Zelensky acredita na vitória e Kiev mostra-se cética sobre as negociações de paz

A horas de Guterres arrancar a iniciativa diplomática que o leva a Ancara, Moscovo e Kiev, os ucranianos voltam a criticar o secretário-geral da ONU. Londres critica falta de empenho de Paris e Berlim na ajuda militar à Ucrânia.
Publicado a
Atualizado a

O exército russo ignorou os apelos para uma trégua no domingo de Páscoa ortodoxa e continuou a bombardear povoações no leste e a matar civis, caso de duas crianças, de cinco e 14 anos, em Ocheretyne, na região de Donetsk. Mas também prosseguiu o bombardeamento à siderurgia de Mariupol, onde resiste o último reduto das forças ucranianas.

Na cidade em ruínas, sem surpresa, voltou a falhar a abertura de um corredor humanitário para a retirada de civis, apesar do apelo da Cruz Vermelha. Segundo os serviços secretos britânicos, os ganhos territoriais do invasor fizeram-se à custa de "danos significativos" das forças russas, que estão com "fraco moral". Em contrapartida, o presidente ucraniano mostrou-se otimista ao dirigir-se aos seus cidadãos numa mensagem de Páscoa.

"O ano passado celebrámos a Páscoa em casa por causa da pandemia. Este ano, também não celebramos a ressurreição de Cristo como costumávamos fazer. Por causa de outro vírus. Por causa de uma praga chamada guerra. Tanto a ameaça do ano passado como a deste ano estão unidas pela mesma coisa: nada pode derrotar a Ucrânia", disse Volodymyr Zelensky na catedral de Santa Sofia, em Kiev.

Igor Zhovkva, conselheiro do presidente ucraniano, voltou a criticar a iniciativa do secretário-geral das Nações Unidas, na ressaca das declarações de Zelensky sobre as visitas "sem justiça e sem lógica" de António Guterres, por este ir primeiro a Moscovo, na terça-feira, e só depois a Kiev. Para Zhovkva, o português devia focar-se na obtenção de mais ajuda humanitária, tendo mostrado ceticismo quanto à iniciativa das negociações de paz. Guterres viaja nesta segunda-feira até à Turquia para se encontrar com o presidente Erdogan. Este, por sua vez, deverá também manter conversações telefónicas com Putin, após tê-lo feito no domingo com Zelensky. Estes desenvolvimentos dão-se quando três fontes garantem ao Financial Times que o líder russo não está interessado em negociações, mas em tentar tomar o máximo de território possível à Ucrânia.

Depois de na véspera Zelensky ter apelado para as visitas a Kiev de líderes estrangeiros não se ficarem pelos "presentes ou bolos", do Reino Unido, país que tem contribuído cada vez com mais armamento, fez-se ouvir uma crítica dirigida a França e à Alemanha. "O Ocidente tem de responder por sua vez [à crescente ofensiva russa] e nós estamos dispostos a fazê-lo" disse Oliver Dowden, secretário sem pasta do governo de Boris Johnson. "Há um desejo de que todos nós o façamos, mas seria bom ver mais da França e da Alemanha também", disse o também co-secretário-geral do Partido Conservador, em entrevista à BBC.

A crítica não só se refere à hesitação com que os governos daqueles países, em especial o alemão, têm enfrentado o desafio de fornecer armamento à Ucrânia, mas também ao seu comportamento. É que, apesar do embargo europeu à venda de armas à Rússia, aprovado em 2014 após a anexação da Crimeia, vários países continuaram a vender armamento e material de guerra a Moscovo.

O londrino Telegraph publicou os resultados do consórcio Investigate Europe - dado a conhecer há mais de um mês em vários meios, entre eles o Público - os quais revelaram que os principais vendedores (entre 2015 e 2020) europeus foram a França e a Alemanha, totalizando 273 milhões de euros. Só no ano passado, enquanto por duas vezes os comandantes russos juntavam dezenas de milhares de soldados junto à fronteira com a Ucrânia, a UE exportou 39 milhões de euros em munições e armas.

Alegando lacunas legais no articulado do embargo, Paris permitiu que os exportadores completassem os contratos assinados antes de 2014, vendendo bombas, foguetes, torpedos, câmaras com imagem térmica e sistemas de navegação para a aviação e exército.

Já Berlim alegou que as empresas alemãs estavam a fornecer equipamento de "dupla utilização", e que só foram entregues depois do Kremlin ter prometido que seriam utilizados para fins civis. Espingardas e veículos de proteção especial fizeram parte das entregas. Só depois da invasão russa é que a UE fechou a porta às exportações de produtos de dupla utilização e a continuidade das vendas de armamento acordadas antes de 2014 só foi suspensa no quinto pacote de sanções de Bruxelas.

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt