Serra de Sicó. Área Protegida proíbe apanha de caracóis, medronhos ou ervas aromáticas
Até ao final do ano de 2022 a Associação de Desenvolvimento Terras de Sicó deverá ter concluído o processo que finalmente designará aquela região como Área de Paisagem Protegida. Apesar de ter estado em discussão pública e da proposta ter sido inclusive publicada em Diário da República, a verdade é que passou ao lado da maioria dos habitantes e até das dezenas de intervenientes no processo, entre autarquias e associações daquele território tocado pela serra de Sicó, que envolve os concelhos de Pombal, Ansião, Alvaiázere, Soure, Condeixa e Penela, nos distritos de Leiria e Coimbra.
Não fora isso, por certo haveria uma indignação geral perante o caricato: de acordo com a proposta aprovada pelos municípios passaria a ser proibido colher qualquer planta silvestre na serra, como aquelas que a maioria das pessoas usa para condimentar até o queijo do Rabaçal, que por ali se fabrica. Mas também o louro, orégãos, cogumelos que alimentam tantos jantares micológicos em eventos turísticos, os medronhos ou os caracóis, que até são apanhados à beira da estrada.
Quando participou numa das ações de esclarecimento online à população, no Zambujal (Condeixa), o engenheiro florestal José Pais, proprietário do turismo rural Vila Chanca e atual gerente do parque de campismo da barragem do Cabril, em Pedrógão Grande, sentiu apenas que a proposta "era bem intencionada". Habituado a fazer "banhos de floresta" com grupos organizados pela serra de Sicó, que conhece como a palma das mãos, e onde colhe diariamente todas essas ervas, flores e cogumelos, diz ao DN que aquilo que vai acontecer, "se a proposta avançar daquela maneira, é que quando se quer tudo, perde-se tudo". "Logo naquele dia as populações viraram-se todas contra o que estavam a ouvir", recorda, sublinhando a importância de existir um regulamento, mas não desta forma. "Aqui ainda há muita vida rural, mas isto gera conflitos."
"Não findámos o processo" após da mudança de ciclo autárquico, admite o presidente da Câmara de Soure, Mário Jorge Nunes, que atualmente preside também à associação Terras de Sicó. Para trás ficaram reuniões com todos os parceiros e intervenientes. "Os estudos estão feitos, houve discussão pública, publicação em Diário da República, o assunto foi aos respetivos órgãos executivos dos municípios e falta agora validar." Ou seja, ficou decidido, após as eleições autárquicas, com os novos elencos nas Câmaras e Assembleias municipais, avançar para a decisão final. Porque dos seis municípios que integram aquela Associação de Desenvolvimento, metade tem novos autarcas. E em junho a presidência também mudará (rotativamente) de mãos, sendo assumida por Pedro Pimpão, autarca de Pombal.
Mário Jorge Nunes reconhece que já passaram alguns meses desde as eleições, mas recorda que "com este período da pandemia, e tendo que elaborar plano de atividades e orçamentos, o que é fundamental é colocar as pessoas a discutir o assunto, e isso implica reuniões expositivas". Na prática, o tema voltará a ser discutido publicamente. "Porque isto de andar só a discutir documentos na internet não é suficiente, ainda por cima para o que se pretende", disse, acrescentando: "Estamos a dar mais algum tempo para isto aliviar e voltarmos às reuniões presenciais, percorrendo todos os concelhos e dar oportunidade a que minuciosamente se vá escrutinando o documento, e que cada um venha colocar as suas dúvidas, até que se chegue à interpretação de que pode ser proibido colher orégãos... que é o caricato."
Mas há outras questões que se levantam. Por exemplo, as provas de trail que se realizam na serra, como aquela que está agendada para final do mês de fevereiro (trail Conímbriga Terras de Sicó). "Uma prova dessa envergadura, que envolve cerca de três mil pessoas, por ventura tem de passar a ser controlada e condicionada", sublinha o presidente, aludindo ainda a outras que serão "mais controladas, com pagamento de taxas, como provas de todo-o-terreno, motociclismo, ou o uso livre dos trilhos e dos caminhos para esse exercício."
"Quando decidimos suspender o processo, no final de 2020, foi para que houvesse uma última oportunidade dos principais interessados poderem discutir", afirma o autarca. "Por mim, e pelo que já conversámos na Terras de Sicó, não é reversível. É para progredir, para aperfeiçoar e avançar. Andamos nisto há 20 anos, à procura de um melhor instrumento. Além da paisagem protegida, podíamos ir para o Geoparque (como foram outros territórios), para parque natural, mas fomos para este que é mais flexível e aquele que entendemos ser o mais adequado". explicou.
Sérgio Medeiros, da comissão de Ambiente do Grupo Proteção Sicó (GPS), participou também numa das sessões, em Pombal, promovida pela empresa de consultoria do Porto que desenhou a proposta de Área Protegida para a Sicó. "Os municípios é que definiram os seus próprios limites. Eles compilaram tudo num documento que tem menos páginas do que um estudo de impacto ambiental de um parque eólico de duas ou três torres. Custou 15 mil euros e não se faz um estudo para uma área protegida com esse valor", considera o espeleólogo, que aponta alguma incoerência. "A Terras de Sicó gasta 300 mil em festivais de magia. Há muitas incongruências nesta proposta", sublinha Sérgio Medeiros.
O GPS sempre foi completamente a favor da criação de uma área protegida, até para lá dos limites aqui estabelecidos, mas discorda não só do processo como deste modelo de gestão. "Uma associação como a Terras de Sicó não tem competência para gerir uma Área Protegida. Tinha que envolver o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, por exemplo", assume.
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