Os EUA foram o primeiro país fora da América Latina a reconhecer a independência do Brasil, em 1824, e, apesar de rusgas diplomáticas e de ingerências políticas e militares americanas, os dois maiores países do continente americano mantiveram relações económicas próximas desde então. Até 2025, com Donald Trump e Lula da Silva a coincidirem, um na Casa Branca, o outro no Palácio do Planalto.Investigadores ouvidos pelo DN, como Paulo Niccoli Ramírez, professor da Fundação Escola de Sociologia e História, e Roberto Georg Uebel, professor de Relações Internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing, classificam o atual momento como “o pior da história das relações diplomáticas entre os países”. Vinícius Vieira, professor de Economia e Relações Internacionais da Fundação Armando Álvares Penteado, recorda outras crises mas sublinha que esta é a primeira vez em que o Brasil sofre “um ataque frontal” dos EUA.Em causa, uma guerra tarifária à superfície - Washington decidiu aumentar, mais do que a qualquer outra nação ou bloco, a taxação para produtos brasileiros, mesmo sendo superavitário na balança comercial entres os países - com batalhas políticas e jurídicas como pano de fundo - após lobby do deputado de extrema-direita Eduardo Bolsonaro, a residir nos EUA desde março, o governo Trump vinculou as taxas à situação jurídica de Jair Bolsonaro, decidindo até sancionar o juiz do Supremo Tribunal Federal (STF) encarregado dos processos.“A tensão é ainda maior do que a de 1964, quando os EUA apoiaram o golpe de estado contra o então presidente João Goulart”, diz Uebel. “Desde sempre os países mantiveram relações diplomáticas e económicas saudáveis, acentuadas sobretudo no século passado com a visita de Franklin Roosevelt a Getúlio Vargas em que os EUA se comprometeram a contribuir com o desenvolvimento da indústria siderúrgica em contrapartida de apoio aos Aliados e cedência de bases aéreas”, acrescenta Ramírez. “Por essa altura”, lembra o académico, “até a Carmen Miranda chegou a Hollywood e a Disney produziu filmes do Zé Carioca…”“Depois, os americanos intervieram no golpe de 1964, na ditadura militar os generais brasileiros uniram-se aos EUA na luta contra a União Soviética e já na redemocratização houve boas relações até atingimos, agora, o pior estágio em função de uma questão que não é tarifária mas ideológica para prejudicar o Governo Lula e também o STF”, destaca Ramírez.Vinícius Vieira recorda outras tensões mas defende que “jamais, como agora, houve um ataque frontal à soberania do Brasil”. “Pensou-se que Trump não iria arriscar a relação económica entre os países, na qual tem superávit, por causa de Bolsonaro mas ele é um supremacista branco e não resistiu…”. “A relação teve tensões ainda no tempo de Dom Pedro II, que expulsou um diplomata dos EUA”, lembra Vieira. “Em 1894, tropas americanas chegaram a atracar no Rio de Janeiro no contexto do governo conturbado de Floriano Peixoto”. “Depois”, prossegue o especialista, “de 1902 a 1912, no contexto da Doutrina Monroe, o Brasil mudou o foco económico da Inglaterra para os EUA”. “De então para cá, em 1946, o Partido Comunista do Brasil deixa de ser legalizado por influência americana e, em 1964, segundo arquivos divulgados nos anos 80, os americanos enviaram um porta-aviões para o porto de Santos, a Operação Brother Sam, para que, caso o golpe militar não resultasse, houvesse ali uma retaguarda, tudo com base em informações falsas de que Goulart era comunista, quando, segundo os melhores registos históricos, desejava apenas, como Salvador Allende no Chile, instituir um regime social-democrata”.“Desta vez’, sublinha Vinícius Vieira, “talvez porque o Brasil não disponha do status militar de Rússia, Índia ou China, já que todo o seu equipamento depende dos EUA, parece que entramos numa nova era do imperialismo com apoios de quintas colunas, como a família Bolsonaro, que pode passar de operação política, económica e jurídica a militar no médio ou longo prazo…”. “Porque dificilmente Trump reconhecerá eventual reeleição de Lula em 2026…” A tensão foi notada também nos EUA: James Green, coordenador nacional da Rede Norte Americana Pela Democracia no Brasil, reuniu 50 académicos, de Harvard, Brown, Princeton e Columbia, numa carta dirigida a Trump a expressar preocupação pelo momento. “Os esforços do atual governo americano para interferir indevidamente nos assuntos internos do Brasil são uma afronta à independência do sistema judicial brasileiro e ao Estado de Direito”, diz o documento.Para Green, citado pelo site UOL, “aqueles que conhecem a história das relações entre os países lamentam o facto de os EUA terem apoiado a derrubada do governo democraticamente eleito em 1964, o que levou a 21 anos de regime autoritário”. “Em 2016, enquanto deputado, o ex-presidente Bolsonaro, agora acusado de tentar derrubar o atual governo, defendeu abertamente a ditadura militar e a prática da tortura”..Brasil. Alexandre de Moraes está para a direita como Sergio Moro estava para a esquerda?.Bolsonaro suspeito de lavagem de dinheiro