“Xi e Putin aceitam Trump pelo que é, um narcisista facilmente influenciável dizendo o que ele quer ouvir”
Estamos a menos de cinco meses das presidenciais nos EUA, quais são neste momento as grandes incógnitas em relação às eleições?
Tenho esta frase que uso nos debates com os meus adversários, quando falamos de factos, em que digo: “pode ter a sua opinião, mas não pode criar os seus próprios factos”. Factos são factos, mas temos podcasts e outros produtos nas redes sociais nos EUA hoje - e também os há na Europa - em que os americanos das zonas conservadoras do Midwest acham que estão a ouvir um programa gravado em Little Rock, Arkansas, quando na verdade tem origem em Pequim. Ou alguém no Minnesota que pensa estar a ouvir agricultores do seu estado, mas a informação vem de São Petersburgo, na Rússia. Tudo com o objetivo de criar mais divisões no nosso país, mais desinformação. De maneira que as pessoas não confiam na informação que recebem, ou, pior, dizem “não oiço essas notícias, oiço as ‘minhas’ notícias”. Quando daqui a 20 anos os historiadores olharem para o que aconteceu nos últimos oito anos e no que vai acontecer nos próximos quatro, vão perceber que estes foram tempos decisivos para o futuro das nações democráticas e para determinar se ainda podem trazer a luz e a esperança para o resto do mundo no que se refere aos direitos humanos e às liberdades de que desfrutamos e valorizamos. Direitos e liberdades que são a base das instituições democráticas e que dão oportunidades para as pessoas assumirem riscos e se tornarem empreendedores e tudo o que surgiu após a II Guerra Mundial. No caso da América, com mais de 240 anos, é a mais antiga democracia do mundo. E é isso que está a ser desafiado. Dentro de 20 anos os historiadores vão olhar para trás e perceber se tomámos boas ou más decisões. Vamos tomar ambas, esperemos mais boas do que más e que dentro de 20 anos as democracias continuem a ser a base e a proteção destes direitos humanos que prezamos
Quando nos conhecemos, no seu gabinete em Washington, um ano após a eleição de Trump, lembro-me de me contar que o seu amigo Joe Biden lhe costumava dizer: ‘Jim, se eu tivesse o teu cabelo, era presidente dos EUA’.
[Risos] Pelos vistos não o impediu!
Não impediu. Biden é o presidente e candidato a um segundo mandato. O que o leva a recandidatar-se apesar das críticas e da idade? Ele está convencido que é o único que pode derrotar Donald Trump?
Ele já o disse e provou ser verdade. Acho que Joe Biden é um bom presidente. Conseguiu recuperar a economia depois do impacto da covid. A economia americana é a mais forte do mundo em termos de criação de emprego, de habilidade de gerar riqueza. Tivemos problemas com a inflação, mas está a baixar. O mercado bolsista nunca esteve tão alto. O desemprego nunca esteve tão baixo num período de 50 anos. Mas infelizmente, ele não recebe crédito por isso. E faz parte do desafio. A sua resposta aos nossos aliados, à Europa, foi resoluta, tem sido consistente. Graças, em parte, ao criminoso de guerra Putin, a NATO está hoje mais forte do que alguma vez foi desde a Guerra Fria. Quem poderia imaginar que a Suécia e a Finlândia se tornariam membros da NATO há dois anos e meio? Era impensável. Quem poderia imaginar que a União Europeia iria fornecer o nível de apoio económico e humanitário e a assistência militar que está a fornecer à Ucrânia e que é tanta como a dos EUA. O mundo mudou. Não obstante, o populismo está em ascensão. A Rússia e a China uniram-se para criar desafios para as nações democráticas. Vivemos num mundo muito, muito desafiante. Temos a batalha entre nações sunitas moderadas e nações xiitas radicais. E esta guerra que se desenrola hoje em Gaza e no Líbano, com o Hezbollah e o Hamas como representantes do Irão. E a situação que Israel enfrenta como resultado disso. Estes são tempos difíceis para a Europa. A mudança é constante. Mas há dias, pelos 80 anos do desembarque na Normandia, a reunião entre o presidente Biden e outros líderes europeus foi uma oportunidade de nos lembrar a todos o que aconteceu lá e porque é tão relevante hoje como era então. A reunião do G7 foi também uma boa oportunidade para os seus membros delinearem um conjunto de prioridades que continuarão a refletir-se na cimeira da NATO em Washington, em julho.
A economia americana está de saúde, o mundo precisa de uma América forte. Mas quando olhamos para as sondagens vemos que Biden e Trump continuam taco a taco. Apesar de todos os problemas judiciais do republicano…
É um criminoso condenado! Deve 67 milhões de dólares a uma mulher por acusações de violação e tem outros três processos em tribunal que ainda têm de ir a julgamento. Se antes de Trump escrevêssemos um livro a contar isto, iam dizer que era ficção. Mas é um facto. Trump é um entertainer que é também um narcisista maligno com o temperamento de um adolecente de 14 anos que só se importa com ele próprio. De certa maneira ele é uma anedota. Mas é levado a sério por muitos americanos.
Como ele próprio já disse, podia dar um tiro a alguém na Quinta Avenida que os apoiantes continuariam com ele?
A política do medo e do ódio existem na América desde a sua fundação. Não é algo novo. Tivemos a Guerra Civil em torno da abolição da escravatura. E achámos que estava resolvido, mas no final dos anos 1890 houve uma série de estados que invocaram as leis Jim Crow baseadas na raça. E já bem avançado o século XX havia na América restaurantes segregados, escolas segregadas, locais de trabalho segregados, as forças armadas também. A realidade é que a raça tem sido um desafio na América desde a sua fundação. Mas já vimos como as coisas mudaram drasticamente nos últimos anos. E a forma como comunicamos o impacto dessa mudança nas nossas interações sociais e na economia tem evoluído. Estas [aponta para o telemóvel] são ferramentas que podem ser manipuladas. Já as vimos ser usadas de forma efetiva para fomentar a política do medo. E há um subtexto nisso tudo que envolve a raça. Gostamos de falar, com orgulho, da América como um melting pot de raças e etnias vindas de todo o mundo. Mas quando olhamos para a realidade do crescimento e do desenvolvimento desse melting pot, alguns têm mais sucesso que outros. Não temos uma sociedade de classes nos EUA. Mas temos uma sociedade baseada em valores que envolvem uma base económica, que avaliam se se está bem na vida e se o papel do governo é o adequado. Sempre houve esse debate nos EUA. Fez parte da capacidade dos nossos Pais Fundadores de criar não só a Constituição, mas também a Declaração dos Direitos dos Estados Unidos e de estabelecer o que é o papel adequado para um governo federal e para os estados e governos locais. Nos EUA, Trump fez um excelente trabalho a jogar com a política do medo, do ódio. Vai sempre haver a política do medo e a política da esperança. E ambas podem ter sucesso. As próximas eleições vão depender de quantos americanos acreditam que foi o sucesso das nossas instituições que permitiu a recuperação económica. Tivemos o maior investimento em infraestruturas desde a administração Eisenhower - 1,7 biliões de dólares -, tivemos o Inflation Reduction Act, o American Recovery Act, o CHIPS Act. Há uma longa lista de coisas que conseguimos fazer. Isso será ponderado com as implicações da política do medo e da política da esperança e com a forma como as redes sociais serão manipuladas para convencer os eleitores de que estamos no caminho certo.
Estamos a falar da forma como as instituições continuam a funcionar apesar das guerras políticas, mas há uma instituição que pode mudar radicalmente e por longas décadas se houver uma segunda presidência Trump, que é o Supremo Tribunal. É a parte mais assustadora de um eventual regresso de Trump à Casa Branca?
Acho que essa tem sido uma questão nesta campanha. Os três juízes que ele conseguiu nomear enquanto presidente e o que daí resultou é claramente um assunto. A instituição que historicamente era reverenciada como um dos três ramos da governação é hoje tido em fraca consideração nos EUA. Em pior consideração do que o Congresso! Não tem um código de ética. Mas acho que essa pode ser uma das razões pelas quais em novembro o presidente Biden terá sucesso. Ser um grupo de homens brancos no mais alto tribunal do país, a determinar o que as mulheres podem fazer com os seus próprios corpos, com os direitos reprodutivos, teve um impacto em todas as eleições desde a decisão Dobbs [vs Jackson, que em 2022 reverteu o aborto como um direito federal]. Em estados vermelhos [republicanos] como o Kansas e o Ohio tem havido esforços para eliminar o acesso a contraceptivos, dificultar a fertilização in vitro para casais que desejam desesperadamente ter um filho. Eu acho que tudo isso vai repercutir-se nas mulheres republicanas moderadas e nos estados indecisos. A eleição vai depender de sete estados, Wisconsin, Michigan, Pensilvânia, Nevada, Arizona, Geórgia e possivelmente Carolina do Norte. Biden vai ganhar a maioria do voto popular nos EUA, mas nos últimos anos tivemos vários presidentes que não obtiveram a maioria dos votos, mas venceram nos estados que lhes deram a maioria no Colégio Eleitoral. Se Biden vencer no Wisconsin, Michigan e Pensilvânia e se conseguir aquele delegado no Nebraska, isso deixa-o com os 271 votos de que precisa para ganhar. Como alguém que concorreu a cargos eletivos mais vezes do que gostaria de contar, 20 anos no Congresso e, antes disso, 24 anos no Parlamento estadual da Califórnia, posso dizer-lhe que ainda é cedo, faltam cinco meses para as eleições. Muita coisa pode acontecer. O que acontece se houver um cessar-fogo ou não em Gaza com o Hamas? O que acontece em relação à inflação e às taxas de juros e se elas caem ou não? O que acontece em relação a uma série de fatores relacionados com a política interna? Temos problemas de habitação nos EUA e temos de trabalhar no nosso sistema de saúde. Biden tem feito um esforço em relação aos mais idosos. Tentámos durante anos limitar os custos dos medicamentos na América e ele conseguiu: colocou um limite nos 10 medicamentos mais usados pelos americanos e também na insulina para os diabéticos.
Para a Europa, uma segunda presidência Trump seria preocupante, sobretudo depois de ele ter ameaçado sair da NATO ou pelo menos não proteger os países que não cumpram os 2% do PIB em gastos com defesa…
Trump não compreende a história mundial, a história europeia, a história recente. E tem um bromance com Putin e com Xi e também com o ditador da Coreia do Norte.
Coloca Xi nesse bromance?
Acho que Trump gosta de acreditar que tem uma boa relação com Xi. Mas tanto Xi quanto Putin aceitam Trump pelo que ele é, que é esse narcisista que se pode facilmente influenciar dizendo o que ele quer ouvir. Trump é um vendedor e não dedica tempo nem esforços para se tornar conhecedor das questões com as quais está a lidar. Ele é bom a identificar as queixas das pessoas. Mas no final das contas, daqui a alguns anos, será preciso seguir o dinheiro. Trump é um vigarista. Preocupa-se apenas com o bem-estar financeiro dele e talvez dos seus filhos. E não ficaria surpreendido se encontrássemos dinheiro russo, seja através do Deutsche Bank, de alguma subsidiária ou de oligarcas russos. Os chineses, nos quatro anos em que Trump esteve no cargo, gastaram mais de 4 milhões de dólares no Trump Hotel, participando em jantares e reuniões. E há muito mais dinheiro que não podemos contabilizar. A filha dele obteve privilégios de direitos autorais na China, não por causa da sua astúcia nos negócios, mas porque o pai dela era o presidente. E [o genro Jared] Kushner convenceu os sauditas a porem 2 mil milhões de dólares num fundo de investimento que ele dirige. Eles não fizeram isso porque pensaram que seria um bom investimento financeiro da parte deles. Esse é um sentimento muito preocupante. Na América, no pós-II Guerra Mundial, acreditámos em reconstruir uma Europa forte, que partilhava os nossos valores democráticos. Foi importante para resistir à Guerra Fria e criar um nível de oportunidades económicas na Europa que não existia. Tudo isso faz parte desta parceria transatlântica que tem sido tão vital não apenas para o nosso sucesso mútuo, mas para todo o mundo. Que outros países no mundo assumem a tarefa de apoiar e reconstruir aqueles que eram os seus inimigos como parte de um mundo mais pacífico? É disso que estamos a falar para o século XXI.
Falou da China e nas últimas décadas o que temos vistos são uns EUA mais voltados para a Ásia do que para a Europa. Mas este cenário mudou com a guerra na Ucrânia e agora em Gaza. Mas neste mundo em que a China se procura impor como novo superpotência, diria que Pequim é a grande rival da América, independentemente de quem estiver na Casa Branca?
A China é um desafio porque é um adversário, é um competidor e é um grande mercado. O mesmo se passa com a Europa. Portugal, por exemplo, teve um grande investimento chinês e vemos a importância da iniciativa Uma Faixa Uma Rota em África e noutros continentes. A China quer, sem dúvida, espalhar a sua influência no mundo. Mas tem muitos problemas próprios, há protestos, há competição, há muita corrupção. Mas eles fizeram um investimentos significativo nas suas infraestruturas, criaram mais habitação. Nós na Europa e nos EUA podíamos aprender com eles nesta área. Eles construíram em excesso. Mas não deixam de ter problemas internos. Acho que foi um erro quando Trump saiu da Parceria Transpacífico porque perdemos as tarifas para usar como alavanca contra as práticas comerciais desleais da China. E lembrem-se, nós permitimos-lhes a entrada na Organização Mundial do Comércio para que eles jogassem de acordo com as regras. O problema é que na esmagadora maioria dos casos que levámos à OMC, ganhámos, mas depois a China não cumpre.
Veio a Lisboa para o Legislators’ Dialogue da FLAD. Costuma vir com alguma frequência a Portugal. Sente-se em casa quando está por cá?
Adoro Portugal. É a terra dos meus antepassados. Sinto-se muito confortável em Portugal. São as pessoas, é a forma como cresci, adoro a comida. Sobre o vinho tenho de ter cuidado porque temos ótimos vinhos na Califórnia [risos], mas há ótimos vinhos em Portugal também. Sabe, tenho pena de não falar português fluentemente. A minha irmã fala. Mas o único português que eu ouvia era o dos meus avós e dos meus pais vindos da Terceira nos Açores. É um sotaque forte.