Horas depois de Donald Trump ter determinado a suspensão do apoio militar à Ucrânia na sequência da altercação de sexta-feira, na Sala Oval, com Volodymyr Zelensky, Ursula von der Leyen revelou esta terça-feira um plano de 800 mil milhões de euros para rearmar a Europa e continuar a ajudar Kiev na sua guerra contra a invasão da Rússia. Já o presidente ucraniano afirmou estar disposto a avançar com o acordo de minerais e segurança e disse esperar que “a cooperação e a comunicação futuras fossem construtivas” entre as duas partes.“Estamos a viver os tempos mais importantes e perigosos. Não preciso de descrever a natureza grave das ameaças que enfrentamos. Ou as consequências devastadoras que teremos de suportar se essas ameaças se concretizarem”, sublinhou ontem a presidente da Comissão Europeia, notando que a resposta que tem recebido nas últimas semanas dos 27 é que “estamos numa era de rearmamento”. Mas também que a Europa está pronta para aumentar as suas despesas com a Defesa, “não só para responder à urgência a curto prazo de atuar e apoiar a Ucrânia, mas também para responder à necessidade a longo prazo de assumir uma responsabilidade muito maior pela nossa própria segurança europeia”.Nesse sentido, Ursula von der Leyen deu a conhecer os traços gerais do plano de cinco pontos “ReArmar a Europa”, que tem como objetivo mobilizar “800 mil milhões de euros em despesa de Defesa para uma Europa segura e resiliente”. Uma estratégia com caráter de urgência, mas também alargada ao longo desta década, centrada na forma de “utilizar todas as alavancas financeiras à nossa disposição, a fim de ajudar os Estados-membros a aumentar rápida e significativamente as despesas com as capacidades de Defesa”, e que a alemã transmitiu através de carta aos líderes dos 27. Este deverá ser um dos temas do Conselho Europeu especial desta quinta-feira dedicado à Defesa e à Ucrânia.A primeira parte do plano consiste em libertar a utilização do financiamento público da Defesa a nível nacional, com a ativação da cláusula de salvaguarda nacional do Pacto de Estabilidade e Crescimento, o que permitirá aos 27 aumentar significativamente estas despesas sem acionar o procedimento relativo aos défices excessivos. “Por exemplo: se os Estados-membros aumentassem as suas despesas com a Defesa em 1,5% do PIB, em média, isso poderia criar um espaço orçamental de cerca de 650 mil milhões de euros ao longo de um período de quatro anos”, referiu von der Leyen. Está prevista também a criação de um novo instrumento que concederá 150 mil milhões de euros de empréstimos aos 27 para investimento na Defesa. Para “gastar melhor e gastar em conjunto” em domínios como “Defesa aérea e antimísseis, sistemas de artilharia, mísseis e munições, drones e sistemas anti-drone; mas também para responder a outras necessidades, desde a cibernética à mobilidade militar, por exemplo” e que permitirá aos 27 “intensificar maciçamente o seu apoio à Ucrânia” de forma imediata, mas também reforçar a base industrial europeia de Defesa. “Este é o momento da Europa, e temos de estar à altura dele”, nota a líder comunitária. O terceiro ponto é a utilização do poder do orçamento da UE, com Ursula von der Leyen a anunciar que serão propostas “possibilidades e incentivos adicionais aos Estados-membros para que decidam, se quiserem utilizar os programas da política de coesão, aumentar as despesas com a Defesa”. As duas últimas áreas de ação visam mobilizar o capital privado, acelerando a União da Poupança e do Investimento e através do Banco Europeu de Investimento.Abaixo do apoio europeuApesar de o anúncio do plano “ReArmar a Europa” já estar previsto, tal acabou por coincidir com a notícia de que os Estados Unidos decidiram “suspender e a rever” a sua ajuda à Ucrânia para “garantir que está a contribuir para uma solução”, pois, segundo uma fonte da Casa Branca citada pela AP, Trump está focado em chegar a um acordo de paz para terminar a guerra e pretende ter Zelensky comprometido com esse objetivo. Já à AFP uma outra fonte da Casa Branca sublinhou que Washington “precisa que os seus parceiros também se comprometam a atingir o objetivo” da paz. Segundo a Fox News, esta medida interrompe a entrega de armas ou equipamentos que já se encontrem em território polaco e prontos para entrega final aos ucranianos.De acordo com o Instituto Kiel para a Economia Mundial, que contabiliza o apoio dado à Ucrânia desde o início da invasão russa, os Estados Unidos são o maior contribuinte individual, com um total de 114,15 mil milhões de euros atribuídos até 31 de dezembro - 64,1 mil milhões em ajuda militar, 46,6 mil milhões em ajuda financeira e 3,42 mil milhões em apoio humanitário. Valor abaixo dos 350 mil milhões que Donald Trump tem referido e, igualmente ao contrário do que o presidente dos EUA diz, é batido pela ajuda de 132,3 mil milhões de euros já avançada pela Europa, aos quais se juntam outros 115,11 mil milhões ainda por atribuir. Para o primeiro-ministro francês, François Bayrou, a suspensão da ajuda americana é um sinal de que os EUA estão a “abandonar” Kiev, e que cabe agora à Europa substituir o fornecimento de armas americanas o mais “rápida e eficazmente possível”. “Isto coloca a Europa, a Ucrânia e a Polónia numa situação mais difícil”, disse, por seu turno, o líder do governo polaco, Donald Tusk, acrescentando que pretende “intensificar as atividades na Europa para aumentar as nossas capacidades de Defesa”, mas tendo as melhores relações possíveis com os EUA.Manter a linha da frenteNum comunicado divulgado esta terça-feira no X, o presidente ucraniano afirmou que o encontro na Casa Branca “não correu como era suposto”, sublinhando que “é lamentável que tenha acontecido desta forma”, mas sublinhou que “é altura de corrigir as coisas” e que Kiev gostaria que “a cooperação e a comunicação futuras fossem construtivas”. “Valorizamos o quanto a América fez para ajudar a Ucrânia a manter a sua soberania e independência. E lembramo-nos do momento em que as coisas mudaram, quando o presidente Trump forneceu os Javelin à Ucrânia. Estamos gratos por isso”, prosseguiu.Zelensky deixou ainda claro que “a Ucrânia está disposta a sentar-se à mesa das negociações o mais rapidamente possível”, notando estar pronto “para trabalhar sob a forte liderança do presidente Trump para conseguir uma paz duradoura”.Sobre esta paz, o ucraniano aponta que, uma primeira fase, “poderia consistir na libertação dos prisioneiros e em tréguas no céu - proibição de mísseis, drones de longo alcance, bombas sobre infraestruturas energéticas e outras infraestruturas civis - e tréguas no mar imediatamente, se a Rússia fizer o mesmo”. “Depois, queremos avançar rapidamente para todas as fases seguintes e trabalhar com os EUA para chegar a um acordo final sólido”, pode ler-se no comunicado. Relativamente ao acordo sobre minerais e segurança, Zelensky adiantou que “a Ucrânia está pronta a assiná-lo em qualquer altura e em qualquer formato conveniente”. “Encaramos este acordo como um passo em direção a uma maior segurança e a sólidas garantias de segurança, e espero sinceramente que funcione de forma eficaz”, frisou.Antes, o primeiro-ministro ucraniano, Denys Shmygal, comentando a decisão de Trump, havia garantido que “os nossos militares e o nosso governo têm as capacidades, as ferramentas, digamos, para manter a situação na linha de frente”, sem a ajuda da Casa Branca. O primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, falou esta terça-feira com Zelensky, a quem fez uma atualização da conversa que teve na noite anterior com Trump, referindo ser “vital que todas as partes trabalhem no sentido de uma paz duradoura e segura para a Ucrânia o mais rapidamente possível”. Downing Street notou ainda que Starmer “congratulou-se” com os apelos feitos ontem pelo líder ucraniano “no sentido de serem envidados mais esforços diplomáticos para pôr termo à guerra”.