Na cimeira de 2018, em Helsínquia, Trump e Putin reuniram-se a sós, apenas na presença de tradutores.
Na cimeira de 2018, em Helsínquia, Trump e Putin reuniram-se a sós, apenas na presença de tradutores.Kremlin

Trump-Putin: anos de cortesias com uma "sobrecarga emocional" pelo meio

Troca de mensagens lisonjeiras entre o líder americano e o líder russo iniciou-se em 2015. Só com o regresso à Casa Branca é que Trump adotou um tom mais crítico, tendo agora chamado "louco" a Putin.
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Ainda Donald Trump não sonhava ser presidente — pelo menos de forma pública — e já elogiava Vladimir Putin. Quando se candidatou à Casa Branca, o líder russo respondeu na mesma moeda. A troca de amabilidades manteve-se até agora, apesar de logo após a tomada de posse, em janeiro, o norte-americano ter começado a usar um tom mais crítico.

Menos de uma semana depois da conversa telefónica entre ambos, e da qual saiu a indicação de que Rússia e Ucrânia iriam retomar de imediato as conversações para um cessar-fogo, Moscovo lançou o maior ataque aéreo sobre alvos civis desde o início da invasão. De chapéu branco com a inscrição Make America Great Again na cabeça, Trump disse aos jornalistas: "Não estou satisfeito com o que Putin está a fazer. Ele está a matar muitas pessoas e não sei que diabo lhe deu. Conheço-o há muito tempo, sempre me dei bem com ele, mas ele está a lançar rockets contra as cidades e a matar pessoas, e eu não gosto nada disso. Estamos a meio de uma conversação e ele a disparar rockets contra Kiev e contra outras cidades."

Questionado sobre o que iria fazer em resposta, afirmou-se "muito surpreendido" e deixou no ar o que o francês Emmanuel Macron tem cultivado face à Rússia, a ambiguidade: "Vamos ver o que vamos fazer." Para logo de seguida, perante uma pergunta sobre estar a considerar a hipótese de impor novas sanções, afirmar: "Completamente."

Mais tarde, na sua rede social, Trump voltou à carga, num tom ainda não visto, mas de boleia criticou o presidente ucraniano. "Ficou completamente louco!", escreveu no Truth Social. "Eu sempre disse que ele quer toda a Ucrânia, não apenas uma parte dela, e talvez isso esteja a revelar-se correto, mas se ele o fizer, isso levará à queda da Rússia!", advertiu. "Da mesma forma, o presidente Zelensky não está a fazer nenhum favor ao seu país ao falar da forma como fala. Tudo o que sai da sua boca causa problemas, não me agrada e é bom que acabe."

O Kremlin reagiu de forma diplomática e contida, ao agradecer aos norte-americanos e a Trump, "pessoalmente, pela sua ajuda na organização e lançamento deste processo de negociação”, e ao considerar que sendo este um "momento muito crucial", há uma "natural sobrecarga emocional" de todos os envolvidos.

18 anos de admiração

Donald Trump cultiva uma admiração por Vladimir Putin desde, pelo menos, 2007. Nesse ano, depois de a Rússia ter lançado o que se pode chamar de primeira ciberguerra — contra a Estónia —, e um ano antes da invasão à Geórgia, o empresário dizia na CNN: "Olhem para Putin — o que ele está a fazer com a Rússia — quero dizer, sabem, o que se está a passar lá. Quer se goste ou não se goste dele, está a fazer um excelente trabalho na reconstrução da imagem da Rússia e também na reconstrução da Rússia, em si."

Em 2011, ano em que Barack Obama fez de Trump o alvo de piadas no então tradicional jantar anual dos correspondentes da Casa Branca, o catalisador para o nova-iorquino avançar para a candidatura presidencial, este afirmou no livro Time to Get Tough que "Putin tem grandes planos para a Rússia". Que planos eram esses? "Ele quer ultrapassar os seus vizinhos, para que a Rússia possa dominar o fornecimento de petróleo a toda a Europa. Putin também anunciou a sua grande visão: a criação de uma 'União Eurasiática' constituída por antigas nações soviéticas que possam dominar a região."

Três anos depois, o ucraniano pró-russo Yanukovich foge para Moscovo e Putin toma a Crimeia. Disse então o norte-americano: "Fez um trabalho fantástico ao assumir o comando. Muito inteligente. Quando vemos os tumultos num país, porque estão a prejudicar os russos, OK, ‘Nós vamos lá e tomamos conta dele’. E ele vai mesmo passo a passo, e temos de lhe dar muito crédito", disse, repetindo a propaganda do Kremlin de que as populações falantes de russo na Ucrânia estariam a ser oprimidas.

No ano seguinte, já candidato à corrida presidencial, Trump repetiu ter uma "relação ótima" com o russo, que este era "brilhante" e "mais simpático" do que ele, e não se cansava de lembrar que tinha estado em Moscovo em 2013 durante o concurso de beleza Miss Universo, embora com afirmações contraditórias: umas vezes disse ter conhecido o antigo agente do KGB, outras que esteve em contacto, outras ainda que nunca se encontraram. "Não sei quem é Putin. Disse uma coisa simpática sobre mim. Disse que eu era um génio. Eu disse muito obrigado e foi o fim da conversa." Trump reagia às críticas por estar a aceitar o apoio de um autocrata. "Ele é um homem brilhante, inquestionavelmente talentoso. Ele é o líder absoluto da corrida presidencial", disse Putin sobre o norte-americano.

Já em 2017, ano em que iniciou o mandato, Trump afirmou: "Se Putin gosta de Donald Trump, considero isso um ativo, não um passivo, porque temos uma relação horrível com a Rússia."

Quando questionado sobre as mortes dos jornalistas russos ou se considerava Putin um assassino, Trump dizia não ter visto provas e dizia: "O nosso país é assim tão inocente?"

Dos encontros entre ambos saíram elogios de Putin a Trump: "Bem-educado", "pessoa séria que sabe ouvir"... No final da reunião em Helsínquia, em 2018, Trump desacreditou os serviços de informações do seu país, que haviam concluído que a Rússia tinha ajudado a influenciar as eleições contra Hillary Clinton em seu favor. "O presidente Putin diz que não é a Rússia. Não vejo nenhuma razão para que seja", disse.

Horas depois do início da invasão da Rússia à Ucrânia, o então ex-presidente classificava Putin de "génio" e "sagaz". Ao regressar à Casa Branca, em 2025, Trump diz que "a Rússia vai estar em grandes apuros" económicos e que Putin "não se está a sair muito bem", pelo que "seria bom para ele acabar com esta guerra".

No entanto, o Kremlin continua a elogiá-lo. Após a primeira conversa telefónica, em fevereiro, Dmitri Peskov realçou o "prometedor" que era o "diálogo entre dois presidentes extraordinários". Em abril, porém, Trump voltava a ter dúvidas sobre as intenções do russo: "Talvez [Putin] não queira acabar com a guerra, está apenas a picar-me e tem de ser tratado de forma diferente." Mas o porta-voz do Kremlin voltava aos elogios, ao dizer que Putin considera Trump "um homem sábio, um homem corajoso".

Na cimeira de 2018, em Helsínquia, Trump e Putin reuniram-se a sós, apenas na presença de tradutores.
Trump diz que Putin "ficou completamente louco". Kremlin reage e fala de "sobrecarga emocional"

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