“Trump está melhor equipado agora para causar estragos do que estava há quatro anos”
Álvaro Isidoro / Global Imagens

“Trump está melhor equipado agora para causar estragos do que estava há quatro anos”

Professor de Ciência Política, o antigo embaixador do EUA em Portugal começa por sublinhar que fala apenas em nome próprio e não em nome do Governo americano. Em conversa com o DN, o democrata Alan Katz faz o balanço de quatro anos de presidência Biden e alerta que “Trump está a ficar cada vez mais perverso”.
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Quatro anos depois do primeiro duelo Biden-Trump, vamos muito provavelmente ter um segundo duelo entre os mesmos candidatos nas presidenciais deste ano. Se as eleições fossem hoje, Trump ganhava?
Se as eleições fossem hoje, penso que Trump provavelmente ganhava. Mas as eleições não são hoje. E a última sondagem que vi até dava Biden à frente, a nível nacional. Por isso, não sei. Mas o que era interessante nessa sondagem é que Biden liderava entre os eleitores que não gostam de nenhum deles. E a razão pela qual isto pode ser significativo é que em 2016 havia muita gente que não gostava de nenhum dos candidatos, e a larga maioria destes votou em Trump. Portanto pode haver aqui uma viragem.

De qualquer forma as eleições não são agora, são só a 5 de novembro. O que é que Biden pode fazer para virar o jogo e vencer?
Bom, eu penso que Biden tem sido um ótimo presidente. E isso ajuda. Mas ao mesmo tempo acredito que as eleições são sobre o futuro e não sobre a nota que um presidente teve durante a sua presidência. Por isso era importante ele definir o que pretende fazer num segundo mandato. Outra coisa é, na América, quando um presidente em exercício se recandidata, quem concorre contra ele quer que as eleições sejam um referendo. O que o presidente quer é que as eleições sejam uma escolha. É para isso que a equipa de Biden tem de lutar. Em última instância, os americanos têm de escolher entre Biden e Trump. E, se assim for, vão escolher Biden. Mas se encararem isto como “estão ou não felizes com Biden”, vão escolher Trump.

Tem-se falado de muita coisa nesta campanha, mas muito pouco das ideias e propostas dos candidatos, também sente isso?
Bem, há duas coisas. Primeiro, é difícil ignorar que Trump tem uma personalidade notoriamente extravagante. Logo a sua personalidade e a habilidade pessoal para encantar ou enfurecer as pessoas apenas com aquilo que diz ou com o seu comportamento pouco têm a ver com propostas políticas sérias. Mas há temas que vão ser significativos para as eleições. Acho que o aborto vai ser importante. Acho que a segurança na fronteira e a imigração são importantes. E depois há esta questão: enquanto todos os números da economia estão a melhorar, será que as pessoas sentem isso ou não? E acho que é essencial que Biden faça saber às pessoas que compreende que elas não estão a sentir essa melhoria. E que depois explique o que o Governo está a fazer para que as coisas melhorem para elas. E não se limite a dizer que está tudo bem e que elas simplesmente não reconhecem isso - essa é uma estratégia perdedora. 

Já foi assim em 2016 - os americanos não sentiam as melhorias da economia na sua vida e votaram em Trump como protesto…
Sim, em 2016 os americanos achavam que Hillary Clinton representava mais do mesmo. Enquanto Trump, mesmo se alguns o viam como um louco, achavam que ele ia agitar as coisas. E sabiam que mais do mesmo não servia para eles.

Enquanto democrata, como avalia este primeiro mandato do presidente Biden?
Eu acho que Biden fez um ótimo trabalho. Manteve a questão da covid sob controlo, o que foi muito importante. O desemprego está mais baixo do que era, bem antes da pandemia. No ano passado o PIB cresceu acima dos 3%. A inflação, que era o grande problema, tem descido significativamente - está agora mais perto dos 3% do que dos 9%. Deu um forte impulso à indústria. Tem feito um bom trabalho em termos de proteção ambiental. No geral, fez muitas coisas positivas. Claro que as pessoas o criticaram pela saída do Afeganistão, no entanto ninguém sugere que ainda lá devíamos estar. Se calhar não havia forma de sair a bem, ia sempre ser confuso. O facto é que saímos e se os dois anteriores presidentes falaram nisso, foi Biden quem o fez. E, por fim, acho que a forma como ele reuniu a coligação para apoiar a Ucrânia foi um feito importante. 

Se for reeleito, Biden estará a poucos dias de fazer 82 anos. Ficou-se com a ideia que ele iria cumprir apenas um mandato, mas afinal não. Porque acha que ele mudou de ideias, acredita que é o único capaz de derrotar Trump?
Bom, em primeiro lugar, ele nunca disse que não se candidataria a um segundo mandato. Ele deixou implícito, quando se candidatou, que, nas suas palavras, era transitório. Mas nunca disse se era uma transição de quatro anos ou de oito anos. E acho que ele acredita que é a única pessoa que pode bater Trump. Segundo a teoria de que já o derrotou uma vez, por isso pode voltar a fazê-lo. Além disso, há outra coisa que não podemos ignorar. Joe Biden concorreu à presidência pela primeira vez em 1988. Vinte anos depois voltou a ser candidato. E só 12 anos depois dessa segunda tentativa é que foi eleito. Chegou lá, é o presidente. E deve ser muito difícil desistir disso. Mais, do meu ponto de vista, se Donald Trump for eleito presidente, é uma ameaça existencial ao mundo como ele existe agora. E, na verdade, se o candidato republicano não fosse Trump, eu como democrata estaria menos preocupado sobre o resultado das eleições. 

Já voltamos ao impacto no mundo de uma vitória de Trump. Mas a sucessora lógica de Biden seria a vice-presidente Kamala Harris…
Num mundo lógico, de certa forma, sim. Mas se olharmos para trás, Dick Cheney não era o sucessor lógico de George W. Bush. Com Barack Obama, a sucessora lógica foi Hillary Clinton e não Joe Biden. E com Trump, certamente o sucessor lógico nunca foi Mike Pence. E eu penso que o papel de vice-presidente mudou muito. Por isso ela poderia ser candidata, mas não seria a única candidata.

Então quem gostaria de ver como candidato democrata em 2028?
Bom, há entre meia dúzia e uma dúzia de pessoas que o poderiam ser. Como o Gavin Newsom, ou o Cory Booker, seja o Chris Murphy, ou o Phil Murphy, de New Jersey, seja Gretchen Witmer ou Amy Klobuchar ou Pete Buttigieg, etc, etc. Todos eles já mostraram interesse em ser presidentes e são todos politicamente bem-sucedidos. A questão aqui é, se todos entrarem na corrida à nomeação democrata, quem é o melhor candidato. 

E do lado republicano, Nikki Haley ainda tem alguma hipótese de se impor?
Na minha opinião, ela enfrenta uma escolha interessante, neste momento. Se, tradicionalmente, os candidatos deixam a corrida porque não conseguem angariar dinheiro suficiente e não porque acham que não são bons candidatos, no caso dela tem financiamento para o próximo mês e meio. Está em boa forma. Mas a longo prazo, se ela se quer manter na corrida, há muito dinheiro por aí, de pessoas que não gostam de Trump. Mas para que esses contributos revertam para ela, ela terá de provar que é a oponente de Donald Trump, alguém que não concorda com ele na maior parte dos assuntos. Por isso se ela decidir que se quer opor a Trump num determinado número de coisas em que ela até agora tem hesitado, há muito dinheiro com que ela pode garantir a sua campanha. O problema é que ao fazê-lo, ela se arrisca a alienar os eleitores de Trump de uma forma que pode nunca mais conseguir inverter no futuro.

Desde 1992, os republicanos apenas venceram o voto popular uma vez - em 2004, na reeleição de George W. Bush. Sempre que há eleições, surgem novas críticas ao sistema eleitoral americano, mas ninguém parece verdadeiramente interessado em alterá-lo…
Na verdade, é uma velha causa para muita gente. A questão é que para mudar a Constituição precisamos dos votos de dois terços dos 50 estados. E se formos um estado como o New Hampshire, não vamos concordar com a mudança. Porquê? Porque neste momento o New Hampshire tem três votos no Colégio Eleitoral. Mas se o presidente passar a ser eleito por voto popular, o New Hampshire tem tão pouca população, que ninguém vai querer saber dele. O mesmo se aplica ao Iowa, Dakota do Sul, Dakota do Norte, Wyoming, etc. Mais uma vez, a questão é que isto é emblemático do compromisso assumido pelos Pais Fundadores  para que houvesse um Congresso com duas câmaras. Numa delas todos os estados são iguais, na outra a representação é proporcional à população. É um misto destas duas câmaras que define o Colégio Eleitoral. Não estou a dizer que é bom. Mas há sempre um momento em que cada um dos partidos acredita ter vantagem no Colégio Eleitoral. E portanto não querem mudar as regras para não perderem essa vantagem. Neste mo- mento há um movimento que está a tentar unir os estados que, juntos, tenham os 270 votos essenciais no Colégio Eleitoral para vencer. A ideia é estes concordarem em dar os seus votos no Colégio Eleitoral a quem tenha vencido o voto popular. A verdadeira questão é: será que os estados iriam fazê-lo? Será que a Califórnia ia dar o seu voto a Donald Trump?

Como disse há pouco, se Trump vencer vamos ter uma América com uma postura muito diferente no mundo. Acha que, como presidente, ele irá cumprir as suas promessas: acabar com o financiamento à Ucrânia, sair da NATO? 
Acho que ele vai tentar cumprir algumas delas. Ele não vê qualquer utilidade em os EUA protegerem a Europa. Para Trump tudo é transacional. Alguns de nós acreditam que a América é parte indispensável do mundo, que é essencial para lidar com certos desafios, sejam desastres naturais, ou catástrofes políticas, que temos um papel a desempenhar. E desempenhamos esse papel bastante bem a maior parte do tempo. Mas Trump vê as coisas de forma diferente.

Talvez por ser um empresário…
Na verdade o que Trump tem é um instinto selvagem para descobrir as fraquezas e os receios das pessoas. Faz isso muito, muito bem. Mas quanto a ter posições políticas, não há muito para descobrir por aí. E mesmo o seu currículo como empresário está sob suspeita por ter sido o pai que lhe deixou muito dinheiro. Ele já foi à falência quatro vezes. Na sua carreira fez vários péssimos negócios e outros negócios muito bons. Outra questão é que ele agora vai ter de pagar mais de 80 milhões de dólares a E. Jean Carroll ou, pelo menos, vai ter de gastar dinheiro para apresentar recurso. O estado de Nova Iorque deve tentar fazê-lo pagar 370 milhões de dólares e proibi-lo de fazer negócios em Nova Iorque para sempre. Portanto, ele tem alguns desafios empresariais pela frente. É preciso perceber a sua reputação - ele não pagava aos advogados, não pagava aos vendedores. Nunca disse a verdade sobre fosse o que fosse. O melhor exemplo é a Trump Tower, onde depois do 51.º piso se passa diretamente para o 71.º, apesar de estarmos no 52.º . Ele fez isso e conseguiu safar-se. Para Trump é assim que o mundo funciona. É o seu mundo. É a sua América. E é a América que ele quer preservar. Nós temos de viver com ela. 

A América e o mundo sobreviveram a quatro anos de presidência Trump. Um segundo mandato poderia ser mais perigoso para a democracia?
Ele está melhor equipado agora para causar estragos do que estava há quatro anos. Acho que haverá muito poucos “republicanos institucionais” a alinhar com ele. Um, porque ele não os quer. Dois, porque eles não vão querer estar com ele. Portanto, quem se vai juntar a ele serão pessoas que partilham a sua ideia de que a disrupção é positiva. E que a burocracia e o profundo conhecimento que foi adquirido durante anos é inútil - logo, irão livrar-se deles o mais rapidamente que puderem.

A democracia americana já provou que é mais forte do que qualquer presidente. Mas num país que já está profundamente dividido, que América pode emergir de mais quatro anos de presidência Trump?
Para mim, a questão mais interessante é: e se Trump perde? Vai aceitar os resultados? A resposta a isto parece clara: não. Tal como não os vão aceitar muitos dos seus apoiantes. Outra dúvida é em que momento - se é que há um momento - é que o comportamento de Trump vai começar a fazer cair a sua popularidade. Fazendo com que os seus apoiantes fervorosos continuem com ele, mas se forem só esses, então, realisticamente, o país terá avançado. E eu penso que as pessoas também se preocupam com Biden por causa da idade. Há quem discorde de algumas políticas de Biden. Mas a verdadeira questão é se veem Trump como uma ameaça suficientemente grande para taparem o nariz e voltarem em Biden. E nesse caso a eleição pode já não ser assim tão renhida. Para mim, o que realmente desqualifica Trump - além de não gostar do seu comportamento, nem das suas loucuras - é que alguém que não aceita os resultados de uma eleição em democracia não pode ser presidente. Não se pode aceitar os resultados apenas quando se ganha - porque isso todos fazem - a parte difícil é aceitar que se perdeu. E Trump já provou uma vez que é incapaz de aceitar a derrota. Esta também é a razão pela qual, para mim, a corrida à nomeação republicana só existe se o nomeado for Trump. Porque se não fosse ele, acha que ele ia aceitar e dar o seu apoio ao nomeado? Não, ia dizer que tinha sido roubado. O problema é que Trump está a ficar cada vez mais perverso. Vai descendo cada vez mais baixo. E não é só ele. São os seus acólitos. Políticos eleitos que escolheram estar com ele, porque acreditam que a sua carreira vai beneficiar se repetirem todos os disparates que ele diz.

Se ele perder, é de temer um novo 6 de janeiro de 2021 - quando os apoiantes de Trump invadiram o Capitólio para tentar impedir o reconhecimento oficial da vitória de Biden?
Sim. A diferença é que, desta vez, Trump não é o presidente em exercício. E isso faz diferença. E eu acredito que, a certa altura, um número suficiente de pessoas na América vai perceber que não gostam de Biden, não gostam dos democratas, mas que é preciso seguir em frente, porque não querem mais violência, não querem um monte de pessoas loucas nas ruas.

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