Cinco meias-verdades de Boris Johnson sobre o Brexit
Boris Johnson prometeu dar mais tempo aos deputados britânicos para debaterem o acordo do Brexit que ele renegociou com a UE27, mas só se estes aprovarem nesta segunda-feira a sua moção para convocar eleições antecipadas para 12 de dezembro. Caso contrário, ameaçou o governo, o seu executivo entrará numa espécie de greve e não voltará a apresentar a lei sobre o acordo de retirada do Reino Unido da União Europeu na Câmara dos Comuns.
O primeiro-ministro, líder do Partido Conservador, precisa de que dois terços dos deputados apoiem a moção de segunda-feira, o que significa que além dos conservadores, incluindo os rebeldes e os desertores, precisa também do apoio dos deputados de outros partidos, especialmente rebeldes do Labour liderado por Jeremy Corbyn. Neste momento não se vislumbra de que combinação poderá sair essa maioria de dois terços, obrigatória à luz do Fixed-term Parliament Act 2011.
Segundo uma sondagem da Opinium, divulgada neste sábado, os conservadores de Boris Johnson surgem creditados com 40% das intenções de voto, o Labour com 24%. A diferença entre o partido da oposição e a principal formação da oposição é agora de 16%. Os liberais-democratas de Jo Swinson surgem com 15% e o Partido do Brexit de Nigel Farage com 10%.
Corbyn defende a realização de eleições antecipadas sim, mas só quando o primeiro-ministro garantir no Parlamento que não haverá um No Deal Brexit. No mesmo sentido falou, em entrevista ao El País, o presidente da Câmara de Londres, o trabalhista Sadiq Khan: "A primeira coisa que temos de fazer é evitar um Brexit desordenado. Um vez conseguido isso, teremos eleições. Não confio em Boris Johnson. Pode acabar por orquestrar um Brexit selvagem. E os eleitores podem usar as eleições para se pronunciar sobre o Brexit em vez de debaterem assuntos como a educação, a saúde pública ou o meio ambiente. Há que resolver isto antes de ir às urnas."
Na terça-feira, dia a seguir à votação da moção de Boris Johnson, a UE27 deverá informar que tipo de extensão concede ao Reino Unido (na sequência do pedido enviado, de forma pouco convencional, por Londres a Bruxelas). E também aí não se vislumbra, para já, a unanimidade necessária quanto aos termos de um novo adiamento do Brexit. Na sexta-feira, diplomatas europeus, citados pela Sky News e pela Reuters, admitiam que continua a existir um sério risco de No Deal Brexit no dia 31. Na quinta-feira, Dia das Bruxas, é o prazo-limite para o Reino Unido sair da UE (a menos que haja um novo adiamento, o que, a acontecer, será o terceiro desde 29 de março, a data inicialmente prevista para o Brexit.
Enquanto não existe qualquer desfecho, importa lembrar o que Boris Johnson tem dito sobre o seu acordo do Brexit, o que está, efetivamente, expresso nesse acordo e o que diz o fact-checking dos vários media britânicos. Além de ser acusado pela oposição de mentir, o primeiro-ministro é considerado autor de várias meias-verdades sobre o Brexit, como estas cinco.
Tentando descansar os deputados trabalhistas no que toca aos direitos dos trabalhadores no pós-Brexit, Boris Johnson disse no Parlamento: "As pessoas precisam de ter garantias quanto a isto. Não haverá retrocessos. O Reino Unido irá manter os padrões mais elevados possíveis. Se a UE decidir que quer introduzir nova legislação sobre proteção social, isso será, certamente, automático e esta câmara deve ter isso em consideração. E, como disse, haverá uma moção emendável através da qual o governo dará tempo ao Parlamento para a implementação dessa medida."
No acordo do Brexit assinado entre Theresa May e a UE27, em novembro de 2018, havia o compromisso expresso por parte do Reino Unido de que não iria divergir das normas reguladoras europeias em áreas como a proteção social e ambiental. Com o acordo renegociado entre Boris Johnson e a UE27 e anunciado no dia 17, em Bruxelas, antes do início do Conselho Europeu, há alterações. A legislação estabelece que os direitos dos trabalhadores no Reino Unido deriva, atualmente, do direito europeu e isso continuará a aplicar-se no Reino Unido, incluindo no que respeita à diretiva sobre a organização dos tempos de trabalho e à regulamentação de trabalhadores contratados através de agências de trabalho temporário.
No entanto, a longo prazo, após o fim do período de transição do Brexit (previsto para dezembro de 2020), os ministros serão instados a dar a oportunidade ao Parlamento de considerar e de se pronunciar sobre futuras alterações legislativas europeias que alterem os direitos dos trabalhadores europeus, no sentido de aferir onde elas poderão divergir das normas do Reino Unido. Ora, assim sendo, o que pode acontecer no futuro fica dependente do Parlamento britânico e da sua respetiva composição em cada momento.
Segundo Frances Lorraine O'Grady, secretária-geral da federação de sindicatos britânicos TUC, o que consta no acordo de retirada sobre os direitos dos trabalhadores "é insignificante", pois "continua a não haver nenhuma garantia juridicamente vinculativa de que os direitos [dos trabalhadores] no Reino Unido vão continuar sempre a acompanhar os padrões mínimos [dos direitos dos trabalhadores] na UE".
Neste sábado, o Financial Times divulgou um documento do governo britânico que dá a entender que, uma vez consumado o Brexit, Boris Johnson planeia afastar-se daquilo que são as normas europeias sobre os direitos dos trabalhadores e a proteção ambiental. O documento, que foi elaborado pelo Departamento para a Saída do Reino Unido da União Europeia, com a participação de Downing Street, indica que o país estaria aberto a uma divergência significativa em relação ao bloco europeu no que toca a normas relativas aos direitos dos trabalhadores e à proteção ambiental. Porque a forma como o acordo renegociado do Brexit está redigido, os compromissos relativos aos direitos dos trabalhadores e à proteção ambiental deixa "lugar para interpretação", e "a interpretação destes compromissos [por parte de Londres e da UE] será muito diferente".
A formulação do novo acordo permitiria, em última análise, que o Reino Unido competisse diretamente com a UE a nível económico, podendo, para isso, cair na tentação de baixar as normas mínimas no que diz respeito aos direitos que os trabalhadores têm. Segundo o TheGuardian, existem receios na UE, sobretudo por parte da Alemanha, a maior economia do bloco, de que Boris Johnson queira transformar o Reino Unido numa espécie de Singapura à beira do Tamisa, transformando o país numa economia pouco regulada, com impostos baixos.
Após a divulgação daquele documento pelo Financial Times, Jenny Chapman, responsável no Labour pelo dossiê do Brexit, declarou que ele veio confirmar os seus "piores receios" e considerou que ele denuncia "um plano do primeiro-ministro para desregulamentar a economia, o que acabará por destruir os direitos e as proteções vitais [dos trabalhadores]".
Instado a comentar a notícia publicada neste sábado, o secretário de Estado da Economia, Kwasi Kwarteng, considerou que esta "é exagerada". Citado pela BBC, o governante classificou a notícia como não correta e até "um pouco louca". E garantiu: "Nós já dissemos que a nossa ambição é conseguir garantir que os direitos dos trabalhadores serão até mais fortes do que o previsto na legislação."
"Não haverá controlos entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte. Haverá algumas medidas ligeiras para garantir que não há comércio ilegal de animais em vias de extinção ou armamento proibido", disse Boris Johnson, respondendo a uma pergunta do líder parlamentar do Partido Unionista Democrático da Irlanda do Norte (DUP), Nigel Dodds. E sublinhou: "Não haverá controlos, eu repito, não haverá controlos entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte."
No dia 21 de manhã, numa comissão parlamentar na Câmara dos Lordes, o secretário de Estado para o Brexit, Steve Barclay, afirmou que as empresas da Irlanda do Norte que exportarem bens para a Grã-Bretanha depois do Brexit terão de preencher formulários especiais. Depois, na Câmara dos Comuns tentou corrigir o que havia dito, afirmando que à luz do novo acordo tais formulários não seriam necessários.
A escorregadela não passou em branco e o líder do Partido do Brexit, Nigel Farage, tuitou de imediato: "Bens que forem levados da Irlanda do Norte para o resto do Reino Unido precisarão de formulários para ser declarados. Está agora claro que Boris Johnson está preparado para desfazer o Reino Unido para conseguir fazer aprovar o seu tratado. Não admira que o DUP [Partido Democrático Unionista da Irlanda do Norte] seja contra o acordo".
O líder do Labour, Jeremy Corbyn, também declarou, no dia seguinte, num debate parlamentar que este acordo do Brexit obriga a um controlo de bens entre a Irlanda do Norte e o Reino Unido.
Dois dias depois, no dia 24, o Buzzfeed.com, com base em duas fontes conhecedoras das negociações, noticiou que Boris Johnson suscitou ele próprio a questão dos formulários especiais entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte numa chamada telefónica que manteve com o presidente da Comissão Europeia no dia 17. Jean-Claude Juncker disse que a UE27 não aceitava ceder neste ponto, mantendo a exigência do preenchimento de formulários (procedimento administrativo que não é exatamente a mesma coisa do que controlo alfandegário). Noutro telefonema, na mesma manhã, Boris Johnson indicou então a Juncker que cedia nesse ponto, garante o Buzzfeed.com. Em seguida foi anunciado o novo acordo.
À luz do novo protocolo sobre a Irlanda do Norte, que substituiu o controverso backstop indefinido, o controlo de bens será efetuado em portos britânicos e não na ilha da Irlanda. As autoridades britânicas ficarão encarregadas de aplicar as normas aduaneiras da União Europeia na Irlanda do Norte (província autónoma do Reino Unido).
"No que toca à vasta maioria da economia da Irlanda do Norte, a Irlanda do Norte sai com o resto do Reino Unido, na sua plenitude", declarou o primeiro-ministro Boris Johnson, falando sobre o acordo do Brexit que conseguiu renegociar com a UE27.
Para chegar a um compromisso que parecia impossível, o primeiro-ministro britânico aceitou que a Irlanda do Norte, província autónoma do Reino Unido, continue alinhada com os regulamentos comunitários e que haja controlo entre a Irlanda do Norte e o resto do Reino Unido. Esta hipótese tinha sido veementemente rejeitada por Londres no tempo em que May estava no n.º 10 de Downing Street.
À luz do novo protocolo sobre a Irlanda do Norte, os regulamentos europeus aplicar-se-ão a todos os bens da Irlanda do Norte depois do Brexit, a província permanecerá dentro do território aduaneiro do Reino Unido, beneficiando, assim, das suas políticas comerciais. O controlo de bens será efetuado em portos britânicos e não na ilha da Irlanda. As autoridades britânicas ficarão encarregadas de aplicar as normas aduaneiras da União Europeia na Irlanda do Norte e a integridade do mercado único será mantida no que respeita ao IVA.
Este novo protocolo veio substituir o controverso ponto do backstop contido no acordo negociado por Theresa May com a UE27. Esse ponto estabelecia uma salvaguarda indefinida, para garantir que, acontecesse o que acontecesse, jamais haveria uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda. Até por causa do Acordo de Sexta-Feira Santa de 1998, que pôs fim a décadas de conflito sangrento entre republicanos católicos e unionistas protestantes, com um balanço de cerca de 3500 mortos.
"Esta câmara saberá certamente bem que o que foi acordado tem carácter transitório. Se as pessoas na Irlanda do Norte escolherem sair do acordado, podem fazê-lo, a menos que, por um voto de maioria, decidam manter a situação", afirmou o primeiro-ministro e líder do Partido Conservador, detalhando os aspetos do novo protocolo relativo à Irlanda do Norte no pós-Brexit.
Para continuar em vigor a exceção contida no protocolo para a Irlanda do Norte, o novo mecanismo precisará de autorização parlamentar da Irlanda do Norte quatro anos depois do fim do período de transição do Brexit, ou seja, 2024 (a data poderá variar se houver novo adiamento de saída do Reino Unido da UE). Poderia, depois, haver mais um novo prolongamento das condições por mais quatro anos, que precisaria de aprovação por maioria simples do Parlamento da Irlanda do Norte. Este encontra-se suspenso por Londres devido à falta de acordo entre os unionistas do DUP e os republicanos do Sinn Féin para governar a província.
Na prática, se a manutenção da exceção contida no protocolo para a Irlanda do Norte tiver o apoio tanto de unionistas como de republicanos, esta poderá manter-se durante pelo menos oito anos após o fim do período de transição do Brexit. Portanto, é relativo o carácter transitório que o primeiro-ministro diz que o acordado para a Irlanda do Norte tem.
Porém, segundo o parecer do procurador-geral britânico, Geoffrey Cox, "não há motivos para supor que a UE tenha qualquer base legal" para afirmar que o protocolo deve continuar a aplicar-se sem esse consentimento [do Parlamento da Irlanda do Norte] "ou que a UE possuiria um veto sobre o direito de membros da Assembleia Legislativa da Irlanda do Norte negarem o consentimento à aplicação continuada dessas disposições".
O DUP, partido que sustentava até à deserção de deputados conservadores a maioria do partido de Boris Johnson em Westminster, manifestou desde logo a sua oposição ao novo acordo do Brexit renegociado entre Londres e a UE27. "A seguir à confirmação de que o primeiro-ministro acredita ter garantido "um grande novo acordo" com a União Europeia, o Partido Unionista Democrático não poderá apoiar estas propostas no Parlamento. Por estas razões, é nosso entendimento que o acordado não é do interesse da Irlanda do Norte, a longo prazo. O voto de sábado [dia 19] no Parlamento será apenas o início de um longo processo para tentar aprovar o acordo de retirada na Câmara dos Comuns", fez saber, no dia 17, o partido norte-irlandês liderado por Arlene Foster num comunicado oficial.
O Sinn Féin, por incrível que pareça, congratulou-se com o acordo anunciado nesse dia em Bruxelas por Boris Johnson. "Congratulo-me com o facto de ter sido alcançado um acordo entre a União Europeia e o governo britânico. Não existe um bom Brexit. O Brexit está a ser impingido à Irlanda do Norte contra os desejos democráticos do povo", afirmou a presidente do SF, Mary Lou McDonald, referindo-se ao facto de no referendo de 23 de junho de 2016 os eleitores da Irlanda do Norte terem votado maioritariamente contra o Brexit. Apesar de a nível nacional o resultado ter dado 52% dos votos a favor do Brexit e 48% contra. O Sinn Féin, por defender a unificação da ilha da Irlanda, não ocupa os lugares de deputado que tem no Parlamento de Westminster.
"A pesca não será moeda de troca, vamos recuperar o controlo de 100% da riqueza marinha deste país", declarou Boris Johnson, referindo-se a um ponto sempre sensível no que toca à negociação entre países e a UE. Em 2015, por causa da questão das quotas de pesca, a Islândia retirou o pedido de adesão à UE que, em 2009, tinha submetido pelo país.
Após o Brexit, o controlo das águas costeiras e das quotas do que pode ser pescado, onde e quando não caberá exclusivamente ao governo do Reino Unido. Em vez disso, será sujeito a negociações entre a União Europeia e o Reino Unido no âmbito do futuro acordo de comércio entre as duas partes. Negociações que, como se pode antever, implicarão a existência de algumas moedas de troca.
Na Câmara dos Comuns, sempre que o líder parlamentar do Partido Nacionalista Escocês (SNP), Ian Blackford, ameaçou com um segundo referendo sobre a independência da Escócia se o Brexit vier de facto a acontecer, Boris Johnson ripostou sempre dizendo que o que este partido parece querer é que a UE continue a mandar nas pescas da Escócia.
Nigel Farage, eurodeputado, líder do Partido do Brexit e ex-líder do UKIP, não pretende deixar passar este ponto em branco. "Nós não vamos controlar as nossas pescas, apesar de Boris Johnson ter dito na Câmara dos Comuns que vamos recuperar o controlo a 100%. Temo que não seja tão simples quanto isso. A Política Comum de Pescas irá continuar em vigor até depois do período de transição extensível - o que pode significar até ao final de 2022. Já temos imensos arrastões estrangeiros a saquear as nossas águas, todos os dias, em prejuízo das nossas comunidades costeiras", disse o campeão do Brexit, num vídeo partilhado na conta de Twitter do partido.
Apesar de tudo, em termos de meias-verdades - ou de mentiras puras e simples -, Farage não fica atrás de Boris Johnson. Aquando da campanha para o referendo do Brexit, em 2016, o UKIP, que então liderava, passou o tempo todo a martelar num ponto: dizia que com o Brexit 350 milhões de libras seriam libertadas e passariam a ser utilizadas no Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS).
No dia a seguir a ser conhecido o resultado do referendo que deu a vitória à saída do Reino Unido da União Europeia, Farage foi de manhã ao programa Good Morning Britain, da ITV News, onde admitiu que essa mensagem "foi um dos erros da campanha pela saída". Questionado pela jornalista sobre se haveria mais coisas sobre as quais as pessoas acordariam e descobririam que não iriam acontecer, Farage contornou a questão, dizendo que há dinheiro que não será enviado para a União Europeia e que por isso poderá ser aplicado no país.