Aung San Suu Kyi diz que Gâmbia mostrou imagem enganosa dos rohingya
A líder de Myanmar (ex-Birmânia), Aung San Suu Kyi, disse esta quarta-feira no Tribunal Internacional de Justiça (TIJ), em Haia, que a Gâmbia desenhou uma "imagem enganosa e incompleta" da situação da minoria muçulmana rohingya no seu país. Segundo as Reuters, a laureada com o Prémio Nobel da Paz rejeitou as acusações de genocídio cometido contra a minoria muçulmana rohingya e disse que o caso não deveria ser julgado pelo mais alto tribunal da ONU.
O caso foi apresentado no TIJ pela pequena nação africana da Gâmbia. Na audiência inicial de três dias, o país solicitará que o tribunal aprove medidas temporárias para proteger os rohingya.
A Gâmbia acusa Myanamar de violar a Convenção do Genocídio de 1948.
Suu Kyi falou durante 30 minutos no tribunal de Haia em defesa das ações das forças armadas de Mianmar que durante anos a mantiveram em prisão domiciliar. Disse que uma "operação de liberação" liderada por militares no oeste do estado de Rakhine, em agosto de 2017, foi uma resposta antiterrorista a ataques coordenados de militantes rohingya contra dezenas de esquadras da polícia.
"A Gâmbia colocou uma imagem incompleta e enganosa da situação factual no estado de Rakhine, em Mianmar", começou por dizer. Embora Suu Kyi tenha admitido que uma força militar desproporcional possa ter sido usada e causado mortos civis, também afirmou que esses atos não constituem genocídio.
"Certamente, nessas circunstâncias, a intenção genocida não pode ser a única hipótese", disse, perante um painel de 17 juízes. "Pode haver intenção genocida por parte de um estado que investiga, processa e pune ativamente soldados e oficiais acusados de fazer algo errado?"
No ano passado, as forças armadas de Myanmar anunciaram que sete soldados envolvidos num massacre de 10 homens e meninos rohingyas na vila de Inn Din, em setembro de 2017, tinham sido condenados a "10 anos de prisão de trabalhos forçados numa área remota". Foram os únicos elementos da segurança do país punidos e foram libertados após menos de um ano de prisão.
Aadvogados da Gâmbia detalharam - em testemunhos gráficos - o sofrimento do povo Rohingya às mãos das forças de segurança de Myanmar, mas Suu Kyi permanceu impassível.
O caso está a ser seguido de perto na fronteira do estado de Rakhine em Bangladesh, onde mais de 1 milhão de rohingya estão agora a viver baquele que é o maior campo de refugiados do mundo.
Hoje, alguns refugiados gritaram "mentirosa, mentirosa, vergonha!", enquanto ouviam Suu Kyi defender o caso na televisão.
Milhares de rohingya foram mortos e mais de 700 mil fugiram para o vizinho Bangladesh durante a repressão do exército no país de maioria budista em 2017. Myanmar sempre insistiu que estava a enfrentar uma ameaça extremista e não vê condutas erradas do seu exército.
Suu Kyi tem enfrentado críticas crescentes da comunidade internacional devido à sua resposta à crise dos rohingya. Quando o seu partido, a Liga Nacional pela Democracia, venceu as eleições em 2015, muitos esperavam que tal levasse Myanmar a tornar-se uma democracia moderna após 60 anos de regime militar. Antes, ela esteve sob prisão domiciliária durante cerca de 15 anos, com o seu partido a vencer as eleições em 1989, o que não teve efeito prático perante o poder abusivo dos militares.
Com muita pressão internacional, incluindo o Nobel da Paz em 1991, a prisioneira política acabou por ser libertada em 2010 para triunfar nas eleições de 2015. Mas como não podia concorrer a presidente (por ser casada com um estrangeiro e ter filhos estrangeiros) foi criado o cargo de Conselheiro de Estado.
Os críticos dizem que a imagem da conselheira de Myanmar como um ícone da democracia ficou manchada pelo seu fracasso em falar sobre os assassinatos em massa e perseguições dos rohingya.Já foi destituída de inúmeros prémios, incluindo a maior honra da Amnistia Internacional. O grupo de direitos humanos disse que Suu Kyi "optou por ignorar e desculpar a opressão brutal e os crimes contra a humanidade cometidos pelos militares" e "protegeu ativamente os militares do escrutínio e da responsabilidade internacional".
O governo de Myanmar não usa o termo "rohingya" e não reconhece o povo como uma etnia oficial, o que significa que os rohingya têm a cidadania negada e são apátridas.
Apenas três casos de genocídio foram reconhecidos pela lei internacional desde a Segunda Guerra Mundial: no Camboja, no final da década de 1970; no Ruanda, em 1994; e em Srebrenica, Bósnia, em 1995.