Refinaria em Kharkiv foi alvo de ataque de drones russos na segunda-feira.
Refinaria em Kharkiv foi alvo de ataque de drones russos na segunda-feira.EPA/SERGEY KOZLOV

Putin rejeita trégua total, mas propõe jogo de hóquei no gelo

Trump e a sua equipa veem no cessar-fogo limitado às infraestruturas energéticas o início de um movimento para a paz. Líder russo repetiu ao líder dos EUA as suas exigências e não cedeu um milímetro.
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Vladimir Putin rejeitou a proposta dos Estados Unidos, acordada com a Ucrânia, de uma trégua total de 30 dias. Sem ceder nada, na conversa telefónica mantida com Donald Trump durante mais de hora e meia, o líder russo aceitou um cessar-fogo limitado a infraestruturas energéticas durante o mesmo período de tempo, propôs uma troca de 175 prisioneiros e propôs a organização de partidas de hóquei no gelo entre jogadores russos e norte-americanos. O presidente dos Estados Unidos regozijou-se com as conversações, “muito boas e produtivas”, e disse ter acordado com o homólogo “trabalhar rapidamente para alcançar um cessar-fogo completo e, por fim, terminar esta guerra horrível”. Na sequência da aguardada conversa, o presidente ucraniano disse apoiar a proposta russa, mas que esperaria vir a falar com o líder norte-americano para ficar ao corrente dos pormenores. Aos russos, desafiou-os a libertarem todos os prisioneiros como “demonstração de vontade e do desejo de acabar com a guerra”.

No domingo, o secretário de Estado norte-americano Marco Rubio dizia que o “plano A é fazer cessar o tiroteio para se poder passar ao plano B, a fase dois, que é ter toda a gente à mesa para descobrir uma forma de acabar permanentemente com esta guerra de uma forma duradoura”. Perante o resultado obtido, o plano B ainda não pode avançar, uma vez que o A não se materializou. O cessar-fogo parcial acordado irá apenas poupar as infraestruturas energéticas de ambos os países. Pouco depois da chamada telefónica, as sirenes de defesa aérea soaram em Kiev, ao que se seguiram explosões.

Ainda assim, a Casa Branca descreveu a conversa como o primeiro passo de um “movimento para a paz” em que os dois líderes concordaram que “começará com um cessar-fogo energético e de infraestruturas, bem como com negociações técnicas sobre a aplicação de um cessar-fogo marítimo no Mar Negro”, ao que se seguirá um cessar-fogo total, e por fim a paz. Donald Trump, na sua rede Truth Social, disse que o processo de negociações “está agora em pleno vigor e efeito”, e disse esperar, “para bem da Humanidade”, conseguir “concluir o trabalho”.

O comunicado russo diferia em alguns pontos e pormenorizava outros. Como tem vindo a repetir, diz que as negociações terão de “evidentemente, ter em conta a necessidade absoluta de eliminar as causas profundas da crise, os interesses legítimos da Rússia no domínio da segurança”. Moscovo exige que a Ucrânia não adira à NATO e quer um vizinho com a menor capacidade defensiva possível. Nos objetivos traçados para a invasão (a “operação militar especial”), Putin aludiu à “desmilitarização” de Kiev.

No lugar de um cessar-fogo “energético e nas infraestruturas”, o texto do Kremlin aceitava não atacar “infraestruturas de energia”. Além disso, dá a entender que Putin rejeitou uma trégua total. “A condição essencial para evitar a escalada do conflito e trabalhar na sua solução por meios políticos e diplomáticos deve ser o fim total da ajuda militar estrangeira e da partilha de informações secretas militares a Kiev”, terá dito o presidente russo. Não houve qualquer referência à ajuda militar que a Rússia recebe do Irão, Coreia do Norte e da tecnologia de uso duplo da China.

Sobre a questão do Mar Negro, Moscovo disse que o presidente russo respondeu “de forma construtiva à ideia de Donald Trump de aplicar uma iniciativa bem conhecida relativa à segurança da navegação no Mar Negro” e que foi acordado “iniciar negociações para aprofundar os pormenores específicos de tal acordo”.

O Kremlin também disse que vai ser realizada uma troca de 350 prisioneiros entre as partes beligerantes. “Além disso, como gesto de boa vontade, serão transferidos 23 militares ucranianos gravemente feridos que estão a ser tratados em instituições médicas russas”, lê-se no comunicado. O presidente ucraniano, numa conferência de imprensa realizada na Finlândia, onde hoje vai encontrar-se com os seus líderes, disse que esta troca de prisioneiros já estava acertada com Kiev. “Seja como for, as trocas [de prisioneiros] são ótimas para a Ucrânia”, disse.

Destaque ainda, no comunicado russo, para o relevo dado à “intenção de prosseguir os esforços para chegar a uma solução bilateral para a Ucrânia, tendo nomeadamente em conta as propostas” de Trump. Disse ainda que estão a ser criados grupos de peritos russos e norte-americanos para o efeito. Ou seja, nem a Ucrânia nem a Europa irão ter assento na próxima fase. Zelensky, apesar de dar as boas-vindas ao cessar-fogo parcial, não se mostrou satisfeito com o facto de Kiev não estar à mesa. “Estas são as suas relações bilaterais, embora, obviamente, também tenham um impacto na nossa situação, principalmente na guerra na Ucrânia. Com todo o respeito, não quero ofender ninguém, mas não quero que estejamos na ementa de Putin. Não somos salada ou sumo para essa pessoa, apesar do seu apetite.” E prosseguiu: “Há dois lados nesta guerra, a Rússia e a Ucrânia. Tentar negociar sem a Ucrânia, na minha opinião, não será produtivo.” Sobre a resposta russa, disse que as condições impostas por Putin demonstram que não está pronto a “pôr fim à guerra” e que o seu objetivo é “enfraquecer” a Ucrânia “o mais possível”.

O governo britânico saudou “os progressos alcançados pelo presidente Trump no sentido de um cessar-fogo” após a sua conversa com Putin, mas insistiu que as negociações devem conduzir a uma “paz justa e duradoura para a Ucrânia”. Mas outras capitais alertam para o perigo que se está a incorrer. “Avaliamos com absoluta certeza que a Rússia não mudou nenhum dos seus objetivos, que Putin continua a querer toda a Ucrânia, toda ela, o domínio total”, disse Jonatan Vseviov, secretário-geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros da Estónia ao Politico.

Resumo segundo a Casa Branca Cessar-fogo: “Concordaram que o caminho para a paz começará com um cessar-fogo em relação às infraestruturas energéticas, além de negociações técnicas sobre a aplicação de um cessar-fogo marítimo no Mar Negro, de um cessar-fogo total e paz permanente.” Local e data das negociações: “Vão começar imediatamente no Médio Oriente.” Armamento estratégico: “Discutiram a necessidade de interromper a proliferação de armas estratégicas e vão envolver outros países para garantir que a aplicação seja o mais ampla possível.” Laços entre EUA e Rússia: “Os dois líderes concordaram em melhorar o relacionamento entre os Estados Unidos e a Rússia. Isso inclui acordos económicos e estabilidade geopolítica quando a paz for alcançada.”
Macron com um caça Rafale em pano de fundo.
Macron com um caça Rafale em pano de fundo.EPA/LUDOVIC MARIN / POOL MAXPPP OUT

À margem

Crianças sem dados

A administração Trump acabou com uma iniciativa financiada pelos EUA que documentava a deportação em massa de crianças ucranianas para a Rússia, noticiou o The Washington Post. O Laboratório de Investigação Humanitária da Universidade de Yale tinha dados de 35 mil crianças ucranianas que poderiam servir de prova em tribunal. Um grupo de congressistas teme que a base de dados pode ter sido apagada.

Mais Rafale para França

O presidente francês declarou que o governo francês vai “aumentar e acelerar as encomendas de Rafale”. Macron aludia ao avião multifunções fabricado pela Dassault. O ministro da Defesa indicara que o governo procurava adquirir 30 Rafale além dos 56 sob encomenda. Neste momento, a Força Aérea tem 108 destas aeronaves e a Marinha 41. Macron visitou a base aérea de Luxeuil-les-Bains, no nordeste do país, a qual vai ser ampliada para acolher a próxima versão daquele aparelho e do “seu míssil nuclear hipersónico”.

Von der Leyen quer armar

A presidente da Comissão Europeia, na véspera de publicar o livro branco sobre a Defesa, que prevê um fundo de 150 mil milhões para se gastar em armamento entre os 27, realçou a necessidade de os Estados-membros poderem confiar nas cadeias de abastecimento do setor na Europa. “Isso significa criar um mercado europeu de equipamento de defesa” até 2030, disse Ursula von der Leyen.

Papa quer desarmar

Numa carta dirigida ao diretor do Corriere della Sera, o Papa Francisco disse que a guerra lhe parece “ainda mais absurda” tendo em conta o seu internamento devido a uma pneumonia. Ao encorajar os jornalistas a “sentirem a plena importância das palavras”, Bergoglio fez um apelo: “Devemos desarmar as palavras, desarmar as mentes e desarmar a Terra”.

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