Ponte Luís I: obras essenciais com impacto no turismo e no trânsito
Construída entre 1881 e 1886, a última grande intervenção na Ponte Luís I, que liga as cidades do Porto e Vila Nova de Gaia, data de 1954. Nos últimos anos, o desgaste foi ficando mais evidente e visível. Em algumas zonas do tabuleiro era possível ver o rio Douro e assistiu-se à queda de parafusos, entre outros problemas. Classificada como Património Mundial pela UNESCO em 1996, é um dos pontos turísticos mais importantes do Norte do País, mas é também essa classificação que torna o processo de requalificação mais moroso.
Ao DN, Pedro Carvalho, engenheiro da Infraestruturas de Portugal (IP) responsável pela obra explica as condicionantes do processo. "É património da UNESCO e temos, por isso, de preservar todas as suas características, com técnicas que respeitam o património. Dou-lhe um exemplo: aquilo que hoje usamos para ligar chapas metálicas são parafusos e, neste caso, não os podemos usar. Vamos usar rebites, uma técnica do século XIX, e isto implica tempo. Tivemos ainda outra condicionante que tem a ver com a circulação dos barcos. Se fizéssemos uma reabilitação com tabuleiros, os barcos não poderiam passar. Vamos fazer, por isso, a obra em duas fases. Primeiro do lado do Porto e, depois, do lado de Gaia. Isto ainda tendo de manter a circulação de peões ao longo de todo o período da obra", explica.
Pedro Carvalho esclarece tratar-se de "uma reabilitação completa com substituição, na íntegra, do tabuleiro inferior da ponte". "É uma obra profunda, executada como se a estrutura estivesse no início do seu ciclo de vida. A ponte teve uma grande intervenção em meados dos anos de 1950 e, agora, vamos intervir como se estivesse no ano zero da sua existência", sublinha. São obras que irão permitir a circulação de veículos de 60 toneladas, mais 30 do que era possível anteriormente.
A intervenção no tabuleiro inferior tem ainda em vista a redução das vibrações induzidas pela passagem de grandes grupos de peões durante eventos festivos ou desportivos, controlando-se as vibrações horizontais à custa do aumento da rigidez e aumento da massa do tabuleiro. O investimento de 3,3 milhões de euros, servirá também para reparar a corrosão superficial de elementos metálicos, fazer a substituição pontual de rebites, retificação de chapas deformadas, substituição das juntas de dilatação, entre outras anomalias. Afirmando nunca ter estado em causa o perigo de queda do tabuleiro, Pedro Carvalho garante que "apenas daqui a 60 ou 70 anos" será necessária uma nova intervenção.
Luís Pedro Martins, presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal, diz acreditar que as obras terão impacto no turismo, embora sejam "altamente necessárias". "Seria mentira dizer que uma obra desta natureza, que perdurará por um ano, não iria ter qualquer impacto, mas é importante destacar as soluções encontradas para diminuir o impacto: o facto de os peões poderem atravessar sempre a ponte durante toda a obra, em condições de segurança, e o reforço do vaivém de barco entre as duas margens. De destacar ainda o facto de o transporte turístico e público estar assegurado de forma a deixar os utentes no Largo Sandeman", refere. O responsável faz ainda um apelo. "Seria muito importante que, durante o período da obra, se encontrasse um preço mais reduzido para o Teleférico, em Gaia, e para o Elevador dos Guindais, do lado do Porto. Facilitaria as deslocações", pede.
No que se refere às dificuldades que a obra vai provocar, Luís Pedro Martins afirma ser "impensável não fazer a manutenção do tabuleiro". "Grave seria se houvesse um problema na ponte por falta de manutenção. Estava no limite, com buracos no pavimento e, infelizmente, não foi feito antes. Um acidente prejudicaria muito o turismo, tratando-se este do principal ponto turístico da cidade", sublinha. O presidente do Turismo do Porto e Norte de Portugal diz também ser necessário um "acompanhamento do impacto nas empresas do setor turístico por parte das autoridades". "Não é uma avaliação que se possa fazer agora porque ainda é cedo, mas terá de ser feita", conclui.
Segundo a IP, entre seis a oito mil veículos atravessavam o tabuleiro inferior da Ponte Luís I diariamente. Viaturas que têm agora de ser desviadas para outras travessias: as pontes do Infante, Arrábida e Freixo. Condicionantes que acontecem em simultâneo com as obras no Metro do Porto, em outros locais das cidades de Gaia e Porto.
Mudar de casa ou de emprego são soluções que os gaienses têm equacionado para fazer face ao aumento de trânsito e à consequente "perda de qualidade de vida". É o caso de Paula Rocha, moradora em Vila Nova de Gaia, para quem o desgaste tem sido "terrível". "Moro logo junto à Ponte da Arrábida, mas mesmo assim vou ao Candal, ao infantário, volto, e é terrível. Já ando a pensar em procurar trabalho deste lado", explica. A gaiense atravessa a Ponte da Arrábida diariamente para se deslocar até Matosinhos, onde trabalha. "A partir das 7.30 horas já é desgastante e estou sempre no para e arranca. Na volta para Gaia, ao fim do dia, também é assim", conta.
Paula Rocha sente estar a perder qualidade de vida e confessa-se "cansada". Segundo a moradora, os problemas no trânsito têm vindo a agravar-se desde que a Ponte D. Luís encerrou. "Não tenho mesmo hipótese de fazer este trajeto sem ser de carro. Trata-se de um caminho que levaria a fazer em 20 minutos e que, por vezes, leva o dobro do tempo", conclui.
Já María José Sánchez afirma que desde 14 de outubro, dia em que as obras na Ponte Luís I arrancaram, o mesmo trajeto (Canidelo-Boavista) "demora mais meia hora". "Isto às 8.00 horas. Às 18.00 nunca sei a hora de chegada a casa. Há dias em que demoro uma hora, mas já cheguei a demorar, dos Aliados até Canidelo, duas horas e meia. Não é só o problema da ponte. As obras do Metro na rua Júlio Dinis e nos Aliados também não ajudam. É um stresse. Há menos tempo para passar com a família e temos de deixar os filhos na escola a correr para sair a correr para o trabalho também. Não há qualidade de vida. Não faz sentido perder de duas a três horas todos os dias no trânsito, num trajeto que demora, de noite, cinco minutos para cada lado", desabafa.
A VCI é uma das vias mais afetadas, registando a circulação de 120 mil veículos dias. Segundo a IP, às condicionantes de tráfego provocadas pelas obras acresce ainda o facto de os transportes públicos ainda não estarem com níveis de utilização habituais em pré-pandemia.