Reza Najafi, representante permanente do Irão na ONU em Viena, numa reunião da Agência Internacional de Energia Atómica no início desta semana.
Reza Najafi, representante permanente do Irão na ONU em Viena, numa reunião da Agência Internacional de Energia Atómica no início desta semana. FOTO: Max Slovencik / EPA

P&R. Estados Unidos e Irão: uma relação com alguns altos e muitos baixos

Após chegarem em 2015 a um acordo sobre o nuclear, entretanto abandonado por Trump, foi o próprio presidente dos EUA que este ano decidiu voltar às negociações, mas um entendimento parece difícil.
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Os Estados Unidos e o Irão já foram aliados?

O Irão foi um dos aliados mais próximos dos Estados Unidos durante a Guerra Fria, altura em que a Casa Branca confiava em Teerão para ajudar a conter a crescente influência da então União Soviética no Médio Oriente. No entanto, esta boa relação sofreu uma reviravolta entre os dois países após a Revolução Iraniana de 1979, com os revolucionários a jurarem combater o imperialismo ocidental na região e apelidando os Estados Unidos como “o Grande Satanás”. A embaixada norte-americana na capital iraniana foi tomada e dezenas de diplomatas e outros funcionários foram feitos reféns durante mais de um ano. Os dois países não têm relações diplomáticas formais desde 7 de abril de 1980, pondo assim fim a uma aliança estratégica de décadas. 

Como tem sido a relação entre as duas partes desde então?

Por um lado, o Irão revolucionário queria combater os símbolos ocidentais na região — personificados em Israel, o maior aliado dos Estados Unidos na região —, mas também espalhar a sua revolução islâmica pelo Médio Oriente. Assim, criou o Hezbollah no Líbano, logo no início dos anos 1980, movimento que Washington acusa de bombardear a sua embaixada e várias instalações militares em Beirute, em 1983, matando mais de 300 pessoas, na sua maioria norte-americanos. O Hezbollah também tem travado várias guerras com Israel, o maior aliado dos Estados Unidos na região, até aos dias de hoje. 

Por outro lado, aquando da invasão do Irão pelo Iraque, em 1980, Washington ficou ao lado de Bagdade, dando apoio económico e militar, mesmo quando este começou a usar armas químicas contra soldados iranianos e aldeias junto à fronteira. O ano de 1988 ficou marcado por dois momentos: a 18 de abril, os EUA lançaram um ataque contra alvos navais iranianos no Golfo Pérsico, em retaliação pelo ataque a um navio de guerra norte-americano quatro dias antes. A 3 de julho, ainda durante a Guerra Irão-Iraque, o navio norte-americano USS Vincennes abateu, por engano, o voo 655 da Iran Air, matando 290 pessoas. Inicialmente, os EUA alegaram que se tratava de um avião de guerra, mas mais tarde reconheceram que foi um acidente trágico, enquanto a tripulação do Vincennes recebeu honras militares.

Houve melhorias desde então?

Nos anos 1990, registou-se uma diminuição das tensões entre os dois países, não só porque os Estados Unidos viraram a sua atenção para o Iraque, na sequência da invasão do Kuwait, mas também graças à eleição como presidente do reformista Mohammed Khatami, em 1997, que queria que o Irão tivesse melhores relações com o Ocidente. Na década seguinte, o presidente George W. Bush rotulou o Irão como parte do "Eixo do Mal", a par do Iraque e da Coreia do Norte. Em 2002 o programa nuclear secreto de Teerão foi revelado, e, no ano seguinte, a invasão do Iraque liderada pelos EUA voltou a colocar Washington e Teerão em lados opostos.

Que papel o nuclear tem tido na relação entre EUA e Irão?

O Irão está sob sanções pelas suas atividades de proliferação nuclear desde 2006. A 14 de julho de 2015, Teerão e um grupo de países — China, França, Alemanha, Rússia, Reino Unido e EUA, mais a União Europeia — concluíram o Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA), um acordo endossado pelo Conselho de Segurança da ONU, para limitar o programa nuclear do Irão em troca do alívio das sanções, sob a monitorização da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA), sendo que o Irão comprometeu-se também a nunca procurar, desenvolver ou adquirir armas nucleares. 

O que aconteceu a esse acordo?

Em 2018, o presidente Donald Trump retirou os EUA do JCPOA, recuperando as sanções suspensas e aplicando novas. No entanto, a UE continua vinculada ao acordo, mas mantém sanções relacionadas com a proliferação, para além das sanções não-nucleares. Já Teerão, embora ainda faça parte do acordo, começou a exceder os limites impostos em 2019 e interrompeu totalmente a implementação dos seus compromissos relacionados com a energia nuclear em 2021, possuindo atualmente um stock de 275kg de urânio enriquecido a 60%. No próximo mês de outubro, as sanções do Conselho de Segurança da ONU expirarão, a menos que seja acionado o "mecanismo de recuperação" do JCPOA.

Em que ponto estamos agora?

Numa carta enviada no passado mês de março ao Líder Supremo do Irão, Donald Trump terá estabelecido um prazo de dois meses para chegar a um acordo nuclear, ameaçando o Irão com consequências militares. A primeira ronda de negociações indiretas entre EUA-Irão, mediadas por Omã, teve lugar a 12 de abril. Uma quarta foi concluída a 11 de maio, sendo que está prevista uma nova ronda este domingo. 

O que pretendem os EUA?

Trump declarou inicialmente a intenção de impedir o Irão de obter armas nucleares, mas entretanto, veio falar do "desmantelamento total" do programa nuclear iraniano, embora abrindo a porta para um programa nuclear civil. Teerão, por seu turno, tem criticado as  afirmações "contraditórias" dos EUA e rejeitou a perspectiva de desmantelar o seu programa nuclear e renunciar ao enriquecimento de urânio, mas mostrou-se aberto a discutir preocupações quanto à sua "potencial militarização". O Irão também rejeitou qualquer discussão sobre as suas capacidades de defesa e mísseis, mas sugeriu que não iria construir um míssil com capacidade nuclear. 

Qual é a posição do Irão?

Um conselheiro sénior de Khamenei declarou que o Irão, em troca do levantamento de todas as sanções, estava preparado para assinar um acordo que lhe permite enriquecer apenas até aos níveis mais baixos necessários para utilizações civis e exige que desista dos seus stocks de urânio altamente enriquecido, com os inspetores da AIEA a verificarem o cumprimento. O Irão terá também sugerido a ideia de vender urânio enriquecido aos EUA. Após a quarta ronda de negociações, Trump insinuou que as partes estavam perto de um acordo, que aparentemente incluiria enriquecimento zero de urânio até três anos para construir confiança, após o qual o Irão seria autorizado a enriquecer a níveis civis. No entanto, há notícias de desentendimentos entre as duas partes, e, além das respetivas linhas vermelhas nas negociações, o elevado nível de desconfiança entre os EUA e o Irão, e uma potencial escalada na região, podem impedi-los de chegar a um acordo. 

Qual é o papel de Israel no meio de tudo isto?

Israel encara qualquer acordo com grande preocupação, especialmente se não eliminar completamente a capacidade do Irão de enriquecer urânio. Encorajado pelos recentes sucessos militares contra aliados iranianos, como o Hezbollah e o Hamas, e pela queda de Bashar al-Assad, na Síria, Telavive continua a pressionar ataques direcionados contra as instalações nucleares iranianas. Por outro lado, os Estados do Golfo, em processo de aproximação ao Irão, apoiam um acordo nuclear, ao contrário de 2015, referindo que este é necessário para a estabilidade do Médio Oriente. A China e a Rússia também manifestaram apoio às negociações.

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