Trump regressa ao palco com a mesma narrativa

Enquanto escolhe candidatos fiéis para as eleições intercalares, ex-presidente vai manter o discurso de que foi vítima de fraude eleitoral.
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Depois de ter realizado uma digressão pela Florida e Texas com Bill O"Reilly, um ex-apresentador da Fox News afastado devido a várias queixas de assédio sexual, Donald Trump está de volta aos comícios para dar o pontapé de saída à campanha eleitoral. Neste sábado, o ex-presidente está em Florence, Arizona, e num papel de que gosta: o de influenciar os destinos dos candidatos do Partido Republicano para as eleições, num momento em que o seu sucessor na Casa Branca enfrenta um nível recorde de impopularidade e se encontra num impasse em vários temas centrais.

Uma sondagem publicada nesta semana demonstra o que os norte-americanos mais temem: os próprios norte-americanos. Mais em específico, para 76% a instabilidade política é a maior ameaça aos Estados Unidos, quando 19% aponta para adversários externos. O estudo de opinião, da Universidade Quinnipiac, revela ainda que 58% vê a democracia em perigo de colapso.

Criticado pelo presidente Joe Biden pelo papel que teve em minar as bases da democracia ao não aceitar a derrota nas eleições de 2020, e pelo ataque ao Capitólio no dia da contagem dos votos do colégio eleitoral, Donald Trump já deu indicações de que vai manter a estratégia. No domingo, o senador republicano Mike Rounds disse que as eleições foram justas, reconheceu a derrota e disse que o partido devia delinear uma outra linha de comunicação. "Se simplesmente olharmos para trás e dissermos ao nosso público "não votem porque há batota", então vamos colocar-nos numa enorme desvantagem", defendeu o senador de Dakota do Sul.

No dia seguinte, ainda sem acesso às redes sociais, Trump respondeu por e-mail afirmando que não iria apoiar a reeleição de Rounds e entre mimos como "parvalhão", "maluco ou estúpido", chamou-o de "republicano só de nome" no acrónimo em inglês RINO, que rima com rinoceronte.

Citaçãocitacao"Como é que Biden não conseguia atrair 20 pessoas para o público? Como é que, quando ele foi falar em locais diferentes, ninguém apareceu para assistir, mas de repente obteve 80 milhões de votos? Ninguém acredita."

Na terça-feira, Trump concedeu uma entrevista à estação de rádio pública NPR, mais de seis anos depois de ter sido solicitada, e ter-se-á arrependido a meio, porque desligou o telefone a meio de uma pergunta. Ao ser confrontado com as declarações de Rounds respondeu: "Penso que é uma vantagem, porque de outra forma voltarão a fazê-lo em 2022 e 2024. E Rounds está errado sobre isso, totalmente errado." Porquê? "Se olharmos para os números, se olharmos para as descobertas no Arizona, se olharmos para o que se passa na Geórgia, Pensilvânia e Wisconsin, a propósito eles estão a descobrir coisas que ninguém pensou ser possíveis. Esta foi uma eleição corrupta", voltou a alegar, com "descobertas" e "eles" que só existem na realidade paralela do nova-iorquino radicado na Florida e nos seus seguidores.

É para estes que vai falar neste sábado no Arizona. Neste estado Joe Biden ficou à frente por meros 0,3% e uma auditoria privada, realizada a pedido de republicanos, confirmou os resultados. Trump vai partilhar o palco com a candidata a governadora do Arizona Kari Lake (afirmou que se fosse governadora não certificaria as eleições); Andy Biggs, Debbie Lesko e Paul Gosar, os congressistas daquele estado que votaram na Câmara dos Representantes contra a certificação dos resultados eleitorais; a líder do partido no Arizona, Kelli Ward (espalhou teorias da conspiração sobre as máquinas de voto eletrónicas favorecerem Biden); e o representante estadual Mark Finchem. Concorrente a secretário de Estado do Arizona com a bênção de Trump, Finchem assistiu de perto à invasão do Capitólio e é adepto das teorias da conspiração QAnon.

Segundo as contas feitas pela NBC, Trump já apoiou 93 candidatos a cargos fora do Partido Republicano desde que saiu da Casa Branca e destes 59 puseram em causa os resultados das eleições de 2020. E quem levantar a voz recebe o tratamento concedido a Rounds ou a Mitch McConnell, o líder republicano no Senado, a quem chamou de "fracassado" na citada entrevista à NPR. Ou a representante Liz Cheney, que rompeu com Trump na sequência dos acontecimentos de 6 de janeiro de 2021, e que agora enfrenta umas primárias no Wyoming nas quais terá de enfrentar uma escolha pessoal do ex-presidente, Harriet Hageman, e a ira do eleitorado republicano do Wyoming.

Além de escolher ou de apoiar fiéis para governadores, representantes ou senadores, Trump também estará a querer controlar um cargo que até agora não era visto como essencial: secretário de estado, responsável pela administração das eleições ao nível estadual. Foi tornado público que, em 2020, o antigo proprietário de casinos pressionou o secretário de estado da Geórgia para "encontrar votos". Além de Finchem no Arizona, Trump já deu o apoio a duas outras candidaturas, no Michigan e na Geórgia, de pessoas que contestam os resultados de 2020. E, segundo a NPR, há pelo menos mais uma dúzia de candidatos. A isto juntam-se mais de 250 leis estaduais para dificultar ou impedir o voto aprovadas ou apresentadas desde então e há uma clara via para o regresso de Trump.

Apesar de 59% dos norte-americanos não quererem ver o seu nome no boletim de voto em 2024 e de as investigações poderem virar-se contra si, Trump vai continuar a marcar a agenda política dos EUA.

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