Autor de O Mecanismo já não acredita em Sérgio Moro, o herói da série
José Padilha, o autor dos filmes Tropa de Elite, um e dois, já não acredita em Sergio Moro, retratado, sob o nome ficcional Paulo Rigo, como um dos heróis da sua série O Mecanismo, de 2018, baseada na Operação Lava-Jato. Em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, o realizador brasileiro diz que o pacote anticorrupção do ministro da Justiça do governo de Jair Bolsonaro "vai estimular a violência policial, o crescimento das milícias e sua influência política". O pacote de Moro, conclui Padilha, é "pro-máfia".
"Ora, o leitor sabe que sempre apoiei a Operação Lava-Jato e que chamei Sergio Moro de 'samurai ronin', numa alusão à independência política que, acreditava eu, balizava a sua conduta. Pois bem, quero reconhecer o erro que cometi", escreve Padilha.
"Sergio Moro finge não saber o que é milícia porque perdeu a sua independência e hoje trabalha para a família Bolsonaro. Flavio Bolsonaro não foi o senador mais votado em 74 das 76 secções eleitorais de Rio das Pedras por acaso..."
Rio das Pedras, bairro na zona oeste do Rio de Janeiro, é a base do Escritório do Crime, grupo ligado a milícias que segundo a polícia está envolvido na execução da vereadora Marielle Franco e cujo chefe, o foragido Adriano da Nóbrega, foi homenageado pelo filho mais velho do presidente da República, enquanto deputado estadual na cidade. Familiares de Nóbrega, aliás, fizeram parte do seu gabinete como assessores.
Padilha, que sobretudo no Tropa de Elite 2 - O Inimigo agora É Outro, o filme mais assistido da história do Brasil com 11 milhões de espectadores, aborda a questão das milícias, recorda no seu texto que "desde 1969, quando o regime militar editou a ordem de serviço 803, que impede a prisão de polícias em 'auto de resistência', apenas 2% dos casos [mortes causadas por polícias] são denunciados à justiça e poucos chegam ao tribunal do júri". E conclui: "Aprovado o pacote anticrime de Moro, esse número vai tender a zero. Isso porque o pacote prevê que, para justificar legítima defesa, bastará que o polícia diga que estava sob 'medo, superada ou violenta emoção'".
Padilha, que lembra ainda que a inspiração do ministro da Justiça de Bolsonaro é o juiz italiano que comandou a Operação Mãos Limpas, Giovanni Falcone, chama a Moro "um anti-Falcone".
Já em janeiro, Padilha havia feito um paralelo entre um dos seus filmes, o Tropa de Elite 2 e a situação política no Brasil. Dizia que os eleitores brasileiros em vez de terem votado no polícia incorruptível, a personagem Capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura, haviam eleito o chefe de milícia, Reinaldo Rocha, vivido no grande ecrã por Sandro Rocha.
Por esse dias, tinha sido noticiado pela primeira vez que Flávio Bolsonarohavia empregado a mãe e a mulher do chefe da milícia Nóbrega. "É muito estranho, ele é considerado por muitos polícias que conheço como um matador supostamente envolvido na morte de bicheiros [empresários do ilegal jogo do bicho], presidentes de escolas de samba e milicianos inimigos."
Flavio afirmara que as nomeações foram responsabilidade do seu ex-assessor, o ex-polícia Fabrício Queiroz, cujas movimentações financeiras foram consideradas como atípicas e estão desde então a ser investigadas pelas autoridades.
Já em março, a relação da família Bolsoanro com as milícias voltou a ser falada quando se soube que Ronnie Lessa, o autor dos disparos contra Marielle, morava no mesmo condomínio do presidente e os filhos de ambos haviam namorado. Por sua vez, o condutor da viatura de onde saíram os tiros, Élcio Queiroz, eleitor de Bolsonaro, expusera fotografia sua ao lado do então candidato presidencial, em meados do ano passado.
A independência de Moro enquanto juiz, entretanto, sempre foi questionada pelo partido de Lula da Silva, sobretudo depois da sua condenação e, mais ainda, quando o magistrado decidiu meses depois integrar o governo de Bolsonaro.