30 anos de PER: o programa que acabou com mais de 10 mil barracas de Lisboa
Foi a 18 de março de 1993 que o o governo liderado por Cavaco Silva aprovou em Conselho de Ministros a criação do Programa Especial de Realojamento (PER), que tinha como objetivo realojar os moradores dos bairros de lata nos 28 concelhos das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, sendo o maior programa de promoção de habitação pública em Portugal desde o 25 de Abril. Na altura, só em Lisboa existiam mais de 10 mil barracas.
"Quando falamos do PER, temos de olhar para a história e tentar perceber em que consistiram as políticas de habitação, nomeadamente de construção em Lisboa, no último século. E o que percebemos é que nos anos de 1990 a 2000 representaram um pico na construção pública: 1100 habitações por ano, 11 mil no fim do século. Estes valores, verdadeiramente impressionantes, são o reflexos dos programas PIMP [Plano de Intervenção a Médio Prazo] e PER", diz ao DN a vereadora da Habitação da Câmara de Lisboa, Filipa Roseta.
A partir do final dos anos de 1970, a construção clandestina aumentou muito em toda a área metropolitana de Lisboa, fruto da crise financeira, mas também da chegada de milhares de imigrantes vindos das antigas colónias portuguesas, dando assim origem aos chamados bairros de barracas. Um fenómeno que continuou a crescer e que se tornou visível. "No caso da AML, os bairros cresceram em zonas inicialmente periféricas e progressivamente mais centrais, com o processo de suburbanização da cidade de Lisboa", escreveu a investigadora Rita Ávila Cachado na sua análise "O Programa Especial de Realojamento. Ambiente histórico, político e social", onde se pode ler ainda que existiam "16 585 famílias a viver em barracas na AML (Área Metropolitana de Lisboa), no início dos anos 1980". Nesse sentido, acrescentou que "além do concelho de Lisboa, os municípios limítrofes com maior número de barracas eram os da Amadora, Loures e Oeiras".
Em 1993, o diagnóstico dos serviços municipais de Lisboa, tendo em vista à adesão ao PER, identificou 97 núcleos de barracas onde se encontravam 10 030 alojamentos precários. O equivalente a 11 129 agregados familiares e um total de 37 299 pessoas. De acordo com informações facultadas ao DN pela Câmara de Lisboa, numa década foram construídas 9135 habitações municipais num total de 40 conjuntos de habitação pública, representando um investimento superior a 600 milhões de euros.
"Houve também um avanço na construção da cidade, foram criadas escolas, centros de saúde, sedes de associações, espaços comerciais, esquadras, etc.", refere fonte da autarquia.
Segundo dados do INE, antes do Programa Especial de Realojamento, existiam em Portugal 46 391 alojamentos familiares não clássicos, ou seja, barracas. Sendo que estimava-se em mais de 100 mil o número de pessoas a viver nessas condições precárias.
Com a entrada em vigor do PER, em 1993, foi possível erradicar, nos 28 concelhos das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, 986 núcleos de barracas com a construção de 34 759 habitações em 290 bairros de realojamento. Casas que permitiram dar um novo teto a 32 333 agregados familiares, num total de 132 181 pessoas.
"Na década passada, 2010-2020, verificou-se um nível mínimo de construção nova, em média, 17 habitações sociais por ano, de acordo com os dados dos Censos 2021. Não houve o investimento que houve com o PER", prossegue Filipa Roseta. "Por isso, é importante lembrarmos o PER e termos bem presente as nossas prioridades: em primeiro lugar aumentar e melhorar a oferta de habitação em Lisboa, todas as nossas habitações públicas têm de estar ao serviço das pessoas e das famílias. Além disso, temos de reduzir assimetrias no acesso à habitação e temos de concentrar esforços na regeneração daquilo a que chamo a "cidade esquecida", muitas zonas completamente ao abandono que têm de ser integradas na cidade", reforçou.
As três décadas do PER vão ser lembradas e discutidas este sábado na conferência "30 Anos PER: Génese e Impacto nos territórios", na qual participarão, entre outros, os presidentes das câmaras de Lisboa, Cascais, Oeiras, Loures, Matosinhos, bem como o antigo Presidente da República, Cavaco Silva.