Espécie nunca vista na Europa Continental, o andorinhão-da-serra voou algures das ilhas da Madeira ou das Canárias direto ao Porto, onde estabeleceu duas colónias. A primeira observação desta ave rara em terras continentais lusas data do fim de 2019. Foi o birdwatcher Paulo Belo que deu o alerta (no bom sentido). Aficionado por andorinhões, descobriu num edifício residencial junto ao Parque da Cidade da Invicta uma colónia e registou o momento com fotografias e gravação de sons. Meses mais tarde, encontrou uns casais a viver em plena Baixa da cidade, num prédio devoluto. Local atrativo para interesses imobiliários e turísticos, rapidamente foi ocupado por andaimes e redes de proteção. O habitat destas espécies ficou em perigo.O Andorin, projeto que visa o estudo e a preservação das andorinhas e dos andorinhões em Portugal, teve conhecimento do início da obra de reabilitação do prédio e alertou a autarquia. Surgiu uma solução. Como explica a Câmara do Porto, os três ou quatro casais de andorinhões-da-serra (é difícil precisar o número) nidificavam numas caixas de estore, que foram tapadas quando o promotor iniciou a intervenção. Com o apoio do Andorin, e a disponibilidade do promotor, foi encontrado um recurso para salvaguardar a casa destas famílias. O dono de obra vai voltar a abrir o acesso aos vãos, para onde os estores recolhiam, através de uns orifícios com forma e dimensão indicados pelos técnicos do Andorin. Essas aberturas estarão operacionais até ao fim do mês, antes da nidificação das aves.Neste momento, é desconhecido o paradeiro dos andorinhões-da-serra que habitavam na Baixa do Porto. Vasco Cruz, coordenador do projeto Andorin, admite que possam estar a dormir no Parque da Cidade, onde estão contabilizados 12 casais. Assim que regressem a casa, no último piso do edifício, será possível estudar os hábitos destas aves. Como explica, investigadores universitários irão verificar a dieta e os movimentos da colónia, em suma, analisar os comportamentos físicos e hábitos.É desconhecido o motivo que levou estes andorinhões-da-serra a abandonar o seu espaço natural e, como primeiro pouso no continente europeu, escolhido a cidade do Porto. Esta espécie é nativa da Macaronésia e, até 2019, não havia registo da sua presença fora dos arquipélagos da Madeira (estima-se que existam cerca de 10 mil casais) e das Canárias. Entretanto, também chegaram ao sul. Em 2021, foram identificadas duas colónias, de seis famílias cada, uma junto ao Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e a outra numa habitação em Cascais. Estas aves “têm uma capacidade incrível de voo. Podem estar vários dias sempre a voar e dormem enquanto voam”, salienta Vasco Cruz.Estas migrações despertaram o interesse dos birdwatchers. Segundo Vasco Cruz, “há muitos observadores estrangeiros que têm vindo ao Porto e a Lisboa para observar os andorinhões-da-serra”, com destaque para holandeses e ingleses. Fazem uma espécie de coleção de cromos. “Sempre que têm conhecimento que existe uma ave nova, vêm ver”, diz o responsável. O andorinhão-da-serra tem asas esguias e estreitas, em forma de foice, cauda longa e fortemente bifurcada, corpo esguio, com uma ténue mancha no mento e plumagem castanho-acinzentada. Podem parecer andorinhas grandes. Em Portugal continental, os andorinhões que facilmente se podem observar são o pálido e o preto que, ao contrário do andorinhão-da-serra, são espécies migratórias. Mas o mesmo não se pode dizer da andorinha. Esta ave tem diminuído muito a presença em Portugal. A falta de diversidade de culturas e os insetos associados (o seu alimento), a destruição de ninhos e as alterações climáticas têm contribuído para que escolham outros locais de migração. Vasco Cruz lembra que a espécie é relevante no combate às pragas agrícolas e florestais, vetores de doenças, como o dengue. A andorinha exerce serviços ecossistémicos nos territórios onde assenta, função vital sobretudo nos países mais pobres.O projeto Andorin surgiu em 2018 e tem procurado sensibilizar a sociedade, disponibilizar informação e fornecer ferramentas práticas para a conservação destas aves. Faz também registo de ninhos de andorinhas e andorinhões.