Cascais recebeu ucranianos com uma ideia em mente: "E se fosse eu?"

Cascais é o segundo concelho do país que mais refugiados acolheu. O maior investimento da câmara foi o milhão de euros gasto na recuperação de escolas em Bucha e Irpin.
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Portugal atribuiu 58 043 proteções temporárias a cidadãos ucranianos e a estrangeiros que residiam na Ucrânia desde o início da invasão russa, segundo dados do Serviços de Estrangeiros e Fronteiras, sendo que cerca de um quarto foram concedidas a menores e na sua maioria a pessoas do sexo feminino (33 900). Cascais foi o segundo concelho do país onde foram registadas mais proteções (3665), apenas atrás de Lisboa.

"Nós tentámos sempre, e penso que conseguimos, garantir a privacidade destas pessoas para que não acabasse por ser estigmatizado o facto de estarem aqui em Cascais. Elas têm vindo a integrar-se. A opção inicial, e assim orientei as equipas, foi que fizessem a pergunta "e se fosse eu?", "e se fosse connosco?". Montámos toda a operação humanitária pondo-nos nós no lugar dos outros", recorda ao DN o autarca de Cascais, Carlos Carreiras.

Uma das primeiras medidas visíveis de Cascais neste ano de guerra ocorreu entre 9 e 14 de março, quando uma comitiva liderada pelo vice-presidente da autarquia, Miguel Pinto Luz, viajou num avião fretado pela câmara até à fronteira da Roménia com a Ucrânia e regressou a Portugal com 229 refugiados. "Toda a nossa operação de ajuda humanitária assentou em dois eixos. Um foi enviar material para a Ucrânia, bens alimentares, roupa, medicamentos, todo um conjunto de bens que foram doados pelos munícipes de Cascais, quer a nível individual, quer a nível de empresas. O outro pilar tem sido acolher aqueles que chegam a Cascais. Tudo isto tem funcionado com um grande envolvimento por parte de toda a comunidade", refere o presidente da autarquia, notando que, no total, enviaram 223 toneladas de material para a Ucrânia neste último ano.

Enquanto não vinham os primeiros refugiados, em Cascais trabalhava-se para ter prontos os seis centros de acolhimento do concelho, um deles de emergência, onde quem chegava ficava nos primeiros quatro dias, para consultas médicas, acompanhamento psicológico e para se registarem no SEF. "Dos cerca de 3600 cidadãos que chegaram a Cascais, 1939 tiveram algum contacto connosco, ou seja, a quem não dormia nas nossas instalações demos também apoio quer de alimentos e roupas, quer através de um conjunto de serviços como terem acesso ao SEF ou aos nossos transportes rodoviários, que são gratuitos. Foram sempre considerados e tratados como os cidadãos de Cascais", prossegue Carreiras.

Hoje ainda estão em funcionamento dois centros - uma antiga creche e um antigo lar de idosos. "Estão lá apenas 132 cidadãos, esperamos que até ao final de março este número já esteja em cerca de metade e que até maio/junho já todos tenham encontrado soluções", prevê o autarca cascalense. "Alguns regressaram à Ucrânia, outros foram para mais perto da fronteira. Houve também quem encontrasse solução em Portugal e, portanto, têm-se vindo a integrar. Também vieram alguns empresários ucranianos, cidadãos com posses, que têm estado a montar as suas próprias empresas. Alguns têm recorrido à DNA Cascais, que é a nossa agência de empreendedorismo".

Paralelamente, a autarquia tem fornecido outro tipo de apoios, sempre com a ajuda da sociedade civil. "Temos muitas crianças que estão a frequentar escolas ucranianas e às quais disponibilizámos computadores e meios informáticos para assistirem às aulas remotamente. Ensinamos português aos adultos e também damos apoio na procura de emprego", enumera Carlos Carreiras. "Por exemplo, uma coisa que me preocupava é que muitos destes cidadãos não conheciam o mar e estávamos a aproximar-nos da época balnear. Então tivemos da comunidade surfista e dos nadadores salvadores algum apoio para lhes passar o mínimo de informação para que eles se cuidassem, quer em relação ao sol, quer às condições do mar".

Em termos de investimento, Carreiras diz que o esforço financeiro da autarquia é pouco, graças ao apoio da comunidade, mas também aos 900 mil euros vindos da União Europeia. Há uma exceção. "Nós geminámo-nos com as cidades de Bucha e Irpin e assumimos o compromisso de investir um milhão de euros na recuperação de escolas e, neste momento, temos duas, uma em cada cidade, que já foram recuperadas. Diria que foi o maior dispêndio financeiro da câmara", garante.

Para 2023, Cascais não fez nenhuma provisão específica para estes cidadãos, tudo em nome da não discriminação. "Nós aprovámos no final do ano passado, e que já está em vigor, um pacote de apoio social de combate à inflação na ordem dos 40 milhões de euros para todos os cidadãos de Cascais que estejam a passar por dificuldades. E os cidadãos ucranianos estão aqui incluídos. Todos os programas que estão disponíveis para os cidadãos de Cascais são os programas que estão disponíveis para os cidadãos ucranianos".

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