O Tribunal de Comércio Internacional, com sede em Nova Iorque, decidiu que o presidente Donald Trump excedeu a sua autoridade ao impor taxas alfandegárias sobre bens oriundos de todo o mundo, anulando quase todas as tarifas. A medida foi objeto de recurso e, horas depois, outro tribunal federal ordenou a suspensão temporária da anterior decisão judicial. Uma derrota (ainda que provisória) para um presidente que se mostrou irritado quando instado a comentar o novo acrónimo que critica a sua política de impor tarifas altas para de seguida recuar, TACO (Trump Always Chickens Out, ou seja, Trump acobarda-se sempre). Estas decisões de rajada de um painel de juízes e de um tribunal de recurso são demonstrativas de uma silenciosa, mas enorme batalha jurídica contra as ordens executivas do presidente: foram iniciados pelo menos 250 processos para impedir as mais variadas políticas de Trump em diversos tribunais.Com base em duas queixas (uma de 12 estados governados por democratas, a outra de cinco empresas importadoras de bens), o tribunal federal concluiu que a lei invocada pelo presidente não permite impor "tarifas ilimitadas sobre mercadorias de quase todos os países do mundo". Os três juízes referiam-se à Lei dos Poderes Económicos de Emergência Internacional (IEEPA, sigla em inglês). Nem tudo foi rejeitado pelo tribunal. As taxas alfandegárias que incidem sobre produtos específicos, como automóveis, aço ou alumínio mantêm-se em vigor. Estas tarifas foram aplicadas com base numa lei comercial de 1962.2 de abril foi denominado por Trump como "Dia da Libertação" em referência à imposição das chamadas tarifas recíprocas de até 50% sobre países com os quais os Estados Unidos têm défice comercial e tarifas de 10% sobre quase todos os outros. O presidente norte-americano acabou por suspender as tarifas recíprocas por 90 dias para dar aos países tempo de chegarem a um acordo para facilitarem as exportações dos EUA, no entanto manteve as tarifas de 10% em vigor. Antes disso já tinha estabelecido taxas aduaneiras específicas para China, Canadá e México. Trump justificou a medida ao declarar que os défices comerciais eram uma "emergência nacional", contornando, desta forma, o Congresso, órgão que detém formalmente o poder de aplicar ou levantar as tarifas. Mas o Tribunal de Comércio Internacional concluiu que as taxas excediam a autoridade presidencial para regular as importações. Além disso, o tribunal notou que os poderes de emergência servem exatamente para o que o nome aponta, "uma ameaça invulgar e extraordinária relativamente à qual tenha sido declarada uma emergência nacional". No processo iniciado pelos 12 estados foi argumentado que os défices comerciais dos EUA não podem ser uma emergência, porque o país tem registado défices durante 49 anos consecutivos. "O tribunal não considera que a IEEPA confira essa autoridade ilimitada e anula as contestadas tarifas impostas ao abrigo da mesma", lê-se na decisão.A Administração Trump fez saber quase de imediato que iria recorrer. O Departamento de Justiça pediu aos três juízes que decidiram contra a ordem executiva para suspenderem a sua ordem, enquanto aguardam o recurso. Como estes terão recusado, o departamento recorreu a um tribunal de recurso federal que decidiu em tempo recorde pela suspensão do efeito da decisão. No entanto, o caso poderá chegar ao Supremo Tribunal. O Departamento de Justiça argumentou que a decisão deve ser suspensa porque é "crucial para a segurança nacional do país e para a condução dos delicados esforços diplomáticos em curso pelo presidente". A porta-voz da Casa Branca Karoline Leavitt acusou os juízes de terem "abusado descaradamente do seu poder judicial para usurpar a autoridade do presidente Trump" e disse que os tribunais "não deveriam ter qualquer papel" na questão.Por outro lado, o conselheiro económico da Casa Branca, Kevin Hassett, disse que Administração está "muito, muito confiante" de que a decisão do tribunal está errada e que seria corrigida. Hassett disse também não acreditar que as negociações com outros países sejam interrompidas "por causa de decisões de juízes ativistas". O conselheiro indicou que a Administração não iria trilhar outras vias legais para relançar as tarifas, como aconselharam os juízes, uma vez que elas "levariam alguns meses para serem aplicadas".O Tribunal Comercial observou que Trump pode impor taxas aduaneiras para equilibrar défices comerciais com base na Lei do Comércio, embora aqui as balizas estejam limitadas a um máximo de 15% de taxas, aplicadas no máximo durante 150 dias, e apenas com países com os quais os Estados Unidos têm grandes défices comerciais.O advogado de Direito Comercial Michael J. Lowell, ouvido pelo diário The Washington Post, não crê que os tribunais superiores alterem a decisão do Tribunal Comercial. "Acho que a Administração sabe que isto vai manter-se." Ao mesmo jornal, Ilya Somin, um dos advogados do Liberty Justice Center, associação que interpôs o processo em nome das cinco empresas, regozijou-se com o facto de ter havido unanimidade entre os juízes "contra esta enorme tomada de poder". Somin diz que a IEEPA "não concede autoridade ilimitada e seria inconstitucional se o fizesse". Uma vaga de processosA decisão sobre as taxas alfandegárias inclui-se numa vaga de processos em tribunal contra a política de ordens executivas de Trump. Horas depois, uma juíza deferiu o pedido da Universidade de Harvard para bloquear as medidas da Administração até que o caso seja decidido. Harvard processou o Departamento de Segurança Interna na semana passada na sequência de uma ordem da secretária Kristi Noem — a qual, há dias, demonstrou, perante os senadores, ignorar o que é um habeas corpus -- que impedia a instituição de inscrever estudantes estrangeiros. O campus em Massachusetts recebe quase 7 mil estudantes estrangeiros. Dias depois, a Administração Federal deu 30 dias a Harvard para responder às acusações de que não tomou medidas para erradicar o antissemitismo ou que tem ligações com agentes estrangeiros. A associação Just Security tem uma lista dos processos movidos contra as ordens executivas da presidência Trump. Até terça-feira, estavam contabilizados 249 casos, mas nesta quinta-feira foi conhecido, pelo menos, mais um: 16 estados patrocinam um processo contra a Administração porque esta prevê um corte de 55% no orçamento da Fundação Nacional da Ciência, agência federal de apoio à investigação de todos os campos da ciência e da engenharia. Das batalhas legais em curso, a Administração Trump pode clamar vitória, ainda que temporária, nos casos relativos à legalidade do DOGE (o departamento que foi liderado, de facto, por Elon Musk para cortar a eito despesas federais); a proibição de pessoas transgénero nas Forças Armadas; o despedimento de inspetores-gerais e comissários, bem como de funcionários em estágio; o congelamento do financiamento universitário; e a retirada de proteções temporárias a migrantes do Afeganistão, Camarões, Haiti e Venezuela. Entre outros processos que ainda não mereceram qualquer decisão está a tentativa de proibir a política de retirar as proteções laborais aos funcionários públicos. Entre as políticas que receberam um bloqueio parcial em tribunal destacam-se a tentativa de desmantelar agências e o Departamento de Educação, acabar de vez com o programa de diversidade, equidade e inclusão (DEI), proibir a entrada de refugiados, deportar pessoas através de uma lei de 1798 usada pela última vez na II Guerra Mundial, vincular o voto à prova de cidadania, ou medidas de retaliação contra meios de comunicação independentes, como a agência Associated Press, a rádio pública NPR ou a Voice of America. Já a proibição do direito à nacionalidade pelo nascimento em solo dos EUA, medidas contra sociedades de advogados que mantenham programas DEI, despedimentos em massa de funcionários federais, a deportação de imigrantes para El Salvador e outros países terceiros, e o congelamento de subsídios a agências e institutos (caso do Instituto Nacional de Saúde) estão totalmente bloqueadas pelos tribunais — para já.