Amnistia acusa Europa de ser cúmplice dos abusos a migrantes na Líbia

Organização diz que europeus têm de repensar o apoio às autoridades líbias destinado a travar travessias do Mediterrâneo
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Centros de detenção sobrelotados, tortura e extorsão por parte dos guardas, conluio entre as autoridades e os traficantes de pessoas. Um cenário trágico na Líbia que, segundo a Amnistia Internacional (AI), a Europa está a alimentar ao adotar uma política de controlo de migração cujo objetivo é travar as novas entradas. "Os governos europeus não estão apenas plenamente conscientes destes abusos. Ao apoiar ativamente as autoridades líbias para travar as travessias e conter as pessoas na Líbia, são cúmplices destes crimes", disse o diretor da AI para a Europa, John Dalhuisen.

No relatório "A tenebrosa teia de conluio na Líbia: abusos de refugiados e migrantes rumo à Europa", a organização de direitos humanos denuncia a forma como os governos europeus - e aponta um dedo específico à Itália - estão ativamente a apoiar um sistema sofisticado de abuso e exploração de refugiados e migrantes por parte da Guarda Costeira da Líbia, das autoridades responsáveis pelos centros de detenção e traficantes para impedir que cruzem o Mediterrâneo.

Os países europeus ajudam ao dar apoio técnico e assistência à entidade governamental responsável pela supervisão desses centros, assim como ao equipar e treinar a Guarda Costeira da Líbia para a interceção dos migrantes no mar. "Os governos europeus devem repensar a sua cooperação com a Líbia no tema da migração e permitir que as pessoas cheguem à Europa através de formas legais, incluindo a reinstalação de dezenas de milhares de refugiados", indicou Dalhuisen, no comunicado que acompanha o relatório. "Têm de insistir com as autoridades líbias para acabar com a política e prática de detenções arbitrárias de migrantes e refugiados, libertar imediatamente todos os estrangeiros detidos em centros de detenção e permitir que o ACNUR opere sem obstáculos", pede.

Testemunhos

No relatório, Mumin (nome falso) conta à AI como é estar num centro de detenção: "É como o inferno. Um grande armazém com pequenas salas lá dentro. Nunca vemos a luz do sol. Estamos fechados numa sala, cada uma com casa de banho. Os quartos estão cheios, não há espaço para dormir no chão ao mesmo tempo." Já Bakary, da Gâmbia, relata a violência noutro centro e como a família foi obrigada a pagar pela sua libertação. "Fiquei lá três meses, depois paguei 500 dinares líbios e deixaram-me ir. No centro não me deram comida, bateram-me com uma mangueira de plástico, porque queriam dinheiro para me libertar. Eles telefonam à família quando te batem para a família enviar dinheiro."

Outros migrantes explicaram à organização como funciona a colaboração entre os traficantes e a Guarda Costeira da Líbia: "Eles fazem um sinal a vermelho no barco. Se a marinha vir isso, significa que pagaram", contou Marvin, do Senegal. Esses barcos são autorizados a cruzar o Mediterrâneo sem serem intercetados.

"Centenas de milhares de refugiados e migrantes presos na Líbia estão à mercê das autoridades líbias, das milícias, dos grupos armados e dos traficantes, que muitas vezes trabalham perfeitamente em conjunto para obter lucro. Dezenas de milhares [a AI fala em até 20 mil pessoas] são mantidos indefinidamente em centros de detenção sobrelotados onde são sujeitos a abusos sistemáticos", disse Dalhuisen.

Nos primeiros 11 meses do ano, o número total de chegadas através da rota do Mediterrâneo Central (isto é, Itália) foi de 116 400 - um terço das registadas no mesmo período de 2016. Só na rota que termina em Espanha é que se regista um aumento de entradas - 21 100 entre janeiro e novembro, 140% mais do que no ano passado. No total, em todas as rotas, há uma queda de 62% em relação a 2016, segundo os dados da Frontex.

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