Ameaçada de morte, Ilhan Omar garante: "Não concorri ao Congresso para ficar calada"
Em novembro de 2018, Ilhan Omar foi eleita para a Câmara dos Representantes. Nascida na Somália, a democrata e ex-refugiada foi a primeira mulher somali, a primeira cidadã naturalizada e uma das primeiras mulheres muçulmanas a ter um lugar no Congresso americano e rapidamente se tornou num símbolo da oposição às ideias conservadoras e anti-imigração de Donald Trump.
Mais do que um símbolo, ela tem sido uma das vozes dessa oposição. E muitas vezes envolta em polémica. Em março, a congressista de 37 anos participou num evento do Conselho para as Relações Islâmico-Americanas (CAIR na sigla original) e na sua intervenção referiu-se ao modo como, desde os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 (que os americanos identificam apenas por 9/11 e que fizeram quase três mil mortos), os muçulmanos têm vivido "com o desconforto de ser cidadãos de segunda classe". "O CAIR foi criado após o 9/11 porque reconheceram que algumas pessoas fizeram algumas coisas e que todos nós estávamos a começar a perder o acesso às nossas liberdades civis", disse - o que é falso pois o CAIR foi fundado em 1994, mas é verdade que ganhou um novo fôlego após o 11 de setembro.
Depois disso, o presidente Donald Trump publicou no Twitter um vídeo com um excerto das declarações de Omar - aquele onde ela diz "algumas pessoas fizeram alguma coisa" - alternando com imagens dos ataques às Torres Gémeas de Nova Iorque e ao Pentágono em 2001. Na legenda deixou o aviso, em letras maiúsculas: "Nós nunca esqueceremos":
A partir daí começou uma enorme polémica, com Ilhan Omar a ser acusada, sobretudo pelos republicanos, de minimizar os ataques. Uma das reações mais inflamadas foi do tabloide New York Post, que colocou na capa uma imagem das torres a arder com o título "Aqui está a tua alguma coisa":
Por outro lado, muitos democratas - como a presidente da Câmara dos Representantes Nancy Pelosi, a senadora e candidata presidencial Elizabeth Warren ou a congressista-estrela Alexandra Ocasio-Cortez - têm defendido a representante do Minnesota e criticam Trump por incentivar o ódio. Nos media, multiplicam-se os artigos de opinião a defender ou a criticar Omar.
De tal forma que a congressista diz que nos últimos dias tem recebido inúmeras ameaças de morte e fez uma declaração pública em que acusa claramente o presidente: "A retórica violenta e todas as formas de discurso de ódio não têm lugar na nossa sociedade, muito menos por parte do presidente do nosso país. Somos todos Americanos. Isto está a pôr vidas em perigos. Tem de parar."
Na sua intervenção no CRAI, Omar referia-se à islamofobia que existe nos EUA e ao facto de se sentir, muitas vezes, indesejada no país: "Durante muito tempo neste país têm-nos dito que estar aqui é um privilégio que nos foi dado e que nos pode ser retirado. Dizem-nos que nos devemos comportar. Devemos ir à escola, estudar, educar os nossos filhos e não incomodar ninguém, não fazer qualquer tipo de barulho, não fazer ninguém sentir-se desconfortável", disse a congressista.
Nos EUA, um muçulmano pode ser um bom aluno e até tornar-se médico, pode ter um lindo casamento e fazer os pais felizes, pode comprar uma casa bonita, disse a congressista, antes de acrescentar: "Mas nada disso importa se um dia for ao hospital e não puder ter acesso aos cuidados de que precisa porque alguém não o reconhece como um ser humano. Não importa o quão bom era se não pode ter o seu tapete de oração e fazer o seu intervalo de 15 minutos para ir rezar". Por esse motivo, Ilhan Omar pediu aos muçulmanos que tomem uma posição e não se calem, tal como os afro-americanos e outros grupos que sentem discriminados estão a fazer. Os muçulmanos devem agir como verdadeiros cidadãos e não como convidados, é o que ela defende.
"Não concorri ao Congresso para ficar calada", garantiu Omar numa declaração publicada nas redes sociais no passado sábado, prometendo continuar a defender a democracia, por muito que isso incomode. "Este país foi criado sobre as ideias de justiça, de liberdade, da busca pela felicidade. Mas estas crenças fundamentais estão a ser atacadas. Todos os dias. Estamos a ser ameaçados por uma administração que prefere enjaular crianças dos que fazer uma reforma das leis da imigração. Uma administração que prefere dar isenções fiscais a bilionários do que dar uma pequena almofada aos trabalhadores. Uma administração que quer banir os muçulmanos deste país e prefere atacar compatriotas americanos que são transgénero e usam o uniforme do nosso país do que lutar pela igualdade e oportunidade para todos."
Ilhan Abdullahi Omar chegou aos Estados Unidos com 12 anos, fugindo da guerra civil que devastava a Somália. Antes de ir para a América passou quatro anos num campo de refugiados no Quénia. Na altura falava muito pouco inglês. A família de Ilhan Omar instalou-se na zona de Cedar-Riverside em Minneapolis. A jovem tornou-se ativista e, antes de chegar à Câmara dos Representantes estadual, no Minnesota, em 2016, foi diretora de iniciativas políticas na organização Women Organizing Women, um grupo dedicado a apoiar as mulheres estrangeiras na sua integração nas comunidades que integram quando chegam aos EUA. Para além de Ilhan Omar, a outra muçulmana no Congresso é Rashida Tlaib, do Michigan. Mas Omar foi a primeira a levar o seu hijab para as sessões, obrigando mesmo a mudar as regras estritas do Capitólio que proibiam os congressistas de ali entrar de cabeça coberta.