Um matemático ou um hooligan. Um deles será o próximo presidente da Roménia
Mergulhados numa crise política profunda, os romenos escolhem neste domingo o seu novo presidente. Mais do que isso: nas eleições que poderão ter mais repercussões desde a instauração da democracia após a queda de Ceausescu, os eleitores são chamados a decidir se querem manter a via europeia ou se querem trilhar um caminho nacionalista.
As emoções tomaram conta da política romena nos últimos meses. O ressentimento e a rejeição face aos partidos moderados e aos seus protagonistas foram expressos nas eleições de novembro, onde um obscuro candidato da extrema-direita, Calin Georgescu, venceu a primeira volta de um escrutínio que acabou por ser anulado em tribunal devido a irregularidades de financiamento do candidato vencedor, e a interferência externa, em concreto, da Rússia.
A decisão judicial fez subir ainda mais a temperatura e, há duas semanas, na primeira volta das novas eleições, a revolta foi canalizada para dois candidatos de fora da órbita do poder: outro candidato de extrema-direita, George Simion, que recebeu 40,9% dos votos, e em menor grau para o autarca de Bucareste, Nicusor Dan, com 20,9%. "Temos dois candidatos contra o establishment, um que é contra o establishment com uma visão mais conservadora de como a Roménia deve avançar, e outro que é contra o establishment mas pró-ocidental", disse o consultor político romeno Cristian Andrei à Associated Press.
A repetição das eleições levou à demissão do presidente cessante Klaus Iohannis e a vitória de Simion na primeira volta, no início de maio, fez com que o primeiro-ministro Marcel Ciolacu atirasse a toalha ao chão devido ao fraco resultado do candidato da coligação governamental. A Roménia está numa situação institucional ímpar, com um chefe de Estado e um chefe de governo interinos. O país do sudeste da Europa tem um regime semipresidencial no qual o chefe do Estado, além de nomear o primeiro-ministro e outras funções de representação, tem a seu cargo a política externa, além de chefiar o Conselho Supremo de Defesa Nacional.
Apesar da larga diferença registada entre os candidatos na primeira volta, as duas semanas de campanha final viram as sondagens a aproximar e, inclusive, a reverter o resultado, colocando Dan na liderança das intenções de voto. Mas tendo em conta o passado muito recente — a vitória de Georgescu em novembro foi inesperada — há que olhar para as sondagens com algum ceticismo. Simion atraiu o voto rural e menos letrado, mas também o dos emigrantes, enquanto Dan fala mais ao eleitorado urbano. Contas feitas, dizem os peritos, o fator decisivo é a mobilização dos eleitores. "Historicamente, há uma maior participação, cerca de 10% a mais na segunda volta das eleições presidenciais em comparação com a primeira volta”, disse o analista Radu Magdin ao Politico. Segundo este antigo conselheiro governamental, se a participação for superior a 60%, o vencedor mais provável é o presidente da Câmara de Bucareste.
George Simion
Até há não muito tempo, Simion, de 38 anos, era conhecido como o líder de um pequeno partido nacionalista de extrema-direita (AUR, Aliança para a União dos Romenos) que defendia a integração da Moldávia e do sudoeste da Ucrânia na Roménia — o que lhe valeu a proibição de entrar nesses países. Isto depois de ter sido um ultra, um hooligan fundador de uma claque de apoio à seleção romena (Unidos sob o tricolor) que rapidamente ganhou má fama pelo comportamento violento.
Nascido no leste do país, filho de um casal de economistas, Simion transportou o discurso extremista do futebol para a política. O seu AUR, fundado em 2019, ganhou visibilidade pelos protestos contra o confinamento e a vacinação contra a covid-19. De caminho, já deputado, agrediu o ministro da Energia durante um debate parlamentar. O seu extremismo foi música para os ouvidos de um eleitorado descrente dos partidos tradicionais, em especial entre os jovens e os emigrantes, ao ponto de se tornar no segundo maior do país.
Na sequência da anulação das eleições de 2024, afirmou que "os que cometeram o golpe deviam ser esfolados na praça pública", mas perante as cenas de violência e de vandalismo que se seguiram disse que falava apenas de forma metafórica.
Simion assenta o seu programa numa visão nacionalista e tradicionalista da Roménia, alinhado com a Igreja Ortodoxa, tendo como modelos Donald Trump e Calin Georgescu, a quem pretende investir como primeiro-ministro. Apesar da retórica ultra, no Parlamento Europeu a AUR faz parte dos Conservadores e Reformistas (ECR), o grupo liderado pelos Irmãos de Itália de Giorgia Meloni. As suas ideias são volúveis, exceto na visão crítica em relação à União Europeia e à ajuda militar à Ucrânia. Nega ser pró-Putin (já Georgescu é frontalmente favorável), no entanto é suspeito de manter ligações ao FSB e aos ultranacionalistas russos, caso de Alexander Dugin, segundo a Deutsche Welle.
"Ele é muito escorregadio", considera o perito em política romena Costin Ciobanu ao Financial Times. Talvez por isso tenha assentado a campanha nas televisões e redes sociais e dedicado os últimos dias a percorrer cidades estrangeiras. Só debateu uma vez com Dan, e não lhe correu de feição.
O que também terá jogado contra si foi a tentativa de aproximação a Viktor Orbán. O primeiro-ministro húngaro imiscuiu-se na campanha ao dirigir uma mensagem ao futuro presidente. "Não apoiaremos forma alguma de isolamento político contra a Roménia ou contra os seus dirigentes. Os romenos podem contar com os húngaros na sua luta pela cristandade e pela soberania."
Além de ter caído mal na Hungria, a declaração também não foi vista com bons olhos na Roménia, onde a minoria húngara de 1,2 milhões de pessoas forma um bloco influente ao votar maioritariamente no seu partido (União Democrática Magiar da Roménia, UDMR), que faz parte da coligação governamental. Esta minoria, que se concentra na Transilvânia, recebeu do governo de Orbán passaportes húngaros e direito de voto, pelo que o líder nacionalista é popular entre estes eleitores. Em paralelo à mensagem vinda de Budapeste, Simion começou a elogiar a UDMR e a dizer que quer seguir as políticas de Orbán. Mas o passado de Simion entra em conflito com estas declarações. O líder da UDMR, Kelemen Hunor, classificou-o de "charlatão" e lembrou o passado hostil de Simion para com os direitos da minoria. Além disso, em 2019, o candidato presidencial fez parte de uma provocação num cemitério onde jazem soldados húngaros mortos na I Guerra.
Nicusor Dan
Nascido na Transilvânia em 1969, Dan destacou-se em 1987 e em 1988 quando venceu consecutivamente as Olimpíadas Internacionais de Matemática. Depois de se licenciar nessa ciência em Bucareste, foi aprofundar os estudos na Sorbonne, em Paris. Quando regressou à capital romena fundou uma associação de defesa do património e do ambiente de Bucareste. Esse caldo de ativismo transformou-o em candidato à autarquia em 2012, tendo repetido as tentativas em 2016 e 2020, tendo à terceira levado de vencida os outros candidatos.
Casado, com dois filhos, o autarca é descrito como metódico e calmo. Defende o combate à corrupção, aprofundar a via da UE e manter a assistência à Ucrânia. Nos últimos dias disse que a eleição será a escolha "entre uma Roménia democrática, estável e respeitada na Europa — e um caminho perigoso de isolamento, populismo e desrespeito pelo estado de direito." Para que vença a primeira escolha, pediu o apoio de "todos aqueles que acreditam na lei, na verdade, na educação, numa economia moderna, em parcerias fortes com o mundo livre".
Cientista político e professor em Oxford, Vladimir Bortun traça um retrato pessimista do que advirá das eleições num artigo no The New York Times. Crítico de "três décadas de ortodoxia do mercado livre" que se traduzem numa baixa carga fiscal, o orçamento com o maior défice na UE e uma crescente dívida pública, nota que nem o candidato alinhado com a União Europeia tem um discurso que reconheça a necessidade de promover justiça social. "Presidente da Câmara de Bucareste desde 2020, construiu a sua imagem como combatente da corrupção e de interesses imobiliários nefastos. Mas ele enfatiza a necessidade de cortar na despesa pública e pouco ou nada diz sobre a justiça sócio-económica." Bortun lembrou que Dan afirmou recentemente afirmar-se de direita porque esta "dá prioridade ao trabalho em vez da preguiça" num dos países da UE que menos gastam em Segurança Social.