Venezuela vai a votos: do boicote de (quase) toda a oposição a Essequibo
Os 21 milhões de eleitores venezuelanos são este domingo chamados às urnas para eleições legislativas e regionais, mas depois das controversas presidenciais de julho de 2024, que deram um terceiro mandado consecutivo a Nicolás Maduro apesar de as provas apontarem para a vitória da oposição, as expectativas é que só 20% o façam.
A líder dessa oposição, María Corina Machado, pediu aos eleitores que não votem e anunciou que não apresentaria candidatos. "Este domingo, fica em casa. Não saias, não lhes obedeças. Esvazia as ruas, esvazia-os. Que fique claro quem tem o poder: tu", indicou num vídeo publicado nas redes sociais.
Mas há quem, dentro dessa mesma oposição, lembre que o boicote não resultou no passado (já aconteceu em 2005 e 2020), deixando o poder totalmente nas mãos do chavismo. Maduro não se importará com a falta de legitimidade de uma abstenção elevada.
"Aqueles que apelam à abstenção eleitoral fracassarão uma vez mais, como sempre fizeram, porque este povo continuará em frente e governará", indicou Maduro no Telegram, durante a campanha.
Henrique Capriles, que por duas vezes foi candidato presidencial – em 2012 ainda contra Hugo Chávez e em 2013 contra Maduro -, rompeu com a decisão da Plataforma Unitária Democrática (PUD) de boicotar as eleições. E é até candidato a deputado pelo seu partido Justiça Primeiro.
"Eu acho que é preciso manter viva a oposição democrática e não sei como vai manter-se viva a voz do povo venezuelano se não se expressa. Pensar que tu vais derrotar o governo ao não ir votar, não vai acontecer. Já o fizeste e não aconteceu", disse numa entrevista à EFE. "Se a ditadura permite votar, deves votar, porque é a forma mais clara de protestar contra o governo, contra o poder", acrescentou.
Capriles é candidato depois de a justiça venezuelana ter levantado a proibição que existia desde 2017, que o impedia de concorrer a cargos públicos durante 15 anos. Ele disse à agência espanhola que não houve condições para isso – as candidaturas têm que ser aprovadas pelo Conselho Nacional Eleitoral, ele próprio nas mãos do chavismo. "Para mim a política não é uma transação", indicou, defendendo a necessidade de um processo de negociação e diálogo.
Outro ex-candidato presidencial, Manuel Rosales, atualmente governador de Zulia, também vai a votos, procurando a reeleição pelo seu partido Um Novo Tempo (que também fez parte da PUD).
Reeleição polémica
Maduro foi reeleito para um terceiro mandato em julho do ano passado, numas eleições cujos resultados foram contestados pela oposição e que parte da comunidade internacional não reconhece. Os resultados eleitorais foram aceites pelas autoridades controladas pelo chavismo apesar de o governo não ter mostrado as atas oficiais que os comprovavam, como prevê a lei. A oposição apresentou cópias de 80% dessas atas, que provavam a vitória do seu candidato, Edmundo González, que foi obrigado a exilar-se.
"O dia 25 de maio não é uma eleição. É um evento organizado pelo regime para esconder a sua ilegitimidade. Precisam da tua participação para legitimar a sua mentira. O teu poder está em não jogar o jogo deles. Eles são um sistema que não permite escolha. Tu és livre de fazer precisamente o contrário do que eles te querem obrigar a fazer", escreveu González no X.
María Corina Machado foi impedida de se candidatar às presidenciais, mas optou por ficar no país depois das eleições (está na clandestinidade). "Eu já votei a 28 de julho" ou "Não voto, eu desobedeço" foram algumas das mensagens que partilhou nas últimas semanas nas redes sociais, denunciando a "farsa" das eleições deste domingo. Na sexta-feira, um dos seus principais colaboradores, Juan Pablo Guanipa, que também estava na clandestinidade, foi detido.
O Conselho Nacional Eleitoral adiantou as eleições regionais e legislativas, tal como tinha feito com as presidenciais, porque sabia que a oposição ia estar dividida sobre se participava ou não. "Eu pensei que esse debate já tinha sido superado e que tínhamos aprendido que, das vezes que nos abstivemos, que a abstenção não é nada", indicou Capriles à EFE.
Em jogo está a eleição dos 285 deputados à Assembleia Nacional e de 260 deputados das assembleias estaduais, além da eleição de 24 governadores – incluindo um novo que será uma estreia.
Essequibo
As eleições vão realizar-se também para as autoridades em Essequibo, um território de quase 160 mil quilómetros quadrados, rico em petróleo, que é administrado pela Guiana, mas que a Venezuela reclama como sendo seu. Há um ano, Maduro promulgou um decreto que cria o estado venezuelano da Guiana Essequiba.
O território está em disputa há mais de um século – Caracas alega que herdou Essequibo da época colonial espanhola, mas voltou à ribalta quando, em dezembro de 2023, Maduro divulgou um novo mapa da Venezuela que incluía a região e anunciou a emissão de licenças para a exploração do petróleo nessa zona. No dia 3 desse mês, realizou um referendo sobre a soberania do território, sem a participação da população local.
Agora, também ninguém no território pode votar nas eleições para eleger o primeiro governador do novo "estado" venezuelano, que não terá qualquer autoridade sobre os habitantes locais, além de oito deputados e sete membros do conselho legislativo regional. Os centros de votação colocados no estado vizinho de Bolívar, sendo que quem pode votar são 21.403 eleitores da zona fronteiriça (98,9% deles venezuelanos). O governo da Guiana avisou que acusará de "traição" quem participar ou ajudar na eleição.
Caracas rejeitou a decisão do Tribunal Internacional de Justiça que, em resposta a uma providência cautelar pedida pela Guiana, pediu que não se realizassem eleições no território. A Venezuela não reconhece a jurisdição do tribunal.
Segurança
A Venezuela reforçou o controlo nas fronteiras em véspera das eleições, diante da ameaça de atos de "desestabilização" denunciados por Maduro. Na semana passada, o presidente anunciou a detenção de 50 alegados "mercenários estrangeiros" que são acusados de planear "ataques violentos" durante as eleições.
O ministro do Interior e da Justiça, Diosdado Cabello, proibiu também os voos vindos da Colômbia. "Porque a informação que temos tem a ver com a transferência de pessoas que vêm com objetivos claros e vão entrar na Venezuela como qualquer outro turista. Felizmente, aprendemos. Temos a capacidade de os detetar imediatamente", afirmou Cabello.