Quando o presidente Donald Trump impôs as primeiras tarifas à China, em 2018, o argumento eram as práticas comerciais desleais e o roubo de propriedade intelectual da parte de Pequim. Mas, desta vez, uma das principais razões é o fentanilo - um opioide que apelida de “venenoso” ou “fatal” (cerca de 75 mil overdoses no espaço de um ano), responsável por um “flagelo” e uma “crise de saúde pública” nos EUA. Ao contrário da cocaína ou da heroína, produzidas a partir de plantas, o fentanilo - que é um medicamento legal que pode ser usado como analgésico ou anestesia, sendo cem vezes mais poderoso que a morfina - é fabricado a partir de ingredientes sintéticos que se usam para produzir outros fármacos. Pode ser criado facilmente e de forma barata em laboratórios improvisados, tendo os cartéis mexicanos (o de Jalisco será o maior produtor, seguido do de Sinaloa) aproveitado a elevada procura a norte da fronteira para fazer negócio. A maioria do “fentanilo de rua” (muitas vezes misturado com outras drogas ou substâncias) que chega aos EUA é produzido no México, usando químicos vindos principalmente da China (que introduziu ela própria regras mais rígidas para evitar a produção da droga após pressão dos EUA em 2019). “As autoridades chinesas não tomaram as medidas necessárias para conter o fluxo de precursores químicos para cartéis criminosos conhecidos e impedir o branqueamento de capitais por parte de organizações criminosas transnacionais”, defende a Casa Branca, para justificar as tarifas. Pequim, segundo The Wall Street Journal, diz que os EUA a querem transformar em bode expiatório face à incapacidade de lidarem com as questões que estão na origem do problema. O fentanilo é usado como desculpa para a guerra comercial com a China, mas também com o México, onde o governo é acusado de ter uma “aliança intolerável” com os cartéis. De forma aparentemente mais estranha, também é usado contra o Canadá, falando-se da alegada presença crescente dos cartéis mexicanos neste território. O México conseguiu que a medida fosse suspensa durante 30 dias ao anunciar o envio de mais dez mil militares para a fronteira para ajudar a combater o tráfico. No último ano, e com maior impacto desde que, em outubro, a presidente Claudia Sheinbaum sucedeu a Andrés Manuel López Obrador, foram apreendidos quase dez toneladas de fentanilo na fronteira. Em dezembro, houve uma apreensão recorde de 1,3 toneladas numa única rusga, em Sinaloa. Já na fronteira com o Canadá, foram apreendidos menos de 20 quilos, mas têm havido operações policiais que revelam a presença crescente dos cartéis mexicanos - foi desmantelado um “superlaboratório” com capacidade para produzir 95 milhões de doses. Ainda assim, segundo as autoridades norte-americanas, o Canadá fornece menos de 1% do “fentanilo de rua” dos EUA. O Canadá também conseguiu entretanto suspender as tarifas por 30 dias, após o primeiro-ministro, Justin Trudeau, anunciar o reforço da fronteira, além de prometer nomear um “czar” do fentanilo e colocar os cartéis na lista de terroristas.