O nacionalista Karol Nawrocki, apoiado pelo Lei e Justiça (PiS), venceu as presidenciais de domingo na Polónia com 50,89% dos votos, contra 49,11% do rival, o liberal Rafal Trzaskowski, o candidato do primeiro-ministro, Donald Tusk. Este resultado é um golpe nos esforços do governo em consolidar o Estado de Direito e a orientação pró-europeia do país, sendo esperado que o impasse político verificado até agora com o presidente Andrzej Duda prossiga nos próximos dois anos e meio (as legislativas estão agendadas para final de 2027) e que Nawrocki use também o seu poder de veto para frustrar a agenda de Tusk. Como ficou claro nas declarações que proferiu no domingo à noite, pouco depois de as urnas fecharem. “Vamos salvar a Polónia, não permitiremos que o poder de Donald Tusk seja total”, disse o presidente eleito, que vai viver agora a sua primeira experiência como político. São várias as áreas nas quais o, até agora, diretor do Instituto de Memória Nacional e o primeiro-ministro têm opiniões divergentes, começando pela justiça.Uma das grandes promessas de Donald Tusk foi reformar o sistema judicial, anulando as reformas introduzidas pelo PiS entre 2015 e 2023, vistas por Bruxelas como uma ameaça ao Estado de Direito. Entre essas mudanças estavam as nomeações de juízes, nomeadamente para o Constitucional, e as decisões deste tribunal, além de instituir que a Constituição polaca tem primazia sobre as leis comunitárias, contrariando um dos princípios da União Europeia. No seu ano e meio de mandato, o governo não conseguiu fazer qualquer alteração neste sentido, devido aos bloqueios de Duda, e Nawrocki já deu a entender que apoia a reforma levada a cabo pelo PiS. Outra das promessas que levou Tusk a chegar ao poder, há um ano e meio, foi colocar fim à quase proibição do aborto na Polónia introduzida pelo PiS, substituindo essa legislação pela legalização até às 12 semanas e pela instituição do direito a interromper a gravidez em caso de má formação do feto. A Esquerda, um dos parceiros de coligação do governo, também propôs o reconhecimento das uniões entre pessoas do mesmo sexo. O problema destas propostas começa logo pela falta de consenso dentro da coligação governamental, devido à oposição do conservador Partido Popular da Polónia (PSL), com o executivo a alegar que Duda vetaria qualquer uma delas. O que virá também a acontecer com o novo presidente, que se opõe a ambas. “A presidência de Nawrocki será uma viagem difícil para o governo de Tusk. O primeiro-ministro está a enfrentar uma fase difícil no seu projeto político centrado na restauração do Estado de Direito e na liberalização social. Nenhum grande projeto de reforma, por exemplo, sobre o aborto ou decisões judiciais, será possível, pois a principal missão de Nawrocki no cargo será minar o governo e abrir caminho para que o PiS regresse ao poder nas eleições de 2027”, nota Piotr Buras, diretor do European Council on Foreign Relations (ECFR) Varsóvia e investigador sénior de política. Apesar de o cargo de presidente na Polónia ser em grande parte cerimonial, tem o poder de veto e de enviar propostas de lei para o Constitucional, bem como de nomear os titulares de vários cargos, como o de governador do banco central, que é também líder do Conselho de Política Monetária, e embaixadores - por exemplo, a Polónia continua sem embaixador nos Estados Unidos porque Andzrej Duda não aceita o nome apresentado por Donald Tusk.Como comandante supremo das Forças Armadas, o chefe de Estado pode também influenciar os debates sobre política de Segurança e Defesa. No que diz respeito à Ucrânia, presidente eleito e primeiro-ministro concordam na ajuda militar a Kiev, mas Nawrocki opõe-se ao envio de tropas polacas e à entrada do país em organizações como a NATO ou a União Europeia. Devido ao seu passado como diretor do Instituto da Memória Nacional, um organismo estatal de investigação de crimes nazis e comunistas praticados entre 1917 e 1990, dotado de poderes judiciais, Nawrocki defende também que Varsóvia deve interpelar Kiev em temas como a exumação dos restos mortais de polacos mortos por nacionalistas ucranianos durante a Segunda Guerra Mundial.“Enquanto presidente, Nawrocki elevará a sua retórica antieuropeia, antialemã e antimigração no discurso público, ao mesmo tempo que intensificará o sentimento antiucraniano que foi exacerbado durante a campanha. A política da Ucrânia tornar-se-á o segundo maior campo de batalha depois da Europa. Os poderes executivo e legislativo entrarão em conflito sobre o âmbito e as condições do apoio polaco”, vaticina Marta Prochwicz Jazowska, vice-diretora do ECFR Varsóvia.Com refere esta analista política, a questão da Europa e os Estados Unidos será outro dos pontos de conflito entre o presidente eleito e o governo. Nawrocki dá prioridade a laços próximos com Washington em termos de Segurança e Defesa. Um sinal disso foi o encontro que teve com Donald Trump na Casa Branca há um mês, tendo garantido, na linha do que o PiS defende, que não apoiará tratados europeus que enfraqueçam a posição de Varsóvia.Já Donald Tusk, que chegou a ocupar o cargo de presidente do Conselho Europeu, tem uma agenda para tornar a Polónia um dos países influentes no panorama comunitário, contando, para isso, com as alianças recém-firmadas com França e Alemanha, o chamado Triângulo de Weimar, mas também o facto de ser a sexta maior economia do bloco. “A Polónia manterá o seu compromisso com os EUA, a NATO, o seu papel no flanco oriental da NATO, os elevados gastos em Defesa e as parcerias regionais com os países nórdicos, bálticos e do flanco oriental. Mas o governo liberal de Tusk só conseguirá manter a Polónia no grupo central de países europeus durante mais dois anos, na melhor das hipóteses. Nawrocki vai restringir o projeto europeu de longo prazo de Tusk de afastar a Polónia da excessiva dependência dos Estados Unidos”, prossegue Marta Prochwicz Jazowska.“A Polónia vai agora tornar-se um ator europeu muito mais cacofónico. É certo que é ainda o governo de Donald Tusk o responsável pela política externa do país. Mas, primeiro, o governo ficará seriamente enfraquecido; e, em segundo lugar, é muito difícil liderar uma política externa em desacordo com o presidente. Entretanto, espera-se que Karol Nawrocki tenha uma agenda radicalmente diferente: tentar reafirmar a aliança polaca com a América de Donald Trump (tal como Duda há uns anos, está a falar em construir um Forte Trump na Polónia); demonstrando profunda desconfiança em relação a Berlim, Paris e à UE; e não hesita em explorar o sentimento antiucraniano”, acrescenta Pawel Zerka, investigador sénior de política no European Council on Foreign Relations..As presidenciais que vão decidir o futuro da democracia na Polónia