Os 75 anos da NATO foram celebrados numa cimeira em Washington. Joe Biden deu novo fôlego  à organização.
Os 75 anos da NATO foram celebrados numa cimeira em Washington. Joe Biden deu novo fôlego à organização.SAUL LOEB / AFP

Sten Rynning: “A NATO poderia e deveria fazer mais para ajudar a Ucrânia”

Professor de Relações Internacionais no Departamento de Ciência Política da Universidade do Sul da Dinamarca, Sten Rynning é autor do livro 'NATO: Da Guerra Fria à Ucrânia, uma História da Aliança Mais Poderosa do Mundo' (Edições 70).
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Foi uma surpresa para si a Suécia e a Finlândia juntarem-se agora à NATO, num caso pondo fim a dois séculos de neutralidade e no outro destruindo até mesmo o conceito de finlandização?
Sim, a reviravolta desses dois países em relação à NATO foi notável e inesperada. A escolha da Rússia de uma agressão à Ucrânia por intermédio de uma grande guerra convencional fez toda a diferença. A Finlândia foi o país decisivo, sendo mais determinada do que a Suécia, mas trabalhando em estreita colaboração com a vizinha. Os finlandeses conhecem muito bem a Rússia, é claro, e não tiveram dúvidas.

Essa expansão da NATO depois da invasão da Ucrânia em 2022 surpreendeu até Vladimir Putin? 
O presidente Putin sem dúvida calculou mal neste e noutros aspetos. Ele não previu nem a resiliência da Ucrânia nem a extensão da oposição ocidental à guerra. E certamente não previu a ampliação nórdica da NATO. Mas Putin está se a adaptar-se, colocando toda a economia da Rússia em pé de guerra e apostando que será capaz de desgastar a Ucrânia e cansar a aliança ocidental.

Quando se fala da NATO como sendo a aliança militar mais bem-sucedida da história, estamos perante um exagero ou é uma verdade verificável?
É uma declaração comemorativa, normalmente feita por dirigentes ou figuras da NATO. Mas sim, a NATO é uma aliança político-militar bem-sucedida. Durante estes últimos 75 anos, inspirou uma visão de comunidade política na área Euro-Atlântica e protegeu-a por meios militares. Ela aguentou a Guerra Fria, e guerras civis na sua periferia, também o terrorismo internacional e agora até uma grande guerra à sua porta. Ainda assim, em vez de se alegar que é a mais bem-sucedida da história, devemos apreciar a NATO como uma faceta do interesse geopolítico dos Estados Unidos na Europa, e como o desejo da Europa de trabalhar com os americanos. É uma parceria muito sólida, mas é política e um dia pode chegar ao fim. 

E poderia realmente fazer muita diferença para o futuro da NATO se o candidato republicano Donald Trump conquistar a 5 de novembro a Casa Branca em vez de Kamala Harris, a candidata democrata à sucessão de Joe Biden?
A liderança faz uma diferença real. Donald Trump esgotou a NATO durante a sua presidência (2017-2021) e não entendeu o cerne da aliança: o princípio de que, aconteça o que acontecer, permaneceremos unidos. O presidente Trump dividiu os aliados e puniu-os pelos seus baixos orçamentos de Defesa, e falou suavemente com Vladimir Putin, o presidente da Rússia. Causou assim ansiedade política e semeou a desconfiança. Uma presidência renovada de Trump poderia fazer o mesmo e talvez em maior extensão. A NATO não sobreviveria facilmente a um comandante-em-chefe dos Estados Unidos que retirasse o seu apoio ao princípio fundamental de solidariedade da NATO.

O holandês Mark Rutte como secretário-geral a partir de 1 de outubro, substituindo o norueguês Jens Stoltenberg, que está no cargo desde 2014, também poderá trazer algo novo à NATO? 
A minha favorita pessoal era Kaja Kallas, ex-primeira-ministra da Estónia. Ela teria simbolizado a renovação por ser uma mulher, uma aliada de leste e uma representante de um país que faz grandes esforços de Defesa. Em vez disso, a NATO escolheu Mark Rutte, e Kaja Kallas vai tornar-se a Alta Representante da UE para Política Externa. Rutte não é um homem de visão que levará a NATO a novos patamares de ambição. É um pragmático que se dedicará a gerir os assuntos do dia à dia da NATO. Talvez seja disso que a NATO precisa. E é certamente o que os aliados escolheram.

Sten Rynning com o seu livro 'NATO: Da Guerra Fria à Ucrânia, uma História da Aliança Mais Poderosa do Mundo'.

Faz sentido expandir a área de intervenção da NATO para a região do Indo-Pacífico, para apoiar os Estados Unidos na contenção da China? 
O sistema de segurança internacional é dinâmico, e a Rússia e a China estão em manobras. Para gerir isso, a NATO tem um interesse coletivo em fortalecer o diálogo com os parceiros-chave na região do Indo-Pacífico. Os líderes do Japão, da Coreia do Sul, da Austrália e da Nova Zelândia compareceram simbolicamente nas três cimeiras mais recentes da NATO. Isso não significa que as forças militares da NATO vão ser enviadas para o Indo-Pacífico, o que continua a ser um cenário improvável. Mas estabelece parcerias que permitem à NATO dar sentido a um ambiente de segurança fluido, definir as suas próprias prioridades e obter apoio para elas.

A Ucrânia como membro da NATO, assim como a Moldova e a Geórgia, é plausível ou há limites para essa ampliação? 
A Rússia ocupa partes de todos esses três países, e por isso é complicado. Mas a guerra da Rússia contra a Ucrânia torna óbvio que a Ucrânia e a vizinha Moldova devem ter caminho aberto para a adesão à NATO. A NATO hesita. Liderada pelos Estados Unidos e pela Alemanha nessa questão, a NATO não quer arriscar uma escalada enquanto a guerra está a acontecer. Mas corre o risco de colocar o destino da Ucrânia nas mãos da Rússia. A NATO poderia e deveria fazer mais para ajudar a Ucrânia, também em termos de adesão. A Geórgia tem uma geografia diferente, e a minha sensação é que os aliados da NATO serão mais relutantes em aceitar a Geórgia em relação à Ucrânia.

Falemos de 1949. Por que razão a NATO foi fundada seis anos antes do Pacto de Varsóvia?
A NATO foi fundada em 1949 numa resposta direta à política soviética em relação à Alemanha. Temendo que a União Soviética tivesse um grande apetite geopolítico, os líderes da Europa Ocidental começaram a apelar aos governantes americanos para um pacto de segurança e, em junho de 1948, estes concordaram em prosseguir com as negociações de um tratado. A questão alemã, no entanto, permaneceu. Quando as potências ocidentais fundiram as suas zonas na República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental), era vital protegê-la. A França falhou em estabelecer uma União Europeia de Defesa, e assim a NATO tornou-se a resposta. A Alemanha Ocidental juntou-se à NATO em 1955. A União Soviética então decidiu formar o Pacto de Varsóvia para consolidar o seu controlo sobre a Alemanha Oriental e o Bloco de Leste.

Portugal ser um dos países fundadores em 1949 deveu-se ao valor estratégico da base das Lajes?
Portugal já se tinha alinhado durante a Segunda Guerra Mundial com os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, que precisavam projetar poder da América do Norte para a Europa e proteger o espaço do Atlântico Norte. A localização de Portugal com as suas ilhas no Atlântico Norte tornou-o num parceiro ideal. O mesmo pode ser dito da Dinamarca, guardiã da Gronelândia e, até 1944, da Islândia. Para a sua política de segurança transatlântica, os Estados Unidos precisavam desses “trampolins” do Norte tanto quanto os arquipélagos dos Açores e da Madeira.

Como vê a especificidade francesa na NATO? É algo do passado? 
A França continuará a abrigar ambições para a “Europa” em assuntos transatlânticos. A França tornou-se mais pragmática sobre trabalhar com a NATO, mas o seu desejo por “autonomia europeia” ou “Europa estratégica” é profundo. A guerra da Rússia contra a Ucrânia ensinou ao presidente Emmanuel Macron a lição de que as relações França-Rússia podem custar-lhe o apoio na Europa Central e Oriental. Então, Macron mudou e tornou-se mais pró-NATO. Mas a sua visão para a Europa permanece.

E a Turquia hoje? Continua um membro confiável, apesar de uma política externa e de segurança que é frequentemente independente?
A Turquia é um parceiro difícil, especialmente para os Estados Unidos, a França e a Grécia. Os seus conflitos podem tornar a tomada de decisões da NATO dolorosamente lenta. Mas a Turquia ainda é um parceiro importante, cuja localização geográfica é obviamente central e importante. As tensões com a Turquia não são novas, e os aliados parecem capazes de geri-las.

Uma UE com um pilar de defesa é compatível com a NATO?
A NATO precisa da UE para construir a indústria de defesa da Europa, gerar infraestrutura e proteger essa infraestrutura de investimentos hostis. A NATO também precisa que a UE invista nas regiões fronteiriças da Europa para promover a estabilidade. A chave é que os europeus não devem cometer o erro de pensar que podem executar a política de defesa por intermédio da UE. Os europeus devem fazer mais na UE, mas continuam dependentes do poder muscular e da credibilidade política que a NATO oferece.

Portugal está preocupado com a falta de atenção ao Flanco Sul. Deve ser também uma prioridade para a NATO?
A Rússia deitou fogo na casa da Europa, e assim a atenção da NATO voltou-se para o Leste. Mas a NATO deve pensar no Sul Global, que permanece amplamente neutro na guerra, e como o Flanco Sul da aliança pode ser vulnerável devido à instabilidade e aos fluxos migratórios. A memória muscular da NATO é mais adequada à ameaça russa, mas a aliança deve aprender a lidar melhor com essas outras questões. Portugal e outros devem beneficiar e oferecer ideias adequadas à diplomacia da aliança.

NATO
Sten Rynning
Edições 70
408 páginas
25,90 euros

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