Um democrata e um republicano unidos pelas raízes açorianas e pela fé no sonho americano
Estão aqui em Lisboa, os dois, David, o neto do José Grande de Ribeirinha, e Jim, o menino de fato de cowboy que vi numa foto no seu gabinete, em Washington, há uns anos, ambos descendentes de açorianos. Um republicano e um democrata, lado a lado. Isso ainda acontece no Congresso dos EUA, ainda há diálogo e iniciativas bipartidárias?
David Valadao (DV): Não é incomum trabalharmos bem juntos em questões que afetam as nossas comunidades. No nosso caso, os nossos distritos eram quase os mesmos. Aliás, uma boa parte do meu distrito atual era do Jim antes, e depois cresceu na minha região.
Jim Costa (JC): As nossas famílias conhecem-se há pelo menos uma geração, senão duas. Ambas são da ilha Terceira. O David estudou com alguns dos meus primos. Já nos conhecemos há muitos anos.
DV: Somos quase parentes. Penso que por esta altura, no próximo ano, um sobrinho meu vai casar-se com uma prima afastada dele.
JC: Sim, o Bob é meu primo.
DV: E é o avô da noiva?
JC: Sim. Ele está muito entusiasmado. Somos muito próximos.
E vão os dois ao casamento?
DV: Eu deveria. Mas neste trabalho, nunca se sabe onde se vai estar. Falhei o meu aniversário na semana passada.
JC: Infelizmente, as nossas agendas afastam-nos muitas vezes da família e de casa, o que não é bom.
Essa vossa boa relação de trabalho tem também a ver com a vossa relação pessoal, com a ascendência portuguesa partilhada? Se fossem apenas um republicano e um democrata que não se conhecessem, a relação poderia ser mais difícil? Ou seja, ainda é comum ver democratas e republicanos a trabalhar juntos no Congresso?
DV: Vou falar por mim. O que o mundo vê quando olha para os conflitos em Washington não é a mesma coisa. A maioria das pessoas provavelmente conseguiria nomear 10 ou 15 membros do Congresso, e nós somos 435 na Câmara dos Representantes. Muitos de nós trabalhamos bem juntos. Lidamos com centenas de questões, e pode haver uma ou duas, talvez três ou quatro, que são realmente controversas nas nossas abordagens, mas penso que todos concordamos que têm de ser resolvidas. Estamos a falar de questões como o défice, as relações externas, entre outras. Há sempre uma pequena diferença de opinião. Mas, na maioria das vezes, trabalhamos muito bem juntos. Muitas vezes não votamos juntos, mas isso não significa que não estejamos a falar, a comunicar e a procurar soluções. As coisas que afetam o distrito - e os nossos distritos são quase idênticos - são semelhantes. E isso ajuda-nos a trabalhar juntos, porque temos interesses partilhados. E, claro, também temos uma longa história de nos conhecermos e de trabalharmos juntos. Antes de eu ser eleito, o Jim era o meu congressista e lembro-me de lhe bater à porta enquanto produtor de leite.
JC: Concordo em grande parte com o que o David disse. O Congresso tem enfrentado mais desafios nos últimos anos. Mas as relações bipartidárias são a chave para fazer as coisas acontecerem. E acho que foi por aí que comecei, e sei que é por aí que o David começa. Tentamos encontrar formas de sermos eficazes, e a forma mais comum é conseguindo formar coligações. E isso ajuda-nos, porque nascemos e crescemos no Vale de San Joaquin, ambos filhos de produtores de leite e imigrantes açorianos. Portanto, temos tudo isto em comum. Ambos trabalhámos nas explorações da família, e o David ainda é um produtor de leite muito bem-sucedido. A minha família vendeu a quinta, mas eu ainda cultivo a terra. Representamos a maior área agrícola da Califórnia, e isso faz dela um exemplo no país. Depois, somos ambos defensores acérrimos da agricultura, da água e do comércio. Na América rural, representamos muitas pessoas que são muitas vezes esquecidas. Depois há as questões de saúde, de termos um crescimento económico equilibrado. São coisas que todos temos em comum. E isso faz-nos trabalhar em conjunto, independentemente de termos ou não essa relação pessoal, essa ancestralidade açoriana.
David, dizia há pouco que os vossos eleitorados são bastante parecidos, que representam distritos muito semelhantes. Quais são as principais preocupações que lhes fazem chegar - porque apesar de as eleições intercalares serem só em novembro de 2026, um congressista está sempre em campanha?
DV: A economia está sempre em primeiro lugar. A questão é a forma como diferentes políticas afetam a economia. A água tem um impacto drástico nas nossas comunidades, mas também é um grande impulsionador económico para nós. Portanto, isto é algo a que dedicamos muito do nosso tempo. Outras questões como a imigração, a saúde, a educação, também têm um papel importante nos nossos distritos. Mas eu represento um distrito muito pobre. E tudo o que possamos fazer para impulsionar a economia e ajudar a torná-la um pouco mais fácil para as pessoas, seja reduzindo o custo da energia, seja garantindo que têm acesso a um fornecimento de água limpa e fiável para as suas casas, explorações agrícolas e empresas, são coisas que têm impacto nos nossos eleitores.
JC: Eu acho que grande parte da História dos EUA é a história dos imigrantes do passado e dos imigrantes do presente. E eu e o David trazemos essa história para o trabalho que fazemos. Se os nossos antepassados, no meu caso, os avós, no caso do David, os pais, não tivessem vindo para este país, não teríamos tido as oportunidades que temos hoje. A América é um lugar em constante evolução. É dinâmica. Ainda acredito no sonho americano e nas oportunidades que os americanos podem ter e que os imigrantes como as nossas famílias conseguiram aproveitar. O esforço é como manter viva essa esperança e esse otimismo num mundo que está a ser desafiado. Estamos num momento muito seminal, não só na história americana, mas também na história mundial, falando da Europa, do Médio Oriente, da Ásia. E a América desempenha um papel fundamental. E não sei, David, o que pensas sobre isso, mas os meus avós saíram da estação de comboios em 1904, em Hanford, na Califórnia, com pouco mais do que a roupa do corpo, e eram ordenhadores de vacas. Nas ilhas, ou pescavas ou trabalhavas na produção de lacticínios. A minha família gostava de comer peixe, mas sabíamos muito sobre vacas. Assim, em 1904, quando ali desembarcaram, sem falar inglês e sendo analfabetos, mas com um profundo desejo de ter uma vida melhor, estou certo de que nunca imaginaram que, 100 anos depois, o seu neto se candidataria ao Congresso. Então, quando em 2004, anunciei a minha candidatura na mesma estação de comboios em que eles desembarcaram, senti a sorte que temos na América.
Iniciativas como este Legislators’ Dialogue, que a FLAD organiza anualmente e que junta em Lisboa eleitos de todos os EUA, de diferentes cores políticas, mas que partilham a origem portuguesa, é importante para partilhar ideias e perceberem que é mais o que vos une do que o que vos separa?
DV: Concordo. Acho que faz uma grande diferença para nós. No Congresso, há outros eleitos que têm a ligação portuguesa, mas poder falar com legisladores de todo o país, sobre as comunidades portuguesas que representam, e ter um diálogo, trocar ideias, aprender com eles e construir essas relações para que possamos continuar a fortalecer-nos é muito importante. Penso que a nossa presença nos EUA continua a ser o que sempre foi, uma parte muito forte da cultura americana, e ajudou a tornar o nosso país num país forte.
JC: Penso que a FLAD oferece realmente uma oportunidade, ao celebrar o seu 40.º aniversário, para reunir legisladores luso-americanos. E gostámos de ter tido um jantar e termos conversado com alguns dos nossos colegas do Massachusetts, Rhode Island e até um novo membro, que eu não conhecia, do Havai. Sabe, somos americanos e representamos diferentes círculos eleitorais no nosso país, mas o facto é que temos essa ligação portuguesa. E isso significa algo, penso eu, para todos nós.
DV: Um ponto muito importante é que estamos sempre à procura de alguma forma de nos ligarmos a alguém para tentarmos ser eficazes e construir uma relação. Aqui já temos isso incorporado automaticamente.
Falando um pouco sobre a relação entre Portugal e os EUA. Como vimos nos últimos dias, no ataque ao Irão, os Açores continuam a ser um ponto estratégico e a Base das Lajes mantém a sua importância para os EUA?
JC: Creio que os Açores terão sempre uma importância crucial para os EUA e para a sua relação com Portugal, devido à sua localização, devido ao facto de Portugal ter sido um dos primeiros países da Europa a reconhecer a independência dos EUA. Brindaram à Independência com vinho da Madeira que Thomas Jefferson levou. No próximo ano pensámos em recriar esse momento. Tivemos essa conversa ontem. O 250.º aniversário dos EUA é no próximo ano. E pensámos que seria apropriado brindar mais uma vez com um bom vinho Madeira ao aniversário da democracia mais antiga do mundo, que tem sido um farol para as pessoas que procuram instituições democráticas e os valores que partilhamos, as liberdades que acreditamos serem tão importantes para uma nação democrática.
DV: Obviamente, todos nós achamos que isso é importante. Todos estamos a tentar encontrar formas de apoiar a presença dos EUA nas Lajes, e vamos continuar a fazê-lo. Mas há mudanças a acontecer no mundo a toda a hora, e lugares onde a nossa presença será aumentada ou diminuída. Mas penso que a base ainda é de vital importância para os EUA, e penso que precisamos de continuar focados em garantir que temos essa ligação com as ilhas, que são um lugar que nos coloca numa posição mais forte perante a Europa e África. Ficam mesmo no meio do oceano. É um local seguro para nós, e faz sentido termos lá instalações militares.
Lembram-se de quando é que se conheceram?
DV: Na verdade, não. Talvez tenha sido num evento de campanha para o Senado Estadual, porque a minha família apoiava o Jim antes de eu ser eleito, e lembro-me de estar num parque de estacionamento. Eu era muito jovem. Por algum motivo, lembro-me de estar num parque de estacionamento ou algo do género, lá em Hanford. Foi no recinto da feira, num evento de campanha do Jim.
JC: Sim, fizemos um evento no recinto da feira de lá.
DV: Foi aí que comecei a entrar na política, quando o Jim começou a prestar-me atenção, provavelmente [Risos]. Estou a brincar. O que me levou à política foi quando comecei a envolver-me mais com a indústria dos laticínios e fiquei frustrado com as coisas que via em Washington e Sacramento - e até dentro da nossa estrutura cooperativa, sobre a forma como comercializávamos o leite. Não é incomum, em todo o mundo os produtores estão descontentes. Eu era um daqueles tipos que se manifestava muito, e começámos esta reunião no Starbucks, e o Jim era um dos poucos eleitos que vinha regularmente falar com os agricultores.
O Jim acompanhou a carreira do David?
JC: Eu conhecia a sua família, ele era um jovem produtor de leite bem-sucedido. Temos esta nova geração para a qual o desafio na agricultura é que a mudança é constante e é difícil, geracionalmente. As famílias que conseguem manter os negócios de uma geração para a outra são as mais aptas a lidar com as mudanças. O David e a sua família têm sido um modelo de produtores de leite bem-sucedidos na Califórnia, que conseguiram lidar com estas mudanças e tomar as medidas necessárias para se tornarem líderes no setor agrícola. E tornou-se claro, para mim, que o David estava na legislatura estadual como eu, e foi para o Congresso federal como eu.
DV: Na altura em que fazíamos aquelas reuniões para tomar café, nunca se colocou a ideia de me candidatar a um cargo público, essa era uma ideia estranha para mim. Mas isso não era invulgar.
JC: As nossas famílias faziam parte das que se envolveram nestas organizações. Alguns de nós foram um pouco mais longe [risos].
DV: A questão é que, em 2010, na altura em que me candidatei ao meu primeiro cargo, não me sentia uma daquelas pessoas que queria destruir as instituições. Encarava a situação de uma forma um pouco diferente. Nunca tive qualquer problema em trabalhar com republicanos e democratas. Eu sou obviamente republicano e tenho algumas convicções fundamentais, mas compreendo que o nosso país foi fundado com base em concessões mútuas. E assumi o cargo com a expectativa de procurar sempre esses relacionamentos. Assim, durante todo o meu tempo na legislatura e em tudo o resto, procurei trabalhar com as pessoas para tentar encontrar soluções, em vez do que vemos com mais frequência agora.
Uma questão um pouco mais política. Vou começar pelo Jim. As eleições intercalares são em 2026. O Partido Democrata tem muito a fazer para tentar reconquistar a maioria pelo menos na Câmara dos Representantes? Precisa de um líder inspirador?
JC: Bem, há tempo suficiente para ver o pêndulo oscilar para a frente e para trás. Quando fui eleito, em 2004, os republicanos eram a maioria. E só em 2006 os democratas recuperaram a maioria na Câmara. Tivemos isso durante quatro anos. Depois, em 2010, quando o David se candidatou pela primeira vez, houve uma grande vaga republicana em todo o país, que durou oito anos. Em 2018, os democratas recuperaram a maioria.
DV: Tirando-me do caminho.
JC: Quatro anos depois os republicanos recuperaram a maioria. Portanto, nós já vimos isto. E falamos frequentemente sobre como ficaria a Câmara se tivéssemos um redistribuição não-partidária. Teríamos lugares mais competitivos. E acho que isso daria menos poder aos extremos de ambos os lados. Mas as disputas eleitorais nos EUA são competitivas. E a eleição do presidente Trump foi por pouco mais de 1%. Foi uma eleição renhida que acabou por se decidir em quatro estados. Tento não prever eleições com 18 meses de antecedência. Há tantas mudanças que podem acontecer, não só no nosso país, internamente, na economia, mas também no mundo. Vivemos um momento histórico. E o que acontece com a Ucrânia, com o compromisso da Europa de alocar 3,5% do seu PIB para a Defesa e mais 1,5%... Todas essas coisas, Gaza, Irão, Israel, China e Taiwan. As coisas acontecem. E quando acontecem, por vezes favorecem um ou outro partido. É muito cedo para prever o que vai acontecer em 2026 ou 2028.
David, para si, vemos hoje o Partido Republicano bastante dividido. Como vê o futuro dos republicanos depois de Trump?
DV: A questão é que o mundo presta atenção ao Partido Republicano especialmente por causa de Trump. Mas a divisão dentro dos partidos está em todo o lado. E todos nós estamos a lutar contra isso. Nós, republicanos, não somos diferentes. Parece que somos o partido a quem todos prestam atenção. E entendo que isso dá melhores notícias. Mas viu o que acabou de acontecer na corrida a mayor de Nova Iorque… Essa é uma dinâmica totalmente diferente. No que diz respeito aos republicanos, vejo que ainda existem muitas fações diferentes dentro do partido e muitas opiniões diferentes. Imagino que continuaremos com os nossos princípios fundamentais. Penso que uns serão sempre mais radicais do que outros. E vamos procurar uma forma de trabalhar em conjunto e ver o nosso sucesso.
JC: Uma coisa que eu gostaria de sublinhar, seguindo o ponto do David, é que os eleitores em Portugal, e na Europa, veem uma situação em que há entre quatro e seis partidos… Nos EUA, temos dois partidos principais, mas existem várias fações em cada um deles. Em vez de termos quatro ou seis partidos, temos três ou quatro fações no Partido Republicano. E praticamente a mesma coisa no Partido Democrata. Embora tenhamos apenas dois partidos, eles abrangem os moderados em ambos os lados e é muitas vezes onde o compromisso acontece, é onde conseguimos fazer as coisas. Mas temos extremos em ambos os partidos políticos.
O 4 de Julho está quase a chegar. E no próximo ano, celebram-se os 250 anos da independência dos EUA. Vocês os dois são herdeiros do sonho americano, se tivessem de descrever o melhor da América em poucas palavras, quais seriam essas palavras?
DV: Acho que é uma terra de oportunidades. Continua a ser. Tenho amigos jovens, imigrantes, que começaram do nada, e têm a minha idade ou menos, que são muito bem-sucedidos e estão a dar-se muito bem. Ainda se veem essas oportunidades, e ainda se veem pessoas a imigrar para os EUA. Por isso, diria que ainda é a terra das oportunidades.
JC: Creio que a América, como disse Ronald Reagan há muitos anos, é aquela cidade brilhante no cimo da colina. É um farol de luz. Temos os nossos problemas, com certeza, em muitas áreas, como a educação, a saúde, a falta de habitação, mas, ainda assim, quando olhamos para todos os lugares do mundo, na América ainda encontramos a ideia de que o trabalho árduo pode valer a pena, de que se pode chegar lá com muito pouco. E se tivermos uma boa ideia, há uma oportunidade de sucesso. Gosto de pensar que, apesar dos nossos desafios, e temos muitos, os EUA ainda são vistos como um lugar onde quase tudo é possível. E reinventamo-nos. Penso que Tocqueville, quando tentava descobrir qual era o segredo, quando viajou pelos EUA no século XIX, chegou à conclusão de que havia uma energia e um desejo incríveis de se ter uma vida melhor. Nos EUA, havia oportunidades para fazer exatamente isso. Acredito que, apesar dos desafios, a América é hoje ainda uma terra de oportunidades.
Um último desafio: Portugal numa só palavra?
DV: Numa palavra, acho que diria “a crescer”. Porque Portugal está a crescer em muitas frentes diferentes. Obviamente como potência económica na Europa, mas também na sua influência no mundo. As pessoas estão a reconhecer isso. E é bom, é positivo.
Jim?
JC: Portugal tem uma História muito longa. E a Era dos Descobrimentos, não só levou Portugal pelo mundo, como trouxe partes do mundo para Portugal. Todo o envolvimento no comércio das especiarias foi iniciado pelos portugueses. E o desenvolvimento da caravela e da navegação moderna. Tudo isto teve uma origem grandiosa em Portugal. O que Portugal fez nos últimos 25 anos foi redescobrir a sua capacidade de mudança. Quando fui aos Açores pela primeira vez, em 1971, com os meus pais, Portugal não fazia parte da UE. O 25 de Abril ainda não tinha acontecido. E tive uma pequena ideia de como deve ter sido a vida lá, para os meus avós. Havia ainda, não sei, talvez cinco freguesias sem eletricidade. Só para usar os Açores como exemplo de como Portugal mudou ao longo destes 50 anos. É impressionante. Os portugueses são um povo extraordinário. A capacidade de mudança é crucial.