Quando termina o pesadelo? A pergunta dos sete mil milhões e meio (de pessoas)
Mais de quatro meses depois de terem sido identificados na China os primeiros casos de uma doença pulmonar causada por um vírus até então desconhecido, e um mês após ter sido declarada a pandemia, nas 23 perguntas e respostas sobre Covid-19 no site da Organização Mundial de Saúde não há nada sobre "quando poderemos voltar à normalidade". Nem sobre "posso ser infetado duas vezes?"
Há um motivo para isso: ninguém sabe. Pelo que ninguém pode realmente dizer como se certifica que a infeção até agora diagnosticada em 1.765 524 pessoas em todo mundo, causando pelo menos 108 042 mortes, já está controlada.
Esta semana, ao mesmo tempo que na cidade de Wuhan, na província chinesa de Hubei, onde o primeiro surto de Covid-19 foi declarado, se começou a levantar a quarentena e a população, embora obrigada andar de máscara na rua, pode ter autorização para viajar, a OMS, pela voz do seu diretor, Tedros Adhanom, advertiu: "Desejamos como toda a gente que acabem os confinamentos mas se se andar demasiado depressa poderemos assistir a um ressurgimento mortal da epidemia."
Adhanom, que falava na sexta-feira na sua comunicação diária, pôs seis condições para os países possam levantar as medidas de confinamento. A primeira é precisamente assegurar que a transmissão está controlada, enquanto a segunda é que os sistemas de saúde estejam capazes e acessíveis a toda a população. A seguir vem a segurança de que se minimizaram as infeções em locais de risco como lares de idosos e a imposição de medidas preventivas naqueles em que existe muito cruzamento de pessoas - e exemplificou com as escolas. Do mesmo modo, tem de ser prevenida a possibilidade de importação de casos. Por fim, que a sociedade esteja toda consciente do que está em jogo e se comprometa na luta contra o vírus. Mas o diretor da OMS não explicou como se operacionalizam ou aferem estas exigências.
A esperança trazida pelo caso, reportado no final de março, de cinco pacientes chineses em estado grave que recuperaram quando lhes foi ministrado plasma proveniente do sangue de pacientes curados, contendo anticorpos, foi contrabalançada pela notícia, vinda da Coreia do Sul (o segundo país no qual a epidemia se declarou) de que 91 pessoas que iam ter alta - um paciente pode receber alta se estiver clinicamente recuperado e após dois resultados negativos consecutivos com 24 horas de diferença entre cada um - voltaram a testar positivo. Já existiam alguns outros reportes semelhantes, nomeadamente o caso de uma guia turística japonesa que adoeceu de novo após uma primeira infeção em janeiro - não sendo claro se foi reinfetada, teve uma recaída ou o teste foi um falso negativo.
As mesmas hipóteses se colocam em relação aos 91 pacientes sul-coreanos. Jeong Eun-kyeong, o diretor do Centro sul-coreano de Controlo e Prevenção de Doenças, disse poder ser o caso de o vírus ter sido "reativado", não se tratando de nova infeção. "Sabemos que alguns pacientes testaram positivo em testes de PCR [que identifica a presença do vírus] depois de recuperarem clinicamente", diz a OMS, que está a investigar o caso. "Mas precisamos de uma recolha sistemática de amostras de pacientes recuperados para percebermos melhor durante quanto tempo espalham o vírus vivo. Como a Covid-19 é uma nova doença, precisamos de mais dados epidemiológicos para chegar a conclusões."
Enquanto isso, nos EUA a autoridade do medicamento americana, a Food and Drug Administration, autorizou os médicos a tentar a terapêutica que deu resultado com os cinco pacientes chineses. O conceito, explica-se num texto do Washington Post , é antigo: foi primeiro usado na última década do século XIX contra a difteria, e tem o nome de "imunização passiva" e na era anti-antibióticos terá salvado anualmente cerca de 45 mil pacientes com esta doença.
Se é provável que quem tenha tido a Covid-19 e recuperado adquira algum grau de proteção - um estudo limitado em macacos aponta para isso - não se sabe ainda quanto tempo durará essa imunidade. E como os primeiros casos de Covid-19 só foram formalmente reconhecidos na China em janeiro (mesmo se há indícios de que terão existido infeções pelo novo coronavírus muito antes, em novembro, e em pessoas sem qualquer ligação com o mercado de animais selvagens apontado como origem do vírus), o tempo decorrido é demasiado curto para estabelecer qualquer ciência sobre a permanência no organismo dos anticorpos que este produz em reação à infeção.
A única hipótese, parece, é avançar devagar, como aconselha a OMS. Com a experiência de Wuhan no levantar de uma quarentena de mais de dois meses (76 dias), muito mais dura que aquelas que estão a ser impostas nos países ocidentais, a servir de guia ao resto do mundo.
De acordo com o que tem sido noticiado, as autoridades da China (onde se contabilizaram esta semana três novas mortes devido à doença, depois de pela primeira vez a 7 de abril não ter havido nenhuma, e mais 46 infeções) continuam a testar os habitantes da cidade regularmente, além de, como já referido, imporem o uso de máscara a toda a gente - algo que a OMS até agora não subscreve - e manterem o controlo nas viagens de e para a zona mais afetada.
A monitorização mantém-se e para se poder viajar é necessário ser portador de um código verde. E os blocos residenciais da cidade, anunciou o seu mais alto responsável do Partido Comunista, mantêm o poder de colocar os moradores de novo em quarentena e fechá-los em casa se houver uma nova infeção no bloco.