Portas abertas à candidatura europeia da Ucrânia

A Comissão Europeia recomendou ao Conselho o estatuto de candidatos à adesão para a Ucrânia e Moldávia. Vladimir Putin não se mostrou incomodado e disse que, a confirmar-se, Kiev será uma "semicolónia". Boris Johnson propôs programa de treino militar.

A Ucrânia recebeu, como esperado, a recomendação da Comissão Europeia para que obtenha o estatuto de candidato à adesão à União Europeia, tal como a vizinha Moldávia. "Sem dúvida, é um dia histórico para os povos da Ucrânia, Moldávia e Geórgia. Estamos a confirmar que, no devido momento, pertencem à UE", afirmou em Bruxelas a presidente da Comissão Ursula von der Leyen, vestida com as cores da bandeira ucraniana. Em São Petersburgo, o líder russo Vladimir Putin proferiu um discurso em que responsabilizou os Estados Unidos e a UE por todos os males atuais, embora não se tenha mostrado contra o processo de integração europeia de Kiev, em contraste com a reação do Kremlin.

Se em relação à Geórgia a Comissão concluiu ter havido um recuo nalguns dossiês e que o estatuto de candidato será revisto em dezembro caso Tiblíssi mostre progressos, no caso ucraniano foi dada luz verde sem condicionantes. Na ótica da equipa de Von der Leyen, o próximo passo - a abertura de negociações - só será dado quando Kiev tiver aplicado uma lista de reformas.

"Todos sabemos que os ucranianos estão prontos a morrer por uma perspetiva europeia. Queremos que eles vivam connosco o sonho europeu." Ursula von der Leyen

Na justiça, pede-se mudanças na seleção de juízes do Tribunal Constitucional ou dos membros do Conselho Superior de Magistratura; na luta contra a criminalidade, o reforço de medidas anticorrupção e contra o branqueamento de capitais, além de legislação para limitar a influência dos oligarcas no país. Garantias legais sobre a defesa das minorias ou relativas ao pluralismo da comunicação social são também exigências para aproximar a Ucrânia da UE. Conclusões semelhantes podem ser lidas no documento relativo à Moldávia.

Como seria de esperar os dirigentes de Kiev e de Chisinau exultaram com a declaração de Bruxelas. "História europeia em construção. Congratulamo-nos com o parecer positivo da Comissão", reagiu o chefe da diplomacia ucraniana, Dmytro Kuleba. "Esta será uma prova vívida da liderança europeia e um enorme impulso para as futuras transformações da Ucrânia", disse ainda, perspetivando o próximo passo. Este será dado pelos chefes de Estado e de governo dos 27 Estados-membros no Conselho Europeu a realizar-se na quinta e sexta-feira.

Depois de os líderes dos três maiores países da UE se terem comprometido em apoiar a pretensão ucraniana junto do presidente Volodymyr Zelensky, as capitais que se mostravam hesitantes ou contrárias (segundo o El País, Lisboa, Viena e Haia) terão pouca margem de manobra para bloquear o processo. Em entrevista ao Financial Times, o primeiro-ministro António Costa disse que há um risco de criar "falsas expectativas" aos ucranianos, as quais podem transformar-se "em amarga desilusão", tendo em conta o longo caminho esperado e os exemplos dos vários países com o estatuto de candidato, em especial a Turquia.

Putin desvaloriza

O homem que decidiu invadir a Ucrânia afirmou não ter "nada contra" o cenário da adesão da Ucrânia à União Europeia. "É sua decisão soberana aderir ou não às uniões económicas. É assunto deles, é assunto do povo ucraniano", disse Putin no encerramento do discurso no Fórum Económico Internacional de São Petersburgo, depois de ter atribuído as responsabilidades da inflação e da crise alimentar ao Ocidente. Uma escolha que, a concretizar-se, segundo Putin, vai "transformar" o país "numa semicolónia".

Esta visão magnânima entra em choque com a pressão realizada pelo Kremlin em 2013, quando o presidente Yanukovich não assinou o acordo de associação económica com a UE, ou com a visão delineada no documento assinado por Putin "Sobre a unidade histórica entre russos e ucranianos", de julho do ano passado, que põe em causa a soberania ucraniana. Ou ainda a declaração do seu fidelíssimo Dmitri Medvedev, que há dias perguntou se a Ucrânia figurará nos mapas dentro de dois anos.

"A UE não é uma aliança militar, ao contrário da NATO", disse o líder russo. Porém, o porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov mostrou preocupação ao notar que a UE caminha para a sua militarização, pelo que o processo vai ser seguido com "toda a atenção". Ainda em Moscovo, a porta-voz da diplomacia também não resistiu a comentar: "Durante anos, os países ocidentais têm vindo a manipular esta ideia de algum tipo de participação ucraniana nas suas estruturas de integração e, desde então, a Ucrânia tem passado de mal a pior", disse Maria Zakharova.

Em dois dias, Volodymyr Zelensky recebeu nada menos que cinco dirigentes europeus. Na sexta-feira foi Boris Johnson quem rumou a Kiev. A segunda visita do primeiro-ministro britânico surpreendeu (e enfureceu, como noticia a Sky News) alguns membros do seu partido, que aguardavam pela sua presença numa conferência que juntou empresários e dezenas de deputados conservadores no norte de Inglaterra. Agora, Johnson levou um plano para "mudar a equação da guerra aproveitando a mais poderosa das forças, a determinação ucraniana de vencer": fornecer treino militar de três semanas até 10 mil novos e atuais soldados em cada quatro meses. Entregas de mais armas foram também discutidas.

No plano militar, enquanto a Rússia atingiu Mykolaiv num bombardeamento que matou pelo menos três pessoas, a Ucrânia atingiu um rebocador da frota russa do Mar Negro, o qual estaria a transportar um sistema de mísseis para a ilha das Cobras.

cesar.avo@dn.pt

Mais Notícias

Outros Conteúdos GMG