"Rizal foi a alma da revolução filipina que marcou o fim da colonização espanhola"
Foto: Gerardo Santos

"Rizal foi a alma da revolução filipina que marcou o fim da colonização espanhola"

Stephanie Coo, professora na Universidade Ateneo de Manila e na Nova de Lisboa, conversou com o DN sobre o seu país à margem de uma conferência sobre as Filipinas organizada na Biblioteca Nacional. Magalhães, claro, fez parte dos temas da entrevista.
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Fernão de Magalhães, o navegador português ao serviço dos espanhóis, é um nome que toda a gente nas Filipinas conhece?

Sim, claro. Mais conhecido até pela circum-navegação do que por ter chegado às Filipinas. Acho que é mais conhecido que Elcano, que, na verdade, foi quem concluiu a viagem. E há uma cruz de Magalhães em Cebu, e existem também alguns ícones relacionados com a sua expedição, como é o caso do Santo Nino.

Mas, ao mesmo tempo, um dos vossos heróis nacionais, Lapu-Lapu, é o filipino que matou Magalhães em 1521. É curioso como conciliam o catolicismo trazido por Magalhães, mas idolatram Lapu-Lapu, que o matou?

Sim. Até temos uma piada que toda a gente conhece nas Filipinas. “Se Lapu-Lapu matou Magalhães, quem matou Lapu-Lapu?”. Lapu-Lapu é agora nome de um peixe. Portanto, obviamente, a resposta é “o cozinheiro”. [risos] Mas Lapu-Lapu, pelo que sei, já era um homem velho na altura daquela batalha. Portanto, não foi ele quem matou o navegador português, obviamente. Foram os seus guerreiros. E é claro que não sabemos exatamente quem matou Magalhães. Pode ter sido um ou podem ter sido muitos. E Lapu-Lapu, mesmo sendo já velho, todas as estátuas o mostram jovem, um homem grande, muito forte, com cabelo comprido. É a reimaginação de um herói filipino para o fazer parecer maior, mais forte e mais jovem. E também há toda esta dinâmica que nos leva a questionar o que faz de um herói um herói. E o heroísmo é sempre controverso, é discutível, porque é uma questão de perspetiva. Quando estávamos a celebrar os 500 anos da circum-navegação, debateu-se muito Magalhães e Lapu-Lapu. O mais importante que aconteceu há 500 anos foi a ligação entre o Ocidente e o Oriente naquele momento.

Qual a importância do catolicismo na identidade nacional filipina? É o principal elemento? Têm uma minoria de muçulmanos no Sul, mas a grande maioria dos filipinos são católicos.

Não é o elemento mais importante, mas é definitivamente uma grande parte da nossa identidade, porque fazemos muitos rituais católicos. Por exemplo, quando visitei a Espanha pela primeira vez, a minha família disse: sim, a tua aura está diferente. Porquê? Porque ia à igreja com frequência, porque estava rodeada de igrejas. E aqui em Portugal vivo num zona de Lisboa onde há muitas igrejas. Estou rodeada de igrejas. Portanto, de certa forma isso enriquece, porque estou no centro do mundo católico. Nas Filipinas praticamos o catolicismo, mas estamos muito longe. Mas a minha família, que é de origem chinesa, vai à missa todos os dias.

Em termos de língua, o espanhol, legado do primeiro colonizador, já não é falado. E o inglês, legado dos americanos, do segundo colonizador, é hoje uma espécie de língua franca, mas também o tagalog o é. Entre filipinos de ilhas diferentes e de origens diferentes, será mais comum utilizar o inglês ou o tagalog?

Se pertence a uma família onde se fala línguas diferentes, o inglês é uma língua unificadora. Na nossa casa, na minha família, há chineses e falamos em casa hokkien. Existe também a nossa língua da ilha de Negros, que é o iIonggo. Não se usa muito o tagalog.

Regressando à herança espanhola. Sei que o escritor José Rizal, o pai da nação, autor de Noli me Tangere, era muito a favor da língua espanhola, mesmo que fosse defensor da independência das Filipinas e por isso tivesse sido executado pelos espanhóis.

Rizal foi a alma da revolução filipina que marcou o fim da colonização espanhola. Mas, claro, não escapámos a uma segunda colonização por parte dos americanos, a partir de 1898. Mas o que Rizal fez foi plantar as sementes, as ideias de umas Filipinas independentes. Ele não estava a lutar com a espada. Ou com uma pistola. Ele estava a lutar com uma caneta. Por isso, para ele, o mais importante era mudar a mentalidade das pessoas, a forma como pensavam, a forma como viam as coisas. Porque parte da estratégia colonizadora espanhola era conquistar os corações e as mentes do povo através da Igreja. Então foi assim que os espanhóis passaram a mensagem, através dos valores católicos.

Referiu a segunda colonização, a americana, que durou meio século. Foi também muito importante na definição das Filipinas hoje. Os EUA são ainda hoje um país muito atrativo para as Filipinas? É uma espécie de referência cultural? Se existe um local para onde os filipinos querem mais imigrar é a América?

Sim. Era o sonho americano. Mas hoje é muito difícil emigrar para os EUA.

Então, como vê as Filipinas hoje em dia? É o país mais católico do Sudeste Asiático, mais de 100 milhões de pessoas, embora com uma minoria muçulmana no sul. E estão também numa região onde existe uma Indonésia, que é o mais populoso país muçulmano do mundo, e também a Malásia, maioritariamente muçulmana. Vê as Filipinas como um país entre o Ocidente e o Oriente?

Sim, sim. É um país entre o Ocidente e o Oriente. Quero partilhar também que não é apenas a influência espanhola. É uma influência europeia, porque na altura, mesmo durante a época espanhola, as famílias da elite nas Filipinas serviam comida francesa, porque para elas, isso é o que é mais elitista, certo? Para os espanhóis no Novo Mundo, a referência foi sempre a França.

Mas também a influência americana é muito forte.

É muito forte. Durante o período colonial americano houve um esforço consciente para mudar tudo o que a Espanha ensinou, por exemplo, a língua. Então impuseram uma nova língua, que todos tinham de aprender, o inglês.

Tiveram sucesso na língua, mas não na religião, não conseguiram difundir o protestantismo.

Sim e não. Mas havia, na época, muitas missões protestantes nas Filipinas.

Mas falharam de uma certa maneira.

Sim, a religião católica é muito forte, e a herança espanhola conseguiu manter-se, nesse sentido, relevante para a nossa cultura.

Referiu que o sonho americano já não é tão forte. Há também algum fascínio por Espanha, ou Espanha é apenas algo da história remota?

Boa pergunta. Realmente não pensamos muito sobre isso. Portanto, não é uma grande parte da nossa consciência, penso eu. É mais uma parte da nossa história. Mas os filipinos querem muito visitar Espanha para ver a arquitetura, para experimentar as tapas. E também é interessante pensar o que Espanha tem que resulta da influência das Filipinas.

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