O encontro de sexta-feira, na Sala Oval, entre Zelensky e Trump terminou de forma abrupta.
O encontro de sexta-feira, na Sala Oval, entre Zelensky e Trump terminou de forma abrupta. JIM LO SCALZO / POOL

Ucrânia perde ajuda dos EUA e recebe de Bruxelas plano para rearmar a Europa

Proposta de Ursula von der Leyen envolve investimento até 800 mil milhões de euros e prevê apoio militar a Kiev. Zelensky diz estar pronto para trabalhar para a paz sob a “forte liderança” de Trump.
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Horas depois de Donald Trump ter determinado a suspensão do apoio militar à Ucrânia na sequência da altercação de sexta-feira, na Sala Oval, com Volodymyr Zelensky, Ursula von der Leyen revelou esta terça-feira um plano de 800 mil milhões de euros para rearmar a Europa e continuar a ajudar Kiev na sua guerra contra a invasão da Rússia. Já o presidente ucraniano afirmou estar disposto a avançar com o acordo de minerais e segurança e disse esperar que “a cooperação e a comunicação futuras fossem construtivas” entre as duas partes.

“Estamos a viver os tempos mais importantes e perigosos. Não preciso de descrever a natureza grave das ameaças que enfrentamos. Ou as consequências devastadoras que teremos de suportar se essas ameaças se concretizarem”, sublinhou ontem a presidente da Comissão Europeia, notando que a resposta que tem recebido nas últimas semanas dos 27 é que “estamos numa era de rearmamento”. Mas também que a Europa está pronta para aumentar as suas despesas com a Defesa, “não só para responder à urgência a curto prazo de atuar e apoiar a Ucrânia, mas também para responder à necessidade a longo prazo de assumir uma responsabilidade muito maior pela nossa própria segurança europeia”.

Nesse sentido, Ursula von der Leyen deu a conhecer os traços gerais do plano de cinco pontos “ReArmar a Europa”, que tem como objetivo mobilizar “800 mil milhões de euros em despesa de Defesa para uma Europa segura e resiliente”. Uma estratégia com caráter de urgência, mas também alargada ao longo desta década, centrada na forma de “utilizar todas as alavancas financeiras à nossa disposição, a fim de ajudar os Estados-membros a aumentar rápida e significativamente as despesas com as capacidades de Defesa”, e que a alemã transmitiu através de carta aos líderes dos 27. Este deverá ser um dos temas do Conselho Europeu especial desta quinta-feira dedicado à Defesa e à Ucrânia.

A primeira parte do plano consiste em libertar a utilização do financiamento público da Defesa a nível nacional, com a ativação da cláusula de salvaguarda nacional do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que permitirá aos 27 aumentar significativamente estas despesas sem acionar o procedimento relativo aos défices excessivos. “Por exemplo: se os Estados-membros aumentassem as suas despesas com a Defesa em 1,5% do PIB, em média, isso poderia criar um espaço orçamental de cerca de 650 mil milhões de euros ao longo de um período de quatro anos”, referiu von der Leyen.

Está prevista também a criação de um novo instrumento que concederá 150 mil milhões de euros de empréstimos aos 27 para investimento na Defesa. Para “gastar melhor e gastar em conjunto” em domínios como “Defesa aérea e antimísseis, sistemas de artilharia, mísseis e munições, drones e sistemas anti-drone; mas também para responder a outras necessidades, desde a cibernética à mobilidade militar, por exemplo” e que permitirá aos 27 “intensificar maciçamente o seu apoio à Ucrânia” de forma imediata, mas também reforçar a base industrial europeia de Defesa. “Este é o momento da Europa, e temos de estar à altura dele”, nota a líder comunitária.

O terceiro ponto é a utilização do poder do orçamento da UE, com Ursula von der Leyen a anunciar que serão propostas “possibilidades e incentivos adicionais aos Estados-membros para que decidam, se quiserem utilizar os programas da política de coesão, aumentar as despesas com a Defesa”. As duas últimas áreas de ação visam mobilizar o capital privado, acelerando a União da Poupança e do Investimento e através do Banco Europeu de Investimento.

Abaixo do apoio europeu

Apesar de o anúncio do plano “ReArmar a Europa” já estar previsto, tal acabou por coincidir com a notícia de que os Estados Unidos decidiram “suspender e a rever” a sua ajuda à Ucrânia para “garantir que está a contribuir para uma solução”, pois, segundo uma fonte da Casa Branca citada pela AP, Trump está focado em chegar a um acordo de paz para terminar a guerra e pretende ter Zelensky comprometido com esse objetivo. Já à AFP uma outra fonte da Casa Branca sublinhou que Washington “precisa que os seus parceiros também se comprometam a atingir o objetivo” da paz. Segundo a Fox News, esta medida interrompe a entrega de armas ou equipamentos que já se encontrem em território polaco e prontos para entrega final aos ucranianos.

De acordo com o Instituto Kiel para a Economia Mundial, que contabiliza o apoio dado à Ucrânia desde o início da invasão russa, os Estados Unidos são o maior contribuinte individual, com um total de 114,15 mil milhões de euros atribuídos até 31 de dezembro - 64,1 mil milhões em ajuda militar, 46,6 mil milhões em ajuda financeira e 3,42 mil milhões em apoio humanitário. Valor abaixo dos 350 mil milhões que Donald Trump tem referido e, igualmente ao contrário do que o presidente dos EUA diz, é batido pela ajuda de 132,3 mil milhões de euros já avançada pela Europa, aos quais se juntam outros 115,11 mil milhões ainda por atribuir.

Para o primeiro-ministro francês, François Bayrou, a suspensão da ajuda americana é um sinal de que os EUA estão a “abandonar” Kiev, e que cabe agora à Europa substituir o fornecimento de armas americanas o mais “rápida e eficazmente possível”.

“Isto coloca a Europa, a Ucrânia e a Polónia numa situação mais difícil”, disse, por seu turno, o líder do governo polaco, Donald Tusk, acrescentando que pretende “intensificar as atividades na Europa para aumentar as nossas capacidades de Defesa”, mas tendo as melhores relações possíveis com os EUA.

Manter a linha da frente

Num comunicado divulgado esta terça-feira no X, o presidente ucraniano afirmou que o encontro na Casa Branca “não correu como era suposto”, sublinhando que “é lamentável que tenha acontecido desta forma”, mas sublinhou que “é altura de corrigir as coisas” e que Kiev gostaria que “a cooperação e a comunicação futuras fossem construtivas”. “Valorizamos o quanto a América fez para ajudar a Ucrânia a manter a sua soberania e independência. E lembramo-nos do momento em que as coisas mudaram, quando o presidente Trump forneceu os Javelin à Ucrânia. Estamos gratos por isso”, prosseguiu.

Zelensky deixou ainda claro que “a Ucrânia está disposta a sentar-se à mesa das negociações o mais rapidamente possível”, notando estar pronto “para trabalhar sob a forte liderança do presidente Trump para conseguir uma paz duradoura”.

Sobre esta paz, o ucraniano aponta que, uma primeira fase, “poderia consistir na libertação dos prisioneiros e em tréguas no céu - proibição de mísseis, drones de longo alcance, bombas sobre infraestruturas energéticas e outras infraestruturas civis - e tréguas no mar imediatamente, se a Rússia fizer o mesmo”. “Depois, queremos avançar rapidamente para todas as fases seguintes e trabalhar com os EUA para chegar a um acordo final sólido”, pode ler-se no comunicado.

Relativamente ao acordo sobre minerais e segurança, Zelensky adiantou que “a Ucrânia está pronta a assiná-lo em qualquer altura e em qualquer formato conveniente”. “Encaramos este acordo como um passo em direção a uma maior segurança e a sólidas garantias de segurança, e espero sinceramente que funcione de forma eficaz”, frisou.

Antes, o primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmygal, comentando a decisão de Trump, havia garantido que “os nossos militares e o nosso governo têm as capacidades, as ferramentas, digamos, para manter a situação na linha de frente”, sem a ajuda da Casa Branca.

O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, falou esta terça-feira com Zelensky, a quem fez uma atualização da conversa que teve na noite anterior com Trump, referindo ser “vital que todas as partes trabalhem no sentido de uma paz duradoura e segura para a Ucrânia o mais rapidamente possível”. Downing Street notou ainda que Starmer “congratulou-se” com os apelos feitos ontem pelo líder ucraniano “no sentido de serem envidados mais esforços diplomáticos para pôr termo à guerra”.

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