UE admite que acordo do Brexit é muito difícil e volta a falar-se em novo adiamento

Eurodeputado socialista português Pedro Silva Pereira disse que, se não houver um acordo, o Parlamento Europeu apoiará uma nova extensão do Artigo 50.º. No mesmo dia, o jornal britânico Guardian avançou que a UE poderá pôr em cima da mesa um novo adiamento do Brexit até junho de 2020
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O negociador chefe da União Europeia para o Brexit, Michel Barnier classificou esta quarta-feira como "muito difícil" a possibilidade de ser alcançado um acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia até 31 de outubro, embora admita que isso "ainda é possível".

Questionado no Parlamento Europeu, antes da sessão plenária em que apresenta um ponto da situação sobre o andamento das "negociações sobre o Brexit", na antecâmara do Conselho Europeu dos dias 17 e 18, Barnier considerou "sempre possível, embora difícil" um acordo, enquanto decorrem as negociações.

"[Mantemos] o mesmo procedimento todas as semanas, (...) em qualquer caso a União Europeia permanecerá calma, vigilante, respeitadora e construtiva", afirmou o francês. Sobre se considera respeitadora a atitude do Reino Unido, disse que as "discussões técnicas continuam" e que ele próprio convidou "o [secretário de Estado britânico para o Brexit] Steve Barclay para um almoço de trabalho amanhã [quinta-feira]".

A afirmação de Michel Barnier afasta os rumores que circularam em Londres, que davam conta da rutura das negociações, após um telefonema dentre os governos de Londres e de Berlim. Ainda ontem, a porta-voz da Comissão Europeia, Mina Andreeva, negara uma tal rutura, uma vez que havia "negociações técnicas marcadas e a acontecer". Agora, a declaração de Barnier evidencia que as conversações prosseguem, incluindo a nível político.

Já na sala do plenário, Barnier admitiu: "No momento em que estou a falar convosco [os eurodeputados], não vejo como encontrar um acordo. O tempo está a esgotar-se".

"Continuaremos a trabalhar e acho que posso dizer hoje que, mesmo que seja muito difícil, - muito difícil -, se houver boa vontade de ambos os lados, um acordo ainda é possível com os britânicos", admitiu.

No mesmo debate, o líder dos liberais no Parlamento Europeu, o belga Guy Verhofstadt, classificou a proposta alternativa apresentada na semana passada por Boris Johnson sobre o ponto do backstop como "não séria" e "virtual". E acusou o primeiro-ministro conservador de estar a tentar fazer "um jogo de passa culpas" em que todos são culpados, "todos menos o senhor Johnson, pelos vistos".

Fazendo uso da palavra, o eurodeputado socialista português Pedro Silva Pereira, que é também um dos vice-presidentes do Parlamento Europeu, disse igualmente que a proposta alternativa de Boris Johnson tem vários problemas e que, se não houver um acordo, "o Parlamento Europeu apoiará uma nova extensão do Artigo 50.º" do Tratado de Lisboa. Ou seja, um novo adiamento do Brexit - que será o terceiro. A data inicial prevista para a saída do Reino Unido da UE era 29 de março deste ano.

"É claro que o senhor Boris Johnson está num jogo de passa culpas", afirmou, por seu lado, o eurodeputado português PSD Paulo Rangel, que também confirmou a disponibilidade do Parlamento Europeu para chegar a um acordo, seja daqui a uma semana ou seja daqui a mais tempo. Por isso, sublinhou o também vice-presidente do grupo político Partido Popular Europeu, a eurocâmara está disponível para viabilizar uma nova extensão do Artigo 50.º.

Avisos

O presidente da Comissão Europeia, o luxemburguês Jean-Claude Juncker iniciou o discurso perante o plenário a falar dos progressos, em matéria de integração, realizados pela República da Macedónia do Norte e pela Albania, admitindo que a porta do Alargamento da UE deve abrir-se a estes dois países.

Porém, "à medida que a União Europeia avança, devemos também lidar com a saída de um Estado membro", já que "essa foi a escolha do povo britânico, não a escolha da União Europeia, embora estejamos a respeitar essa escolha".

"Continuamos em discussão com o Reino Unido sobre os termos da saída", afirmou Juncker, descartando as responsabilidade do bloco, no caso de uma saída abrupta, uma vez que ele "pessoalmente não exclui um acordo".

Mas a declaração veio acompanhada de um aviso expresso com raro dramatismo: "Gostaria de repetir, à atenção dos nossos amigos britânicos que não é apenas um Parlamento em Westminster que precisa concordar com as regras", remetendo para as responsabilidades que o Parlamento Europeu também terá na decisão.

Extensão ou nenhum acordo

Na abertura da sessão plenária, o presidente do Parlamento Europeu, o italiano David Sassoli relatou as preocupações que expressou na terça-feira ao primeiro-ministro britânico, no encontro que ambos mantiveram em Londres, na sequência do convite de Boris Jonhson.

"Apesar de alguma confiança e esperança, vi que não há muito progresso no momento", lamentou Sassoli, frisando que "qualquer acordo alcançado entre a União Europeia e o Reino Unido deve obter não apenas o voto da Câmara dos Comuns, mas também a aprovação do Parlamento Europeu".

David Sassoli deu conta da sua apreciação sobre as mais recentes propostas apresentada pelo Reino Unido com uma alternativa ao backstop original, considerando que elas "não constituem atualmente uma base para chegar a um acordo" e são apenas "ideias".

"Não são propostas que possam ser implementadas imediatamente", considera Sassoli, avisando que neste momento identifica apenas "duas alternativas: a extensão [do Artigo 50.º do Tratado de Lisboa] ou nenhum acordo".

"É claro que o Parlamento está aberto à possibilidade de uma extensão", confirmou, apontando para a necessidade de "haver razões válidas ou objetivos precisos" para que uma tal extensão seja concedida, mas "solicitar a extensão é uma responsabilidade e uma prerrogativa do Reino Unido". Razões válidas e objetivos precisos seriam, pelo que ponto em que se está neste momento, ou eleições antecipadas ou um segundo referendo sobre o Brexit.

Extensão longa

Em Bruxelas circulou esta quarta-feira a informação sobre uma ideia que aponta para a possibilidade do prazo de uma extensão poder vir a ser amplamente maior do que os três meses inicialmente discutidos. Apesar da resistência do primeiro-ministro Boris Johnson em assumir a necessidade de um novo adiamento do Brexit (que seria o terceiro já).

O jornal britânico The Guardian cita fontes diplomáticas da União Europeia, as quais admitem a manutenção do Reino Unido na União Europeia, durante todo o primeiro semestre de 2020, até junho.

A discussão sobre esta possibilidade ganhou força depois de se ter ficado quase como um ponto assente, após o telefonema entre a Boris Johnson e chanceler alemã, Angela Merkel, que o acordo entre Londres e o bloco europeu seria praticamente impossível até 31 de outubro.

Ontem, numa chamada entre Berlim e o N.º 10 de Downing Street, Merkel terá dito a Jonhson que achava "extremamente improvável" um acordo, que não incluísse a manutenção permanente da Irlanda do Norte na União Aduaneira.

A ideia é inaceitável para Londres, e Boris Johnson colocou de imediato um porta-voz do seu governo a dizer que se afirmação da chanceler "representar uma nova posição estabelecida", tal significará que "o acordo é virtualmente impossível (...) para sempre".

Com a ironia que o caracteriza, o polaco Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, não perdeu tempo a criticar Johnson, lembrando-se que o que está em causa "não é um estúpido jogo de passa culpas", mas sim "o futuro da Europa e do Reino Unido, assim como a segurança e os interesses dos nossos povos".

"Não queres um acordo, não queres uma extensão, não queres revogar... quo vadis? [Para onde vais?, em latim]", questionou o presidente do Conselho Europeu.

Proposta de Londres

Na semana passada, Boris Johnson fez chegar a Bruxelas uma proposta, que do seu ponto de vista, constituiria uma alternativa ao backstop para Irlanda, através de controlos múltiplos, no mar e em dois ponto diferentes, distantes da fronteira, entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda.

Porém, Bruxelas considera que os modelos apresentados não são uma alternativa credível. De um modo geral, o plano passa por "recauchutar ideias antigas" que os britânicos tinham eles próprios apresentado já, e que se tinha verificado que "não funcionam", comentou com o DN uma fonte próxima das negociações.

Na Comissão Europeia o plano alternativo de Boris Johnson foi amplamente descredibilizado. A análise feita por Bruxelas chega a uma lista de pontos críticos, sobre o texto da proposta em que consta, por exemplo, o alerta sobre a possibilidade das pequenas e médias empresas beneficiarem de isenções aduaneiras inaceitáveis, além de não apresentar propostas concretizáveis sobre a forma de evitar o contrabando.

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