre o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional por uma fatia do orçamento.
Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, as duas casas do Congresso Nacional, foram, por isso, dos mais visados pelos manifestantes. "Contra o vírus do STF e do Congresso, alcool e fogo", lia-se numa faixa. Noutra, até um membro do governo acabou sob mira: "Fora Regina". lia-se a propósito de Regina Duarte, acusada de "esquerdista" por ter demitido secretários próximos do filósofo auto-didata Olavo de Carvalho, o guru de Bolsonaro e da nova extrema-direita brasileira.
Fernando Haddad, candidato do PT derrotado por Bolsonaro nas eleições de outubro de 2018, chamou as manifestações de "bolsonavírus". Outro candidato derrotado, Ciro Gomes, do PDT, escreveu no Twitter "Bolsonaro, irresponsável, em duas semanas estaremos iniciando o pico da infeção no Brasil! Vai trabalhar, vagabundo!".
Políticos da esquerda à direita, como Sâmia Bonfim, do esquerdista PSOL, ou o liberal Arthur do Val, do Patriota, também falaram em "irrespondabilidade". "Isto é ultrajantemente irresponsável, senhor presidente", escreveu Do Val, deputado estadual também conhecido por "Mamãe Falei", personagem sua na plataforma Youtube. Bonfim lembrou que centenas de eventos foram cancelados ou adiados menos as manifestações - "se tudo piorar, parcela importante da culpa terá nome e sobrenome", escreveu.
"Para espalhar o vírus do fascismo Bolsonaro não se importa de espalhar o coronavírus. É irresponsável! Vamos escutar e apoiar os médicos, nossos cientistas, enfermeiros e enfermeiras e profissionais da saúde. Serão eles que estarão connosco na guerra contra o coronavirus", disse a presidente do PT Gleisi Hoffmann.
Felipe Santa Cruz, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, chamou de "requinte de sadismo" o cumprimento do presidente aos seus apoiantes durante a pandemia.
Deputados apoiantes de Bolsonaro, por sua vez, divulgaram os atos. O pastor Marco Feliciano, por exemplo, partilhou "oração em Belo Horizonte para exorcizar Lula e a esquerda maligna", numa das manifestações.
Na sexta-feira, o número de contaminados com coronavírus no Brasil era de 73. Nas últimas horas subiu para 121. As preocupações do ministério da saúde são com a falta de condições para tratar todos os casos graves da doença e da chegada do outono e do inverno já neste mês.
"Obviamente pode ter problemas em relação ao timing da chegada do vírus ao Brasil, da diferença de sazonalidade no hemisfério, mas estratégias de restrição de aglomeração de pessoas são muito importantes, como mostra a epidemiologia tradicional", afirmou Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, à BBC Brasil.
O Ministério da Saúde informou que, segundo estudos, 90% dos casos podem ser tratados nos postos de saúde ou em casa. Mas, entre aqueles que são hospitalizados, o tempo de internação ronda três semanas, o que gera um impacto sobre os sistemas de saúde já que os leitos de unidades de tratamento intensivo ficam ocupados por um longo tempo.
Por isso, o governo vai buscar ampliar o número de leitos disponíveis nas emergências e de verbas para o sistema público de saúde. O ministro da pasta, Luiz Henrique Mandetta, pediu que sejam liberados cinco mil milhões de recursos [cerca de mil milhões de eurtos] para combater a pandemia e afirmou que o sistema público, do qual dependem exclusivamente quase 70% de brasileiros, não suportará a demanda criada pelo novo coronavírus.