A psicóloga e o advogado donos da maior rádio portuguesa da América
Foi por acaso que conheci Paulina e Henrique Arruda, apresentados como "os donos da maior rádio portuguesa da América". Cumprimentos feitos, e depois de meia dúzia de palavras trocadas num evento de promoção do peixe português num hotel de Boston, combinámos encontro na sede da WJFD em New Bedford, cidade baleeira do Massachusetts conhecida por ser bastião da comunidade luso-americana. Ora, passados cinco dias, aqui estou eu a bater-lhes à porta, depois de uma viagem de autocarro de uma hora e com ajuda a seguir de uma boleia de João Paraskeva, português que dá aulas na UMass Dartmouth e que conhece bem o casal Arruda.
Ela é extrovertida, de riso fácil. Ele gosta de falar, de explicar tudo ao pormenor, sobretudo sobre quanto se esforça para fazer da WJFD "uma rádio que sirva de embaixadora de Portugal". Com uma licença de emissão de 50 mil watts, o máximo autorizado na costa leste dos Estados Unidos, a WJFD chega ao Maine a norte, também a Long Island, no estado de Nova Iorque, a sul, e é ouvida por meio milhão de portugueses, e ainda por brasileiros e cabo-verdianos a viver na Nova Inglaterra, esta parte da América de colonização tão antiga que lembra muito a Europa.
"Nasci na ilha Terceira em 1962 e emigrei com 18 anos. Vim em 1980 para a universidade e cheguei mais a minha avó, que era americana", conta Paulina, surpreendendo-me. E logo explica: "Os meus bisavós maternos vieram dos Açores para os Estados Unidos em 1880 e tal. Chegaram de barco a Nova Iorque, depois apanharam o comboio para a Califórnia, que foi onde se conheceram e casaram. Tiveram cinco filhos e um dia voltaram com a família toda para a Terceira. Mais tarde, alguns filhos partiram para os Estados Unidos, mas a minha avó foi das que ficaram. Por isso, quando viajou comigo era a primeira vez que pisava a América desde que saiu em bebé. Era cidadã americana mas não falava nada de inglês."
Henrique escuta cheio de atenção, mas já deve conhecer estas histórias de cor. No caso dele, que nasceu também em 1962, mas em Santa Maria, a troca dos Açores pela Nova Inglaterra foi numa idade um pouco mais jovem: "Vim para a América com 15 anos, mais o meu irmão. Os meus avós estavam cá e fomos viver com eles para Cambridge. Acabei lá o liceu, pois em Santa Maria só havia até ao quinto ano e depois tinha-se de ir para São Miguel. Mais tarde os meus pais vieram. Nós somos cinco, dois rapazes e três raparigas, e eles vieram quando as miúdas quiseram vir." Paulina ri-se. Sabe como são estas idas e vindas de açorianos, muitas vezes envolvendo várias gerações.
Ela quando chegou falava bem inglês. Desde a Segunda Guerra Mundial havia a base americana na Terceira e Paulina interessava-se pela cultura dos Estados Unidos. "Até víamos televisão americana, só possível para quem vivesse perto da base", diz. Por isso lhe foi fácil entrar na universidade para estudar Psicologia Clínica: "Graduei-me pelo Boston College."
Henrique também andou no Boston College, onde estudou Economia. Mais tarde, numa universidade do Connecticut fez também Direito: "O meu ideal sempre foi vir para a América. Nós vivíamos em Santa Maria, onde na altura prevalecia o aeroporto internacional. O meu pai trabalhava lá, por conseguinte gostei sempre da maneira de ser dos americanos. Falava um pouco de inglês, tinha tido três anos de aulas, mas na América a minha atitude era de quem já sabia falar inglês muito bem."
Andaram os dois na mesma época no Boston College, mas não foi aí que o casal Arruda se formou, fico a saber. Antes, Paulina ainda voltou aos Açores, para trabalhar como psicóloga no Hospital de Angra do Heroísmo. "Vim ajudar a formar o departamento de Psicologia", explica, para depois acrescentar que houve uma altura em que o apelo da América se fez sentir "muito forte".
Henrique abriu escritório e deu aulas de advocacia. Muito envolvido com a comunidade, conta que há quem faça vida quase sem dar por estar na América. "Faz compras na loja portuguesa, tem médico português, recorre também a advogado português quando precisa", sublinha. Paulina, a rir-se, concorda: "Há quem esteja 30 ou 40 anos na América sem falar inglês e sem sentir falta. Por vezes, avós e netos não falam a mesma língua, até pais, quando as crianças chegam pequenas e aprendem inglês e esquecem o português."
Ela esteve sempre mais integrada na sociedade americana do que Henrique. Mas, entretanto, conhecem-se. "Somos um casal há 22 anos", diz. "E temos um filho com 19 anos", que fala um pouco de português, segundo a mãe.
A aposta na rádio WJFD, que emite em FM e tem uma antena de 152 metros, envolveu Paulina como nunca na comunidade portuguesa. Para Henrique, que antes de ser dono chegou a ser diretor, a mudança foi menos radical. De advogado de portugueses passou a dono de rádio para portugueses. E que rádio! "Temos licença de emissão de 50 mil watts, que é o máximo na Costa Leste. Acho que no Texas pode ser mais, mas aqui não e nem sequer há muitas como a nossa", diz Henrique, mostrando-me no mapa até onde podem ser escutados: os seis estados na Nova Inglaterra e um pouco além disso ainda.
"Somos nós dois e mais 12. Somos donos da frequência e da torre, mas o edifício é arrendado. É um negócio que dá porque não temos empréstimos. Mas estamos sempre a procurar novos anunciantes, desde o Dunkin" Donuts e McDonald"s às lojas portuguesas", prossegue Henrique. "Fazemos tudo para manter o sucesso desta rádio, que há mais de 40 anos emite sempre em português", acrescenta Paulina.
O seu alvo são o meio milhão que, segundo os censos, se identificam como portugueses naquela região. Mas sabem que há quem não perceba nada de português mas sintoniza a WJFD porque gosta de fado, Amália com certeza, mas não só, pois Henrique esforça-se por estar a par das novidades e por isso passam também nomes da nova geração, como Ana Moura, Mariza e Camané. Também outro tipo de música: "O Paulo Gonzo, que já entrevistámos aqui, o Pedro Abrunhosa, os Xutos & Pontapés, agora o grupo Meio-Irmão."
A conversa é interrompida para me apresentarem Jorge Morais, o diretor da rádio. "Está cá há 30 e tal anos e ajudou-me a revolucionar a WJFD", diz Henrique. Jorge sorri. É prata desta casa.
A rádio a emitir em 97.3 existe desde 1949, com vários nomes, mas a partir de 1975 passou a ser em português. Antes dos Arruda era propriedade de Edmund Dinis, amigo de Henrique e figura luso-americana famosa por ser o procurador que investigou em 1969 Ted Kennedy quando o senador teve um acidente que causou a morte a uma mulher que viajava consigo. O caso Chappaquiddick abalaria as ambições presidenciais do irmão mais novo de John Kennedy.
"Não recebemos qualquer apoio de Portugal, apesar de divulgarmos a cultura portuguesa e sermos uma ligação com o país porque retransmitimos os noticiárioS da Antena1", queixa-se Henrique, Henry para os americanos.
Com casa na Terceira, Paulina e Henrique vão todos os anos a Portugal pelo menos duas vezes. "Já sinto falta também de ir a Lisboa", realça Henrique. Voltar a viver em Portugal não está nos planos. Dizem sentir-se muito bem nos Estados Unidos. E, sublinham os dois, não lhes peçam para escolher entre Portugal e os Estados Unidos pois sentem pertencer a ambos os países. E enquanto puderem vão continuar a passar Amália e Mariza, Xutos e Gonzo, até para os americanos os descobrirem.