Como imagina os EUA e a Europa a lidar com os novos desenvolvimentos da guerra da Rússia com a Ucrânia?Na realidade, acho que não sabemos. O presidente Trump tomou posse com o pressuposto de que deveria fazer um acordo com Moscovo, e isso envolveria muitas oportunidades comerciais, mas também poderia resolver a questão da Ucrânia facilmente. Acho que agora está a aprender que é um erro. Como disse Ivan Krastev, na sua palestra aqui em Lisboa, a Ucrânia significa muito mais para Putin do que um acordo vago com os EUA. Penso, assim, que os EUA continuarão a apoiar a Ucrânia fornecendo informações, concluindo as transferências de armas aprovadas pelo presidente Biden e apoiando a Europa para fazer mais. O que não sabemos é se os EUA se vão juntar à Europa para pressionar mais a Rússia, e isso depende inteiramente de uma escolha do presidente Trump.Existem diferentes perspetivas dentro da Administração Trump em relação à Rússia?Sim. Penso que há alguns elementos na Administração que são mais tradicionais, mas o presidente Trump deixou claro que quer que a sua voz seja a única, e penso que está a ter problemas porque ainda acredita que pode fazer um acordo com a Rússia, mas está a começar a compreender que avaliou mal o que o presidente Putin quer. Ora, o que fará ele com esse conhecimento? Não sei.E tentando olhar para Vladimir Putin, acha que o presidente russo sabe como lidar com Trump, ou está a correr riscos?Estou um pouco cansado de homens velhos apressados, e ambos estão com pressa para fazer as coisas antes de ficarem demasiado velhos para ocupar cargos. Penso que o presidente Putin acredita que sabe avaliar o presidente Trump, e a questão é se o presidente Trump fará alguma coisa para o surpreender. Penso que é importante que todos nós percebamos que há oportunidades que o presidente Trump tem e que o presidente Biden não teve. A economia da Rússia está numa posição mais frágil. A Rússia depende das receitas petrolíferas para pagar a sua produção de Defesa, e agora as suas receitas petrolíferas podem estar em risco porque os sauditas estão a produzir mais petróleo, os Estados Unidos estão a produzir mais petróleo, e é possível tirar o petróleo russo do mercado..O mercado joga contra a Rússia, mas também as sanções?Bem, Trump poderia fazê-lo em parte através de sanções e em parte através de um acordo com os compradores, e o que restaria seria uma Rússia que começaria a ter problemas reais para pagar esta guerra algures no próximo ano. O presidente Biden nunca teve uma oportunidade tão clara porque o petróleo russo era necessário no mercado, e agora não é.Significa que se Trump for paciente, poderá ter alguns resultados e obter cedências da Rússia, mesmo que não em 24 horas, como chegou a dizer?Acredito que o presidente Putin está empenhado na sua ofensiva de Verão, e isso significa mais ataques aéreos à Ucrânia e um esforço para retomar mais território. Agora, a Ucrânia, se souber que tem apoio contínuo, penso que vai manter o território. Será necessária alguma ajuda para combater a ofensiva aérea, e espero que os Estados Unidos possam fazer mais do que a Administração Trump queria fazer.Quando olhamos para a relação transatlântica, será possível salvar a NATO e mantê-la como uma grande aliança entre os EUA e a Europa, mesmo com perspetivas diferentes sobre a guerra na Ucrânia?Acredito que há espaço para muita discordância em questões específicas, mas temos um interesse a longo prazo em ver os nossos aparelhos de Defesa estreitamente alinhados e em garantir que os nossos povos, quase mil milhões de pessoas, saibam que nos defenderemos uns aos outros quando enfrentarmos uma ameaça, seja da Rússia a curto prazo ou de outra natureza a longo prazo. E esses interesses mantêm-nos unidos. Teremos discussões sobre quem paga o quê e o que devemos fazer, mas os interesses ainda são fortes.Esta nova exigência de 5% do PIB em Defesa é mera pressão política, ou é realmente uma meta que Trump vai tentar impor aos aliados europeus?Bem, não é uma meta que alcançamos todos os anos. Penso que o importante é pensar em ser capaz de fazer o que a NATO precisa de fazer. No verão de 2024, todos os líderes da NATO concordaram em financiar os planos de Defesa da NATO, ou seja, mais navios para lidar com as ameaças à navegação, mais capacidades para movimentar tropas, e uma série de decisões. E acho que esse é o ponto crítico. E talvez o presidente Trump queira que a Europa se comprometa a desenvolver mais capacidades destas. A percentagem exata continuará a fazer as manchetes dos jornais, mas devemos realmente ter em conta é o que será feito e quem vai pagar por isso.Em termos de política externa, é possível dizer que a estratégia para lidar com a China é a matéria em que democratas e republicanos ainda concordam?Sim. Penso que, de um modo geral, enquanto país, entendemos que a China se vê já a si própria como o país dominante do século XXI. Acredito que a China enfrentará alguns problemas reais internamente, mas está determinada a construir e a projetar o seu poder. Assim, como grande potência restante do século XX, é o nosso trabalho reunir os nossos parceiros e aliados para que a ascensão da China seja pacífica.É possível dizer que um dos objetivos de Trump é acabar com a aliança entre a China e a Rússia?Bem, dizem isso. Não creio que tenham um plano realista. A China vende à Rússia muitos dos materiais de que esta necessita para combater na guerra. Creio que a China considera do seu interesse ver os Estados Unidos e a Europa distraídos por uma guerra com a Rússia. Também a China e a Rússia, no topo, têm um acordo muito forte, e não vejo uma forma de as separar. Certamente que nada do que a Administração está a dizer iguala o que o presidente Putin pode obter da associação com o presidente Xi.E como vê a atitude europeia em relação à ascensão da China?Creio que um dos desenvolvimentos mais significativos é que a Europa reconheceu que a China é uma ameaça às suas principais indústrias e, em última análise, uma ameaça à segurança. E isso aconteceu nos últimos três anos. Portanto, se os EUA e os nossos parceiros europeus, juntamente com o Canadá, o Japão e a Coreia, puderem trabalhar em conjunto para que as nossas economias sejam fortes e os nossos sistemas de Defesa estejam alinhados, então penso que podemos lidar bem com a China.A experiência dos EUA de lidar com a União Soviética durante a Guerra Fria não é válida para lidar com a China, certo? É um rival diferente porque está completamente integrado na economia mundial?Sim, acho que sim. A minha carreira diplomática embora intermitente dura há muito tempo, mas só começou 10 dias antes da queda do Muro de Berlim, por isso não sou eu que vou contar a história da Guerra Fria. Mas penso que o que vemos na China é um país que sabe que o seu sucesso depende do bom funcionamento do comércio global. É por isso que a voz da Europa foi tão importante para explicar à China porque é que o seu apoio à Rússia é perigoso e porque é que a China não deve fornecer armas à Rússia, mas também que a China precisa de moderar muitas das suas práticas económicas para continuar a participar. Isto é algo fundamentalmente diferente de uma União Soviética que estava a tentar recuperar da Segunda Guerra Mundial e estabeleceu um sistema económico próprio, interno, quase autárquico.