"Sempre que visito regiões de Portugal, encontro gente que me diz que os filhos são fãs de K-pop"
Portugal e a Coreia tiveram o primeiro contacto ainda no século XVI, contudo as relações datam de 1961. Qual o significado deste 60.º aniversário das relações diplomáticas entre a Coreia do Sul e Portugal? O que pode advir daí?
A Coreia e Portugal têm vindo consistentemente a desenvolver relações de amizade e cooperação desde o estabelecimento das relações diplomáticas em 1961. Agora, é tempo de fazer o balanço das relações bilaterais dos últimos 60 anos e procurar formas de continuar a desenvolver relações de cooperação substanciais entre os dois países. Nas mensagens de felicitações trocadas entre o presidente Moon Jae-in e o presidente Marcelo Rebelo de Sousa a 15 de abril, ambos os líderes, reconhecendo que os dois países têm desenvolvido uma relação de cooperação próxima baseada em valores universais como a democracia e os direitos humanos, reafirmaram a vontade de elevar a relação bilateral. Nunca é demais enfatizar a importância das interações governamentais de alto nível para estimular mais cooperação económica. A Coreia e Portugal têm mantido esses intercâmbios, tal como a visita recíproca dos presidentes dos parlamentos e a visita do primeiro-ministro coreano a Portugal, seguida pela do vice-presidente da assembleia no corrente ano. Gostaria de recordar ainda que a visita do primeiro-ministro António Costa à Coreia esteve marcada para 2019 e depois para 2020, mas foi remarcada devido a circunstâncias internas e à situação pandémica. A primeira visita do primeiro-ministro Costa à Coreia servirá como um impulso para o maior fortalecimento das relações bilaterais nestes tempos da transição dos paradigmas económicos para a economia verde e digital. O estatuto da Coreia na arena internacional está em crescimento devido ao seu lugar como a 10.ª maior força económica mundial, e o país tem sido também convidado para a Cimeira do G7 nos últimos dois anos. Portugal, por seu lado, é um país importante na União Europeia e o líder da Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Os dois países, que partilham valores comuns como a democracia, a economia de mercado e o Estado de direito, estão num momento importante da promoção de um maior desenvolvimento ao longo dos próximos 60 anos baseado numa relação amistosa e de cooperação que tem sido consistentemente forjada ao longo dos últimos 60 anos. Agora, temos o compromisso de promover uma cooperação substantiva entre os nossos dois países e de passar para as próximas gerações uma forma recém-desenvolvida da relação luso-coreana, através da cooperação bilateral como potência média na comunidade internacional baseada em valores comuns. Acredito que o 60.º aniversário do estabelecimento de laços diplomáticos deve representar o momento em que da retórica se passa à ação.
São muitas as atividades destinadas a celebrar este aniversário, apesar das limitações impostas pela pandemia. Quer destacar algumas, de maior significado?
Para celebrar o 60.º aniversário das relações diplomáticas neste ano, a nossa embaixada está a levar a cabo uma "diplomacia de charme" para conquistar os corações do povo português, e esperamos que os portugueses reconheçam os coreanos como um vizinho próximo e aprofundem a amizade entre eles. São três as coisas em que a nossa embaixada se concentra no que respeita à implementação da "diplomacia de charme": primeiro, a nossa embaixada doou tablets coreanos a estudantes e equipamentos de proteção à Cruz Vermelha Portuguesa e ao Ministério da Saúde em fevereiro deste ano, como forma de partilhar o sofrimento do povo português devido à covid-19. Em particular, os tablets tinham como função garantir que os estudantes acompanhavam convenientemente as aulas online no contexto da covid-19. Na segunda metade do ano, estamos a planear a doação de alimentos aos desfavorecidos; em segundo lugar, a nossa embaixada está a expandir o âmbito das suas atividades diplomáticas públicas, que previamente estavam concentradas na área de Lisboa, para o nível nacional. As exibições especiais do filme Minari, que foi um grande tema neste ano, tiveram lugar em Lisboa, Porto e Faro e foram bem recebidas pelos habitantes locais. Em setembro, seremos anfitriões conjuntamente com o Ministério da Educação de um concurso de narração oral de histórias e levaremos a cabo vários eventos culturais que farão uma digressão pelo país para divulgar a familiaridade com a Coreia e a cultura coreana por todo o Portugal; terceiro, um documentário de oito episódios sobre o Património Mundial da UNESCO da Coreia e programas culinários coreanos passarão na RTP, e continuaremos a introduzir mais cultura coreana através de transmissões televisivas. Este julho, além de sermos anfitriões da 1.ª Taça do Embaixador de Taekwondo, teremos o Dia da Cultura Coreana conjuntamente com o Museu da Cidade de Lisboa para impulsionar as várias vertentes da cultura coreana. Em agosto, participaremos pela primeira vez na Feira do Livro de Lisboa e apresentaremos os livros portugueses traduzidos para coreano e vice-versa. A nossa embaixada pretende que todas as gerações possam desfrutar da diversificada cultura coreana. A promoção de trocas interpessoais é muito importante para o desenvolvimento de relações. A este respeito, o rápido aumento no número de coreanos que visitam Portugal é um indicador bem-vindo para o desenvolvimento das relações bilaterais. Mais de 20 mil coreanos visitaram Portugal em 2019, e espera-se que o número de visitantes aumente assim que a situação da covid-19 melhorar. Simultaneamente, espero que mais portugueses visitem a Coreia.
Como define a relação comercial entre os dois países e o nível do investimento coreano em Portugal?
Uma relação de cooperação amigável fornece bons alicerces para a promoção de uma colaboração substantiva. Apesar da situação da covid-19, o comércio bilateral aumentou em 2020 para mais de mil milhões de dólares, um crescimento de 200 milhões em relação ao ano anterior. As exportações portuguesas para a Coreia aumentaram 40%, para 400 milhões. Entre as empresas coreanas a investir em Portugal, a Hanon Systems, que produz compressores de ar condicionado para veículos elétricos amigos do ambiente, teve um bom desempenho de negócio e está a considerar fazer investimentos adicionais em breve depois de investir 50 milhões de euros em 2018. A Hanwha Q CELLS vai completar seis fábricas de energia solar com uma capacidade total de 315 MW até 2024. Espera-se que tais atividades empresariais sirvam como catalisador para atrair mais oportunidades de negócio nas áreas das energias renováveis amigas do ambiente. O presidente Moon discutiu recentemente formas de fortalecer a cooperação em áreas como ultrapassar a covid-19, as alterações climáticas, a cooperação ambiental e o comércio na cimeira Coreia-UE com Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, e Ursula Von der Leyen, presidente da Comissão Europeia. Os dois lados reafirmaram que são os melhores parceiros para uma cooperação mutuamente benéfica, pois ambos estão a trabalhar para o mesmo objetivo na economia verde e digital, e também discutiram uma parceria vacinal que combina a capacidade europeia de desenvolvimento de vacinas com a capacidade de produção coreana. Uma cooperação próxima entre a Coreia, um país central no Nordeste da Ásia, e Portugal, um importante protagonista na UE, é ainda mais crucial para a resiliência económica na era pós-covid. O Plano de Recuperação e Resiliência de Portugal para 2021-2026 foi aprovado pela Comissão Europeia e foi o primeiro entre os Estados-membros da UE. Isto prova que Portugal foi reconhecido por apresentar um roteiro específico para ultrapassar a crise económica causada pela covid-19. Assim, fica evidente que existe um quadro para promover uma cooperação substantiva na era pós-covid-19 tanto para a Coreia como para Portugal. Neste contexto, foi oportuno e significativo que o secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, tenha visitado a Coreia em junho e copresidido à Comissão Económica Conjunta para discutir formas de promover uma cooperação substantiva em áreas como a energia nova e renovável, a ciência e a tecnologia, assim como o comércio e investimento e a construção de infraestruturas.
Depois dos encontros entre o presidente Moon e o líder norte-coreano Kim Jong-un em 2018 e 2019, em paralelo com as cimeiras Donald Trump-Kim, qual o estado atual das relações entre as duas Coreias?
O governo coreano está a lutar por consolidar a paz e a prosperidade na Península Coreana e no Nordeste da Ásia. A questão da Península Coreana, que está intimamente relacionada com a estabilidade regional, tem as características 2+2. Há o problema norte-coreano causado pela confrontação militar e pela falta de confiança entre as duas Coreias depois da Guerra da Coreia, juntamente com a questão nuclear norte-coreana. Estas são as primeiras duas. E as segundas duas são a questão da não-proliferação que tem um caráter internacional, juntamente com as questões bilaterais intercoreanas. A administração americana liderada pelo presidente Joe Biden já anunciou a sua posição básica para prosseguir negociações por etapas, de modo a obter resultados práticos através de uma "aproximação calibrada e prática" tendo em consideração estas características complicadas da questão da Península Coreana. Na cimeira em maio, o presidente Moon e o presidente Biden reafirmaram o objetivo da completa desnuclearização e do estabelecimento da paz permanente na Península Coreana baseado na Declaração de Panmunjon de 2018 e na Declaração Conjunta de Singapura. O presidente Biden expressou, em particular, o apoio ao diálogo intercoreano, ao compromisso e à cooperação. Embora anteriores administrações dos Estados Unidos tenham usado diferentes termos no que respeita à desnuclearização da Coreia do Norte, a administração Biden usou bilateralmente o termo DC (desnuclearização completa) da Península Coreana, que o regime norte-coreano pode aceitar facilmente, e comprometeu-se a perseguir o objetivo através da diplomacia e do diálogo. A Coreia do Norte também foi pressionada nas cimeiras do G7 e da NATO para se sentar à mesa de negociações. Embora o diálogo entre a Coreia do Sul e do Norte, e entre a Coreia do Norte e os Estados Unidos tenha estagnado desde a cimeira Coreia do Norte-Estados Unidos em Hanói em 2019, vemos que a porta para o diálogo ainda não está fechada. No recente plenário do Partido dos Trabalhadores , o presidente Kim Jong-un mencionou uma mensagem externa pela primeira vez desde que a administração Biden anunciou a sua política para a Coreia do Norte, dizendo que eles devem estar preparados tanto para o diálogo como para o confronto com os Estados Unidos. O nosso governo continua a trabalhar proximamente com os Estados Unidos e a cooperar com a comunidade internacional para conduzir a Coreia do Norte no caminho do diálogo. Neste contexto, Portugal partilha valores fundamentais tais como a democracia e os direitos humanos com a Coreia, e como potência média que é ativa na comunidade internacional, como nas Nações Unidas, na NATO e na UE, tem apoiado totalmente a nossa política em relação à Coreia do Norte. Como parceiro de confiança para a desnuclearização e o estabelecimento da paz permanente na Península Coreana, desejamos a continuação de uma colaboração próxima no futuro.
A influência da cultura pop coreana em Portugal tem vindo a crescer. Surpreende-o o aumento constante de fãs, sobretudo entre os jovens?
Com a popularidade na Ásia das séries coreanas desde os finais da década de 1990, o termo "Onda Coreana" começou a ser usado na área jornalística. Em menos de 20 anos, a Onda Coreana ou K-pop tornou-se uma marca nacional não só na Ásia, mas também na sociedade Ocidental. Portugal não é exceção nesta tendência. O entusiasmo pelo K-pop entre os jovens está gradualmente a levar a um interesse por toda a cultura coreana, incluindo a comida, o vestuário, a indústria de beleza e os filmes. Os filmes Parasitas e Minari foram aplaudidos a nível global. Também gostaria de recordar que muitos filmes coreanos têm sido apresentados no Festival Internacional de Cinema Fantasporto e no Doclisboa para ir ao encontro dos espectadores portugueses. Os filmes são bons para o povo português compreender mais facilmente a cultura coreana. Sempre que visito regiões do país, encontro muita gente que me diz que os filhos são fãs de K-pop. Posso dizer sem dúvida que o K-pop é um dos fenómenos culturais mais importantes entre os jovens. Graças à avançada tecnologia da informação, podem-se encontrar facilmente séries coreanas, filmes e canções e danças de K-pop no YouTube, na Netflix, etc. Um dos meus privilégios pessoais é conversar com pessoas portuguesas sobre séries e filmes coreanos. Curiosamente, o vídeo promocional da Organização de Turismo, Feel the Rhytm of Korea [Sente o Ritmo da Coreia], registou 600 milhões de visualizações desde que foi publicado em julho de 2020. Este vídeo é uma mistura de música tradicional coreana e dança moderna.
A comunidade coreana em Portugal já tem restaurantes abertos e até supermercados. Quantos são?
A comunidade coreana em Portugal é comparativamente pequena, com cerca de 300 pessoas. Mas eles esforçaram-se por se integrar em Portugal, como é regra dos imigrantes coreanos mundo fora e se pode ver no filme Minari, e continuam a fazê-lo. A comunidade coreana tem um papel de aproximação significativo ao estimular o intercâmbio pessoal entre a Coreia e Portugal, o que é importante para o desenvolvimento das relações bilaterais entre os dois países. Na celebração do 60.º aniversário, foi formada em abril a Rede da Segunda Geração Coreana para promover o desenvolvimento da comunidade coreana. Espero que eles contribuam para a aproximação da comunidade coreana e da sociedade portuguesa. Todos os anos, cerca de 100 estudantes coreanos vêm para Portugal para estudar nas universidades de Lisboa, Porto e Coimbra, sob o programa de intercâmbio estudantil. Espera-se que, no futuro, eles se tornem ativos valiosos no maior desenvolvimento das relações bilaterais em várias áreas. Curiosamente, os proprietários dos restaurantes coreanos recentemente abertos participaram anteriormente no Programa de Trabalho nas Férias em Portugal. Eles voltaram à Coreia depois de completarem o programa, mas regressaram a Portugal para iniciarem os seus próprios negócios. Imagino, com prazer, que mais jovens coreanos se seguirão e serão uma parte significativa da sociedade portuguesa no futuro próximo.