Escreve J.-M. Nobre-Correia que "em matéria de média, um "mundo novo" se anuncia. Será ele mais pluralista e mais democrático do que o "antigo mundo" no que diz respeito à informação, à cultura e ao entretenimento? A resposta a esta interrogação está longe de ser evidente...". Ora, o grande contributo do mais recente livro do mediólogo e politólogo, intitulado História dos Média na Europa, é exatamente traçar a evolução dos jornais, rádios e televisões em alguns países europeus, incluindo Portugal, para ajudar-nos a construir essa resposta tudo menos fácil..As mais de 500 páginas desta obra, que terá de passar a constar da bibliografia obrigatória dos cursos de Comunicação Social e de Jornalismo nas universidades e politécnicos portugueses, poderão ser lidas de um só fôlego ou então de três formas alternativas, mais fáceis para quem estiver a estudar, que são por época, a por meio ou por país..Cada capítulo, como "A Era Dourada e o Dealbar de Nova Era", abrange um período, no caso 1863-1914, faz uma análise por meio existente (então, imprensa, rádio, foto, disco e cinema) em cada um de oito países (França, Grã-Bretanha, Alemanha, Bélgica, Luxemburgo, Itália, Espanha e Portugal). Não por acaso, este capítulo que dou aqui como exemplo é aquele que aborda o nascimento em Lisboa do Diário de Notícias, com números-programa datados de 29 e de 30 de dezembro de 1864 e depois com o número 1 a sair no primeiro dia de janeiro de 1865..Nobre-Correia assinala que o Diário de Notícias surge como "um jornal diferente" em vários sentidos, desde um preço mais baixo do que a concorrência, a aposta numa fonte de financiamento "até lá pouco explorada: a publicidade", passando pela organização de uma rede de correspondentes nacional e internacional ou a publicação de folhetins, como o hoje célebre O Mistério da Estrada de Sintra, de Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão. O académico sublinha ainda, entre as inovações do periódico fundado por Eduardo Coelho, o formato "que já era de jornal, sensivelmente semelhante aos atuais tabloides" e a figura do ardina, "jovens que propagam notícias do dia pelas ruas e propõem vender jornais aos interessados". É a época em que nasceram em Portugal também títulos como O Século, fundado em Lisboa em 1881, e que será "o mais direto concorrente do Diário de Notícias" até desaparecer em 1977, quase centenário, e o Jornal de Notícias, surgido em 1888, "com um posicionamento popular e noticioso" e até hoje com sede no Porto..Uma das qualidades deste História dos Média na Europa é a forma como enquadra o nascimento ou a evolução dos diferentes meios em função das condições políticas, económicas e sociais de cada país. Por exemplo, a fundação do Diário de Notícias coincide com o reinado de D. Luís, período em que a monarquia constitucional se estabiliza e há uma maior liberdade de imprensa..Na mesma lógica, e olhando a título de exemplo para o capítulo "A Nova Equação Trimédia" (que aborda os anos 1944-1970 que verão aos jornais e às rádios juntar-se as televisões), o nascimento do Le Monde, com o primeiro número nas bancas a 18 de dezembro de 1944 (mas datado do dia seguinte, por ser vespertino), tem de ser entendido na sequência do fim da ocupação nazi de Paris. A nova França do general De Gaulle, destinada a estar entre os vencedores da II Guerra Mundial, necessitava de um grande jornal, e o seu primeiro diretor, Hubert Beuve-Méry vai buscar a equipa que foi a do Le Temps, que tinha sido proibido de publicar. "Beuve-Méry impõe aos seus colaboradores a prática de um jornalismo de rigor e de sobriedade, que se impõe pela qualidade da sua informação e análises", explica Nobre-Correia, acrescentando que, na sequência de uma crise entre acionistas os redatores assumem parte da empresa e apoiam o diretor na construção do que "virá a ser o grande diário de referência de língua francesa e será considerado como um dos melhores do mundo"..Não faltam histórias e pormenores curiosos de muitos meios famosos de variadas geografias, do Die Welt ao El País, do Corriere della Sera à BBC, mas destaquei nesta recensão Portugal (num livro onde, além do Diário de Notícias, da RTP ao Público, do Expresso à TSF, tanto é contado) e França exatamente por representarem as duas culturas em que Nobre-Correia tem vivido. A primeira, lusófona, por ser a do seu país, onde reside de novo, a outra, a francófona, por ter sido na Bélgica investigador, assistente e professor de Informação e Comunicação na Université Libre de Bruxelles de 1970 a 2001, também presidente do Departamento de Ciências da Informação e da Comunicação (1986-1989) e diretor do Observatoire des Médias en Europe (1993-2011)..Nestes últimos anos, tem sido bastante a produção literária de Nobre-Correia (a Almedina, que publica este História dos Média na Europa, editou em 2018 Teoria da Informação Jornalística e em 2019 Média, Informação e Democracia) e muito presente a sua opinião nos jornais portugueses, agora sobretudo no Público, mas antes no Diário de Notícias, onde foi colunista entre 2008 e 2014. Também no Facebook é quase diária a sua análise, em geral crítica, ao jornalismo que se faz em Portugal, nomeadamente nas televisões, que compara muitas vezes com a qualidade dos noticiários na França ou na Bélgica. E não perde a oportunidade, com argumentos diga-se, de sublinhar como o Le Monde tem sabido crescer mantendo a qualidade nesta época de debate sobre méritos e rendibilidade da edição online versus a impressa..Sobre o Diário de Notícias, que acaba de celebrar 157 anos, considerar como data de fundação o 29 de dezembro de 1864 e não o 1 de janeiro de 1865, Nobre-Correia lançou-me, com toda a consideração, o desafio da explicação para aquilo que considera um erro. Pois, com a ajuda do arquivo do Diário de Notícias, foi possível encontrar o porquê: em 1904 é inaugurado o busto de Eduardo Coelho em Lisboa, no Bairro Alto, e a data escolhida para tal foi 29 de dezembro, com a edição do jornal naquele dia a ser especial. A partir de 1907, o jornal assume de vez o dia 29 de dezembro como data das festividades e também como a mais propícia a edições especiais, com reforço do número de páginas..Nessa época era diretor Alfredo da Cunha (genro do fundador), nascido no Fundão, tal como Nobre-Correia. Sim, na cidade do admirável Jornal do Fundão, semanário lançado por António Paulouro em 1946, e que o académico fez questão de mencionar com toda a justiça na sua História dos Média na Europa..J.M. Nobre-Correia.Editora Almedina.571 páginas.29,90 euros.leonidio.ferreira@dn.pt