“Refugiados” Afrikaners complicam discussão entre Trump e Ramaphosa
O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, está em Washington para discutir questões comerciais com o homólogo norte-americano, Donald Trump, mas o encontro entre ambos na Casa Branca deverá ficar marcado pela discussão em torno do grupo de proprietários de terras brancos que os EUA acolheram como refugiados no início do mês.
Trump, que suspendeu o programa de acolhimento de refugiados quando regressou à presidência, abriu uma exceção para os Afrikaners. Tudo porque acredita que está em curso um “genocídio” e que esta minoria está a ser expropriada das suas terras e morta pela maioria negra. Algo que Pretória nega.
Os Afrikaners são descendentes dos colonos neerlandeses que chegaram há quatro séculos à Africa do Sul e que, em 1948, criaram o regime do apartheid. Este sistema de segregação racial que discriminava a maioria negra só ruiu no início da década de 1990. Atualmente, a minoria branca queixa-se de perseguição.
O governo sul-africano nega contudo haver uma perseguição racial, alegando que em causa está um problema de crime e de violência que afeta tanto os brancos como os negros.
Segundo dados da polícia, citados pelo The New York Times, entre abril de 2020 e março de 2024, 225 pessoas foram mortas em quintas na África do Sul, sendo que 101 eram atuais ou anteriores funcionários que lá vivem (que tendem a ser negros) e 53 eram proprietários, que normalmente são brancos (durante o apartheid eram os únicos que podiam ter grandes propriedades e explorá-las comercialmente).
O jornal norte-americano diz que Ramaphosa deverá pedir a Washington para que apoie uma investigação independente sobre o tema.
Em relação às expropriações, o presidente sul-africano assinou em janeiro uma lei que permite a apropriação de terras privadas, sem compensação, quando em causa está o interesse público - por exemplo, quando a propriedade não está a ser usada e não há intenção de a desenvolver ou quando representa um risco para as pessoas.
Segundo a Reuters, quase 75% das terras privadas na África do Sul estão nas mãos de brancos, que representam apenas 8% dos 60 milhões de sul-africanos, enquanto os negros (80%) só são proprietários de 4%.
Na semana passada, um primeiro grupo de 59 “refugiados” (agricultores e as famílias) chegaram aos EUA, após um processo acelerado de verificação (normalmente demora anos, mas este só demorou três meses). E o secretário de Estado, Marco Rubio, diz que mais podem estar a caminho. Ramaphosa alega que não são “refugiados” e apelidou-os de “cobardes”.
Desinformação e Elon Musk
O governo sul-africano alega que as “fake news” sobre os Afrikaners estão na origem das acusações de Trump, sendo que muita dessa desinformação é partilhada pelo milionário dono do X e da Tesla, Elon Musk, que nasceu na África do Sul mas deixou o país ainda na adolescência e é um dos principais críticos do governo de Pretória.
Segundo os media locais, por detrás disso estará a vontade de Musk de operar o seu Starlink (o sistema de comunicações por satélite) no país, sem cumprir a lei que obriga a que 30% da propriedade do projeto vá para comunidades alvo de discriminação no passado.
Pretória terá sugerido alternativas, como o investimento em programas para jovens construírem satélites ou equipar escolas com terminais, não sendo claro se houve alguma resposta.
As relações entre Pretória e Washington estão no nível mais baixo desde que Trump regressou à Casa Branca, em janeiro. O republicano expulsou o embaixador sul-africano dos EUA e cortou na ajuda à África do Sul - afeta, por exemplo, os tratamentos às pessoas com HIV.
Mas as relações já estavam complicadas antes, com a África do Sul a ser alvo de críticas por liderar o processo contra Israel por genocídio na Faixa de Gaza, no Tribunal Internacional de Justiça. Ramaphosa deverá mencionar o facto de Trump não ter problemas em usar a palavra “genocídio” em relação aos Afrinakers, mas não usar em relação a Israel.
Além disso, também interferia nas relações a aproximação à China, Rússia ou até Irão. O papel da África do Sul nos BRICS, que ameaçam procurar uma alternativa ao dólar, também não é visto com bons olhos.
Questões comerciais
O tema dos Afrikaners deverá dominar o encontro entre Ramaphosa e Trump, previsto para esta quarta-feira, mesmo se esse não é o objetivo da visita - a primeira de um líder africano à Casa Branca desde o regresso do republicano ao poder.
“O objetivo desta visita é relançar e revitalizar as relações bilaterais entre a África do Sul e os EUA. Com isso em vista, a visita vai focar-se especificamente em reenquadrar as relações bilaterais, económicas e comerciais”, segundo um comunicado emitido pela presidência sul-africana quando Ramaphosa chegou aos EUA, na segunda-feira à noite, acompanhado por quatro ministros.
Os EUA são o segundo maior parceiro comercial da África do Sul, depois da China. No “dia da libertação”, Trump impôs uma tarifa de 31% às importações sul-africanas (à qual se soma a de 25% aos veículos fabricados no país) que, a manter-se (a medida foi suspensa por 90 dias a 9 de abril) deverá causar o aumento do desemprego no país. Este está atualmente nos 32%.
A ideia de Ramaphosa é pensar já num futuro pós-Lei de Crescimento e Oportunidades (AGOA, na sigla em inglês). Este acordo comercial entre os EUA e os países elegíveis da África Subsariana, que lhes permite exportar os seus produtos sem impostos, expira a 1 de outubro de 2025.
Os especialistas dizem que Ramaphosa tem que chegar à Sala Oval com um bom plano económico, para que possa apelar ao lado empresário de Trump - um dos trunfos pode ser, por exemplo, a África do Sul ter 75% das reservas de platina do mundo.
Ramaphosa deverá também tentar convencer Trump a assistir à cimeira do G20 em Joanesburgo, em novembro, na qual a África do Sul vai passar a presidência aos EUA. O republicano ameaça faltar ao encontro.