As minas fecham e as cidades afundam-se

Quando preço e lucro subiam, os mineiros eram encorajados a escavar cada vez mais fundo, invadindo zonas residenciais e de cultivo.
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Na profundeza das terras do carvão na província de Shanxi, no norte da China, os habitantes da aldeia de Helin estão a travar uma batalha à medida que o solo por baixo deles se desmorona: remendar fendas, reconstruir muros e encher buracos causados por décadas de exploração das minas de carvão. Uma centena de poços de minas em Helin - enterrados nesta zona rural e montanhosa perto de Xiaoyi - têm sido desativados e barracões desarrumados equilibram-se de forma precária nas encostas das minas.

Mas enquanto as autoridades locais começaram a evacuar centenas de milhares de residentes em risco noutras zonas da província de Shanxi, , a situação em Helin - apesar de preocupantes - ainda não é considerada prioritária.

"Ainda não nos disseram para partir, mas quando o governo nos der a ordem, ficaremos felizes por partir", diz Wang Junqi, que vive com a família num apartamento de uma assoalhada. "Não é seguro e as pessoas que têm algum dinheiro já se foram embora. É assustador, mas o que é que podemos fazer?"

Minas escavadas sob aldeias e cidades durante as três décadas que durou o boom do carvão na China deixaram as autoridades com necessidade de evacuar centenas de localidades em perigo de se afundarem.

Só na província de Shanxi, planeiam retirar 655 mil residentes até fim do próximo ano de antigas regionais mineiras que são inseguras. O custo de realojamento está estimado em 15,8 mil milhões de yuans (2,1 mil milhões de euros). O governo de Shanxi estima que as minas de carvão já tenham custado à província 77 mil milhões de yuans em "perdas económicas ambientais".

Desastre geológico

O abatimento provocado pelas minas não é um problema exclusivo da China, mas ali é mais grave do que noutros países. Um quadro num edifício antes pertencente ao Partido Comunista numa aldeia abandonada não longe de Helin dá uma ideia da escala do desastre. Lista 19 "zonas de desastre" geológicas que se estendem por 23 aldeias, 55 derrocadas, 950 fendas no solo e 808 incidentes de abatimento provocados pelas minas - tudo numa área de 13,25 km2.

Segundo dados oficiais, as minas de carvão já causaram 26 mil desastres geológicos até finais de 2014, e 20 mil km2 de terra foram afetados, uma área do tamanho da Gâmbia, em África, segundo certas estimativas.

O ministro da Terra chinês disse no mês passado que gastaria 75 mil milhões de yuans (dez mil milhões de euros) nos próximos cinco anos para recuperar terrenos das minas e tratar o lixo a nível nacional.

A fatura ambiental surge num momento em que o sector do carvão chinês enfrenta dívidas crescentes, vê a procura cair e os preços baixarem, depois de o boom se ter transformado em fracasso.

De bênção a fardo

O sector do carvão, como outras indústrias básicas na China como é o caso do aço, está agora com uma sobrecapacidade estimada em dois mil milhões de toneladas por ano, à medida que a procura abrandou e o país promoveu formas de energia mais limpas. A China planeou fechar cerca de mil minas de carvão só este ano, muitas delas em áreas residenciais como Helin, à medida que corta para 62% a percentagem de carvão no consumo total de energia até 2020.

Durante o boom, quando preços e lucros subiam, os mineiros eram encorajados a escavar cada vez mais fundo, invadindo zonas residenciais e de cultivo.

Enquanto grandes empresas estatais realojavam por vezes aldeias inteiras, empresas privadas mais pequenas, à procura de lucros, simplesmente escavavam por baixo e à volta das localidades. Com os impostos pagos pelas empresas mineiras a aumentar, as autoridades locais estavam relutantes em impor controlos mais estritos à indústria.

A indústria mineira ajudou a pagar a construção de localidades como aquela em que fica Helin, enchendo os cofres do governo local com o dinheiro dos impostos e deixando o centro da cidade ocupado em grande parte por blocos de apartamentos de luxo vazios.

O que chegou a ser uma bênção para os governos transformou-se agora num fardo: Xiaoyi já gastou mais de seis mil milhões de yuans (799 milhões de euros) para resolver o abatimento, explicaram as autoridades. Em parceria com a cidade vizinha de Luliang, planeiam realojar 230 mil pessoas entre 2014 e 2017.

Pouco deste dinheiro usado para deslocar comunidades e recuperar as terras vem dos próprios mineiros, apesar de esse ser o plano inicial. Os mineiros têm de pagar "impostos de abatimento" depois usados na limpeza quando as minas fecham. O grupo Datong, a única empresa mineira estatal a dar compensações acaba de pagar 1,4 mil milhões yuans em impostos entre janeiro e março deste ano, ou 0,04% do custo total, segundo o relatório de contas.

Soluções solares

Jiang Jian, uma deputada regional da província de Shandong, disse à Reuters que Pequim precisa de traçar medidas pormenorizadas para saber quanto é que as empresas mineiras deviam pagar. Muitos dos locais mais afetados foram há muito abandonados, tornando mais difícil determinar quem são os responsáveis, explicou Jiang, por isso Pequim também precisa de prever fundos para ajudar a pagar os custos de recuperação, incluindo o tratamento do lixo das minas.

Para ajudar na limpeza, a China está a encorajar empresários a transformar minas abandonadas e, projetos de energia solar e eólica. A solar representa 0,6% do total da energia consumida na China.

Um projeto de energia solar piloto surgiu perto de Datong, também em Shanxi, em solo danificado pelas minas e impróprio para cultivo.

A área já foi uma região próspera de produção de carvão, com mais de mil minas, mas a extração parou depois do colapso dos preços, e a energia local afundou-se."Antes de chegarmos, este pedaço de terra não era apropriado para cultivo, mas agora pode ser usado, pelo menos em parte", diz He Xin, gestor de projetos do grupo United Photovoltaics, que opera uma central solar com 100 megawatts de potência.

Jornalista da Reuters

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