Padrão dos Descobrimentos vai ser classificado como monumento

Direção-Geral do Património Cultural abriu processo de classificação. Imagem icónica da cidade, o Padrão é também uma construção controversa pela ligação ao Estado Novo.
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A Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) abriu um processo para a classificação como monumento do Padrão dos Descobrimentos, incluindo a Rosa-dos-Ventos inscrita na calçada adjacente.

Como o DN noticiou em setembro de 2021, o Padrão dos Descobrimentos não tem qualquer classificação patrimonial própria - não é monumento nacional, nem monumento de interesse público, nem sequer de interesse municipal. A única proteção especial que impende sobre o edifício, na freguesia lisboeta de Belém, advém do facto de estar na zona de proteção especial dos Jerónimos e do Museu de Arte Popular, ambos edifícios classificados. Detetada esta lacuna, em fevereiro de 2021 a associação Fórum Cidadania LX avançou com um pedido de "abertura do procedimento de classificação de âmbito nacional", que deu agora origem à decisão da DGPC de avançar com a classificação do Padrão (que é propriedade da Câmara de Lisboa e está afeto à EGEAC, empresa municipal responsável pela gestão dos equipamentos culturais). Este não é ainda o final do processo, mas um pontapé de saída para o passo legal seguinte, que definirá se a construção, que nas últimas décadas se transformou numa das imagens icónicas de Lisboa, é classificada como monumento nacional ou de interesse público - as duas classificações possíveis, que ficam agora em aberto.

A decisão de avançar para a classificação do Padrão dos Descobrimentos contou com o parecer favorável da Secção do Património Arquitetónico e Arqueológico (SPAA) do Conselho Nacional de Cultura, aprovado em janeiro deste ano, e que mereceu o acordo de todos os membros presentes. O documento, a que o DN teve acesso, não passa ao lado da controvérsia em torno do Padrão, uma obra do Estado Novo edificada em 1940, inicialmente como uma construção efémera para a Exposição do Mundo Português, e que viria a ser reconstruído em betão e pedra rosal de Leiria em 1960, por ocasião da comemoração dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique. "Vivemos tempos estranhos, nebulosos, que já se repetiram ciclicamente na História, e onde se navega muito, talvez demasiadamente, por imperativos morais e bipolares de arrependimento, autoflagelação, censura e cancelamento. São tempos de "pogrom". Mas conhecer a História sem a apagar e saber interpretar as suas evidências em liberdade será sempre a melhor forma de rechaçar os tempos aziagos, pela salvaguarda da humanidade e da riquíssima diversidade do seu processo cultural", lê-se no parecer, que teve como redator Elísio Summaviele, antigo presidente do Centro Cultural de Belém.

Evocação da expansão ultramarina portuguesa, com uma estética associada ao Estado Novo, a própria existência do Padrão dos Descobrimentos tem sido questionada ao longo do tempo. Uma das mais recentes polémicas data do início de 2021, quando o então deputado socialista Ascenso Simões defendeu, num artigo no jornal Público, que o Padrão é "um mamarracho", uma representação dos mitos construídos pelo salazarismo, que "num país respeitável devia ter sido destruído". Uma tese que foi rapidamente contestada por outro socialista, João Soares, antigo presidente da Câmara de Lisboa e ex-ministro da Cultura.

A própria nota de informação técnica redigida pelos serviços da DGPC - que recomenda, ela própria, a abertura do processo de classificação, incluindo a Rosa-dos-Ventos adjacente, posição que teria depois a aprovação do SPAA - admite que esta é uma "questão particularmente delicada", que envolve questões de índole político-ideológica, sublinhando que qualquer decisão se situará, necessariamente, "num dos lados da "barricada"".

Numa longa contextualização histórica e artística do Padrão dos Descobrimentos, a mesma nota sublinha que o que está em causa é uma "pronúncia sobre o valor cultural do Padrão dos Descobrimentos, que como monumento comemorativo/celebrativo procurou homenagear o Infante D. Henrique (e todos aqueles que o acompanharam nessa ação), mas que é na verdade uma homenagem à epopeia, ou melhor, ao empreendimento do valor das Descobertas por parte de toda uma Nação/País ao longo de séculos. É certo que também será do regime que o ergueu, mas de modo subsidiário, porque o foco deve ser o que ele pretende(u) homenagear". E acrescenta que "se julgarmos todas as ações do passado somente, ou sobretudo, pelos olhos dos vindouros (que aqui e agora somos nós) não haverá História (nem país) que resista...".

Para Paulo Ferrero, presidente da associação Fórum Cidadania LX, a abertura do procedimento de classificação do Padrão dos Descobrimentos "é uma boa notícia" - "Finalmente será classificado, está feita Justiça". "Vamos aguardar por mais", conclui - a associação tem vários pedidos de classificação abertos na DGPC.

Com esta decisão, que será agora publicada em Diário da República, o Padrão dos Descobrimentos e a calçada envolvente ficam em "vias de classificação", pelo que entram desde já em vigor regras específicas de proteção patrimonial, abrangendo uma área de 50 metros a partir dos limites externos do edificado a classificar.

susete.francisco@dn.pt

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