Padrão dos Descobrimentos não é monumento nacional, nem sequer municipal
Aparece em listas de monumentos, é designado habitualmente como tal, mas o Padrão dos Descobrimentos não é um monumento nacional. Também não é um monumento de interesse público, nem sequer de interesse municipal. Na verdade, embora seja reconhecido como tal e o próprio site dedicado ao imóvel o qualifique como "monumento", o Padrão dos Descobrimentos não é classificado. A proteção patrimonial acrescida que tem é-lhe exterior: advém do facto de estar na zona de proteção especial dos Jerónimos e do Museu de Arte Popular, esses sim edifícios classificados.
Propriedade da Câmara Municipal de Lisboa, o edifício está afeto à EGEAC, empresa municipal responsável pela gestão dos equipamentos culturais, e recebe habitualmente, nos espaços interiores, eventos culturais e exposições. É o suficiente para que o recente caso de vandalismo ao Padrão, que foi grafitado numa das paredes laterais com uma inscrição de cerca de 20 metros, possa ser considerado como um crime de dano qualificado. Isto porque, no Código Penal, a tipificação deste crime é bastante abrangente, aplicando-se por igual a monumentos, mas também a "coisa pertencente ao património cultural" (e, à luz da Lei de Bases do Património, o Padrão pode ser inserido nesta categoria) ou "coisa destinada ao uso e utilidade públicos ou a organismos ou serviços públicos".
Isso mesmo diz Pedro Duro, advogado especialista em Direito Penal - mesmo não sendo classificado, o Padrão é de propriedade pública e tem uso público e isso chega para que qualquer estrago feito ao imóvel possa ser considerado dano qualificado, com uma moldura penal máxima de cinco anos de prisão (que pode ser agravada para oito caso seja considerado de "importante valor científico, artístico ou histórico"). O advogado sublinha também que há doutrina jurídica que defende que, se um imóvel é reconhecido como monumento por uma comunidade, então deve ser considerado como tal, mesmo que não tenha essa classificação formal. Pedro Duro não deixa, no entanto, de considerar "surpreendente" que o edifício não seja classificado.
Ao que o DN apurou, esta questão foi analisada no âmbito da investigação aberta pela PJ ao ato de vandalismo de que o imóvel foi alvo, mas os investigadores concluíram que a inexistência de uma classificação formal como monumento não altera o processo legal, que passa agora pela notificação da suspeita. Trata-se de uma estudante de arte francesa que chegou a publicar nas redes sociais uma imagem da fachada grafitada, que depois apagou. Caso essa notificação não seja possível, a PJ pode avançar com um mandado de detenção europeu.
A Direção-Geral do Património Cultural (DGPC) tem atualmente em mãos um pedido de classificação do Padrão dos Descobrimentos como monumento nacional, feito no passado mês de fevereiro pela associação cívica Cidadania LX. Segundo a DGPC, em resposta a questões do DN, o "pedido de abertura do procedimento de classificação de âmbito nacional encontra-se em análise, de modo a que a DGPC decida sobre a abertura ou arquivamento da proposta". Caso determine a abertura do processo o imóvel fica em "vias de classificação", passando então a uma segunda fase em que "será aferido o grau proposto para o imóvel, a saber Monumento Nacional ou Monumento de Interesse Público".
Caso decida pelo arquivamento, a DGPC reenviará a proposta da associação à Câmara Municipal de Lisboa, "conforme determina a lei, seja para conhecimento, seja para que a edilidade pondere sobre a pertinência da sua classificação com a graduação de interesse municipal". Questionada sobre se a Câmara Municipal de Lisboa alguma vez pediu a classificação do Padrão, a DGPC foi perentória: "Não".
Face à mesma pergunta, e à razão para o edifício não ser classificado, a Câmara de Lisboa deixou as questões do DN sem resposta. Em vez disso, sublinhou que "ao longo dos últimos cinco anos a EGEAC executou um conjunto de obras de manutenção, conservação e restauro do Padrão dos Descobrimentos, Rosa dos Ventos e outros elementos (esferas armilares e iluminação) num investimento de 639,431 mil euros". Acrescenta também que o Padrão - que no ano de 2019 registou um "total de 309,156 mil visitantes" - está inserido nas zonas especiais de proteção dos edifícios do Mosteiro dos Jerónimos e do Museu de Arte Popular" e "como tal, beneficia de todas as salvaguardas vigentes dessas áreas específicas".
Mas as salvaguardas não são as mesmas nas duas situações. De acordo com a Lei de Bases do Património Cultural "as zonas de proteção são servidões administrativas, nas quais não podem ser concedidas pelo município, nem por outra entidade, licenças para obras de construção e para quaisquer trabalhos que alterem a topografia, os alinhamentos e as cérceas e, em geral, a distribuição de volumes e coberturas ou o revestimento exterior dos edifícios sem prévio parecer favorável da administração do património cultural competente". Ou seja, precisa a DGPC, "qualquer intervenção num imóvel abrangido por uma Zona de Proteção carece de parecer vinculativo da tutela do Património Cultural".
Neste aspeto, a exigência não é diferente da que impende sobre os edifícios que estão classificados, mas, neste último caso, os parâmetros são mais apertados. "No caso das intervenções num bem imóvel em vias de classificação ou classificado carecem as mesmas, igualmente, de parecer vinculativo da DGPC, sendo os critérios de apreciação mais exigentes", diz a Direção-Geral do Património Cultural.
Paulo Ferrero, do Cidadania LX, conta que o pedido para a classificação do Padrão remonta à polémica que se levantou quando o deputado socialista Ascenso Simões sugeriu a demolição do edificado, associado à estética dos descobrimentos do Estado Novo e considerado por muitos como uma exaltação do colonialismo português. "Houve umas ideias estapafúrdias de mandar aquilo abaixo, fomos ver qual era a classificação e vimos que não tinha. É tão óbvio que aquilo é um monumento que ninguém se questionou", relembra. Quanto ao facto de o Padrão estar dentro da área de proteção dos Mosteiro dos Jerónimos, Paulo Ferrero mostra-se cético: "Isso não serve de nada".
Em fevereiro deste ano, num artigo no jornal Público, o deputado socialista Ascenso Simões defendeu que o Padrão - "um mamarracho" - é uma representação dos mitos construídos pelo salazarismo e que "num país respeitável, devia ter sido destruído". "Os regimes totalitários constroem uma história privativa. Em Portugal, o salazarismo foi muito eficaz nessa construção, garantindo, até hoje, a perenidade dos mitos do desígnio português, dos descobrimentos, ou do império. Esta trilogia programática tarda em ser abalada, em se colocar perante o julgamento indispensável de um povo que se quedou amedrontado", escreveu então o parlamentar. Mais tarde, em declarações ao Observador, voltou a defender que o Padrão devia ser destruído enquanto "monumento do regime ditatorial" que é: "Se nos questionássemos enquanto sociedade perguntaríamos porque é que não derrubamos aquele que é um dos grandes monumentos do regime ditatorial".
Uma tese que foi recebida com um coro de críticas, mesmo dentro do próprio PS, com o ex-ministro da Cultura João Soares a vir a terreiro afirmar que se ocupou "diretamente" do Padrão nos 12 anos como autarca em Lisboa - "Ver agora por aí escrito que os socialistas querem demolir o Padrão dos Descobrimentos, sendo eu indefetível socialista PS, entristece-me. Dá a medida da perfídia e da estupidez que por aí anda".
Erguido originalmente em 1940, o Padrão foi inicialmente construído em materiais perecíveis, como uma construção efémera para a Exposição do Mundo Português, numa evocação da expansão ultramarina portuguesa. Viria a ser reconstruído em betão e pedra em 1960, por ocasião da comemoração dos 500 anos da morte do Infante D. Henrique - a figura cimeira das 32 representadas no Padrão. Curiosamente, o imóvel está hoje na área de proteção do Museu Popular, o antigo pavilhão da "Secção da Vida Popular" criado para a mesma Exposição do Mundo Português, classificado desde 2012 como monumento de interesse público.
Com Valentina Marcelino