A saga de 16 mil quilómetros da 'salsicha' Pip para rever os donos

Cadela viajou dos EUA à Austrália, mas a pandemia obrigou a que essa viagem durasse cinco meses. Pelo meio conheceu vários "donos" e cidades. Mas a família que a encontrou há dois anos na Sicília recusou desistir dela e não houve covid que impedisse o reencontro.
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As viagens, o número de cuidadores e todas as peripécias por que Pip passou para regressar para junto dos donos são a prova de que quem ama os seus cães não desiste de os ter ao seu lado. Nem eles de voltarem a enroscar-se aos pés de quem os cuida. Mesmo que para isso tenham de fazer milhares e milhares de quilómetros e ir do continente americano até à Oceânia.

É uma história de amor a que une a "salsicha" Pip e a família australiana Eilbeck, uma história que apaixonou muita gente enquanto a trama se desenrolava por cinco longos meses. Perante esta força maior, o que são 16 mil quilómetros de distância e uma pandemia que tranca fronteiras? Nada que muita persistência e a vontade de reabraçar um ser mínimo e peludo não consiga ultrapassar.

Começou tudo em 2018, em Messina, na Sicília. Os quatro membros da família Eilbeck, Zoe e Guy, e seus filhos Cam e Max, estavam a meio da volta ao mundo no iate quando encontraram Pip. Adotaram-na como o quinto membro da família e todos viviam felizes até que o pico da pandemia os apanhou na Carolina do Sul.

Os quatro foram obrigados a voltar para casa, mas, devido às fortes restrições australianas à entrada de animais, não puderam levar a cadelinha. Zoe disse à CNN Travel que sabia que, mesmo numa situação normal, depois da importação do animal, este teria de cumprir dez dias de quarentena. Mas tinha um plano: voar com ela de Vanuatu, no Pacífico Sul, e dali seria um "pulinho" até Sydney.

Mas a covid-19 mudou tudo. Com as fronteiras a fechar, a família teve apenas 48 horas para atracar o barco e fazer as malas. E era preciso encontrar quem cuidasse de Pip. Uma amiga aceitou fazê-lo. Zoe alugou um carro e fez oito horas ao volante até à Carolina do Norte para entregá-la a Lynn Williams. Esperavam que fosse apenas seis semanas, mas a pandemia não abrandou e a família de acolhimento já tinha dois cães e não pôde ficar mais tempo com Pip.

Decidiram então publicar um anúncio a pedir alguém disponível para acolher Pip. Três pessoas responderam - uma foi Ellen Steinberg, também da Carolina do Norte. "Ouvi dizer que uma família que vivia num barco abandonou o seu cão e voou de volta para a Austrália e imediatamente formei impressões sobre quem eram essas pessoas. Mas, assim que conversei com eles, percebi que não poderiam ser mais atenciosos. Só tive essa impressão errada por não ter tido acesso a todos os pormenores", conta Ellen.

Enquanto isso, na Austrália, Zoe acordava todos os dias às quatro da manhã para lidar com a burocracia que a importação de um cão envolve naquele país. Mas ia sabendo como estava a sua cadela, através de videochamadas e mensagens.

A pandemia estreitou ainda mais as malhas da burocracia australiana e Zoe facilmente percebeu que, até chegar a casa, Pip teria de fazer uma longa viagem. Era preciso uma declaração dos Estados Unidos a atestar as boas condições de saúde de Pip, análises de sangue e à raiva. Era através de Nova Iorque que o assunto estava a ser tratado, mas os serviços entretanto fecharam e Ellen tinha de levar a cadela constantemente ao veterinário para fazer as análises para ter sempre documentação atualizada.

Chegou finalmente o dia em que receberam a autorização para Pip viajar para a Austrália, mas essa boa notícia coincidiu com anúncio de que a Qantas, a transportadora aérea australiana, já não estava a permitir viagens com caninos. Zoe não cruzou os braços e descobriu que, se tivesse origem na Nova Zelândia, Pip podia entrar no país - só tinha de conseguir um lugar para ela num voo de Los Angeles para Auckland, na empresa de transporte de animais Jetpets.

Mas, até que isso acontecesse, Pip ainda conheceu outra casa: Ellen Steinberg, que já tinha acolhido a cadela por três meses, teve de viajar e entregou-a a Stacey Green. Que a adorou, ao ponto da verdadeira dona temer ficar sem ela.


Era preciso levar o animal da Carolina do Norte para Los Angeles. Como se não bastasse os voos estarem sempre a ser cancelados, havia a questão de muitas companhias americanas não permitirem que animais de estimação sejam transportados de maio a setembro, os meses mais quentes.

Mais uma vez, Zoe não se resignou. Desta vez, recorreu às redes sociais a apelar ao coração de alguém que estivesse a viajar da costa leste para a oeste. Foi então que entrou em cena Melissa Young, que trabalha para a fundação de resgate de cães The Sparky Foundation, e se voluntariou para voar pela América com Pip. Depois de se certificar de que Pip se sentia confortável com ela, Young viajou de Greensboro para Charlotte, na Carolina do Norte, e depois de Charlotte para Los Angeles com o basset hound debaixo do banco.

Pip foi então entregue à Jetpets, que ainda a teve à sua guarda durante a noite para tratar de toda a papelada - só depois viajou de LA para Auckland. E, no tempo em que estava a voar, todos os seus "donos" seguiam nas aplicações do telemóvel, milímetro a milímetro, o percurso do avião através do oceano.

A saga de Pip ainda estava longe de terminar. Ao chegar à cidade australiana de Melbourne, teve de cumprir dez dias de quarentena, como a lei obriga. O previsto era que viajasse para Sidney a 3 de agosto, mas nessa altura o estado de Victoria fechou as fronteiras com a Nova Gales do Sul. Agora era a vez de Rob, irmão de Zoe, dar a sua ajuda. A morar em Melbourne, aceitou acolher o animal - foram marcados quatro voos possíveis para levar Pip até Sydney, mas todos foram cancelados.

Pip já era por esta altura uma cadela famosa, com direito a reportagens nos media locais. E isso terá ajudado a que a Virgin Austrália tenha concordado transportá-la.

Não deverá ser difícil imaginar a festa a que se assistiu no aeroporto de Sydney quando a famosa cadela, finalmente, chegou a 11 de agosto, cinco meses depois de se ter despedido da família que a levou a atravessar oceanos. Não só lá estava a família Eilbeck como também vários jornalistas - era a chegada de uma estrela.

"O nosso maior medo era que ela não se lembrasse de nós depois de tanto tempo", disse Zoe à CNN Travel. Mas não foi isso que aconteceu: Pip ficou radiante. "Quando se vive num barco, temos de trabalhar em equipa. E, mesmo que ela seja preguiçosa e não faça realmente nada, ainda a consideramos um membro de nossa tripulação." Pip pensa o mesmo.

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