UE pressiona Maduro e oposição quer ver militares "ao lado do povo"
A União Europeia (UE) exigiu ao governo venezuelano que publique as atas eleitorais com os resultados das mesas de voto, dizendo que sem isso não pode reconhecer a alegada vitória de Nicolás Maduro. O comunicado conjunto dos 27 surgiu no domingo à noite, um dia depois de sete países europeus, um dos quais Portugal, terem feito a mesma exigência. Apesar da pressão, as atas não aparecem e esta segunda-feira os líderes opositores pediram aos militares venezuelanos para que “se coloquem ao lado do povo”.
“Fazemos um apelo à consciência dos militares e polícias para que se coloquem ao lado do povo e das suas próprias famílias”, afirmaram Edmundo González Urruria e María Corina Machado numa carta, na qual pedem o fim da “repressão” aos protestos da oposição e oferecem “garantias aos que cumprirem com o seu dever constitucional” num eventual “novo governo”.
O apelo surge após a exigência da UE a Caracas. “Sem provas que o apoiem, os resultados publicados a 2 de agosto pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) não podem ser reconhecidos”, indicou, referindo-se à declaração da vitória de Maduro com 52% dos votos. Esta segunda-feira terminou o prazo dado ao CNE pelo Supremo Tribunal (a quem Maduro pediu que “certificasse” as eleições e que também controla) para a publicação das atas.
“Cópias das atas eleitorais publicadas pela oposição e revistaspor diversas organizações independentes indicam que Edmundo González Urrutia parece ser o vencedor das eleições presidenciais por uma maioria significativa”, acrescentam, pedindo o fim das “detenções arbitrárias, a repressão e a retórica violenta contra a oposição e a sociedade civil”.
A UE, cujas posições sobre política externa requerem unanimidade, fica aquém de reconhecer o opositor como presidente, ao contrário do que EUA e seis países latino-americanos já fizeram. González reagiu no X: “Agradecemos à UE por apelar ao respeito dos direitos fundamentais dos venezuelanos no seu pedido por uma verificação independente dos resultados, com base nas atas eleitorais que apresentámos e que provam a nossa vitória.”
Diferente de Guaidó
Já Maduro disse que a UE é “uma vergonha” e diz “parvoíces”, recordando o reconhecimento do opositor Juan Guaidó. Há cinco anos, o Parlamento Europeu (não o Conselho que não chegou a unanimidade) reconheceu o então líder da Assembleia Nacional como presidente interino da Venezuela, depois de Guaidó se proclamar chefe de Estado por considerar o cargo vago ao abrigo da Constituição - uma vez que as eleições de 2018 não foram tidas como livres ou justas.
Na altura, meia centena de países - incluindo Portugal - reconheceram Guaidó. Mas isso nada valeu, já que Maduro continuou no poder. O cenário era contudo diferente, como explicou ao DN a professora Nancy Elena Ferreira Gomes, da Universidade Autónoma de Lisboa. Desde logo, “a oposição não estava tão unida em torno de Guaidó” como está agora em torno de Corina Machado - que foi quem ganhou as primárias da oposição com 90% dos votos, mas que foi impedida de se candidatar, tendo apoiado González. Por outro lado, “o governo e inclusive o Partido Socialista Unido da Venezuela está a fragmentar-se”, afirmou.
A professora aponta ainda outra diferença. “Com Guaidó não foi evidente que quem se expressou nas ruas fosse a sociedade venezuelana. Parecia que eram alguns representantes de vários setores, mas não era tão visível quanto é agora”, disse, lembrando que muitos jovens, nascidos já em pleno chavismo, também estão nas ruas.
Nancy Ferreira Gomes lembra ainda que, apesar de muitos países reconhecerem Guaidó, mantiveram as relações diplomáticas com Maduro. E quando acabaram as condições que permitiam a Guaidó proclamar-se presidente, isto é, quando foi eleita uma nova líder da Assembleia, deixou de se poder pensar nele como chefe de Estado interino e Guaidó acabou por desaparecer, exilando-se nos EUA.
Apesar de a pressão internacional não ter tido sucesso com Guaidó, a professora considera importante a pressão europeia que se está de novo a colocar sob Maduro. “Vai mantendo animada a população”, contou, destacando também a importância de que países latino-americanos com governos de esquerda não tenham reconhecido a vitória de Maduro e exijam as atas. O presidente brasileiro, Lula da Silva, esteve com o chileno, Gabriel Boric, defendendo “o respeito pela soberania popular” e o diálogo.
“Se a situação não se alterar e Maduro teimar em continuar pela força, espera-se uma vaga migratória enorme e veloz para os países vizinhos”, afirmou a professora. Nos últimos anos, estima-se que tenham saído quase oito milhões de venezuelano.
susana.f.salvador@dn.pt