Francisco Resendes, diretor do Portuguese Times.
Francisco Resendes, diretor do Portuguese Times.

“Plano de Trump para deportar imigrantes indocumentados não irá atingir a comunidade portuguesa”

Em vésperas da tomada de posse de Trump, Francisco Resendes, diretor do 'Portuguese Times', fala ao DN sobre os quatro lusodescendentes no Congresso e a tendência da comunidade para votar à direita.
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No dia 3, tomou posse o novo Congresso, com quatro lusodescendentes a terem sido eleitos para a Câmara dos Representantes. Menos um do que antes, mas mesmo assim uma forte representação tendo em conta o tamanho da comunidade portuguesa nos EUA. A comunidade identifica-se com estes eleitos?

Penso que os congressistas lusodescendentes da Califórnia estão mais identificados pela comunidade portuguesa e luso-americana daquele estado (David Valadão, Jim Costa e Eric Salwell, eleitos respetivamente pelos distritos congressionais 22, 21 e 14) do que Lori Loureiro, congressista lusodescendente pelo Terceiro Distrito Congressional do Massachusetts, pelo seu envolvimento mais ativo e participativo nas diversas iniciativas socioculturais da comunidade portuguesa e luso-americana das suas regiões. Com isso têm ganho mais visibilidade no mundo comunitário luso do que a sua colega do Massachusetts, que pouco tem aparecido em cerimónias oficiais promovidas pela comunidade, salvo raras exceções. Convém referir que essa ligação dos políticos em Washington à comunidade passa muitas vezes pelos contactos diretos com representantes nas legislaturas estaduais, onde aí sim, há muitos lusodescendentes.

Há, de facto, muitos mais eleitos lusodescendentes nos Congressos estaduais. Isso é reflexo do cada vez maior envolvimento da comunidade na política?

Sem dúvida que o número de políticos nas legislaturas estaduais (sobretudo nos estados onde há maior concentração de portugueses e lusodescendentes: Massachusetts, Rhode Island e Califórnia) tem aumentado consideravelmente nos últimos anos e isso deve-se a uma maior consciencialização sobre a importância de ter uma ação mais ativa e participativa na sociedade onde está inserida. Neste aspeto houve uma evolução clara da comunidade portuguesa e luso-americana.

Muitas vezes temos ideia de que os emigrantes portugueses e os lusodescendentes não se interessam muito pela política dos países onde vivem. Nos EUA há um maior envolvimento, até devido à antiguidade da comunidade?

Há muito que a imigração de portugueses para os EUA estagnou. Há claramente uma mudança de paradigma: os portugueses deixaram de ser uma comunidade imigrante devido à estagnação do fluxo migratório, tornando-se numa comunidade integrada e participativa na vida política, social e económica do país, onde podemos apontar vários exemplos de portugueses e luso-americanos que se destacam. Tem havido grande progresso neste aspeto, se bem que haja ainda um longo caminho a percorrer para uma maior representatividade da comunidade no processo político do país, havendo por outro lado casos de comunidades em vilas e cidades em que poderia haver uma maior representação política, designadamente a nível municipal e estadual. O problema de alienação política é no fundo uma questão cultural.

Apesar de todos os eleitos lusodescendentes serem democratas, isso não refletirá necessariamente o sentido de voto da comunidade no geral. O Partido Republicano tem ganhado votos entre os lusodescendentes?

É verdade que a comunidade portuguesa e luso-americana na sua maioria tem votado no Partido Democrata, sobretudo a nível federal. Contudo, nos últimos tempos, sobretudo depois da presidência de Bill Clinton, em que a partir daí o Partido Democrata virou demasiadamente à esquerda, penso que a tendência é para votar no Partido Republicano e seus candidatos, a nível federal, refira-se, porque nas legislaturas estadual e municipal a origem étnica de um candidato tem alguma influência no voto solidário português, ainda pelo fator proximidade e conhecimento pessoal. Ou seja: vota normalmente num candidato que seja de origem portuguesa, independentemente da preferência partidária.

Visto de Portugal, esse apoio de emigrantes e descendentes de emigrantes portugueses nos EUA ao partido de Trump que quer controlar a imigração pode parecer contraditório. Mas tem muito a ver com a tradição dos portugueses de valorizar a entrada no país de forma legal?

Exatamente. A larga maioria dos portugueses emigrou para este país com toda a documentação requerida, muitas vezes através de um familiar já aqui radicado (“carta de chamada”). A comunidade foi-se valorizando cultural e economicamente, com essa grande e indelével vontade de proporcionar uma vida mais próspera às gerações seguintes e tudo isto à custa de sacrifício e trabalho árduo, ao mesmo tempo que foi criando aqui o seu pequeno Portugal através desses sinais vivos da sua presença, designadamente no associativismo. Todos estes valores: identidade cultural, família, trabalho, respeito e este sentido de gratidão a um país que os acolheu de braços abertos estão bem identificados na comunidade portuguesa, que ganhou também o respeito e admiração de outras comunidades étnicas.

O plano de Trump para deportar imigrantes ilegais em massa poderá afetar parte da comunidade portuguesa? A questão da ilegalidade é um problema para alguns setores da comunidade?

Penso que o alegado plano de Trump para deportar em massa imigrantes indocumentados não irá atingir a comunidade portuguesa, mesmo tendo em conta que há efetivamente portugueses aqui radicados indocumentados. Contudo a deportação vai atingir em maior escala aqueles imigrantes com passado criminal. Penso que tem havido muito alarmismo em redor desta questão, até porque uma deportação em massa de milhões de indocumentados - fala-se em 11 milhões! - irá afetar negativamente a economia do país, que enfrenta atualmente um problema de falta de mão de obra. Não tenho dúvidas de que a deportação em massa afetará negativamente a economia das cidades, dos estados e do país em geral. Mas não acredito em deportação em massa.

A comunidade lusodescendente é com certeza muito diversa, a de Nova Iorque não será a mesma da Califórnia ou da Nova Inglaterra. Isso reflete-se, por exemplo, no sentido de voto?

Sim, sem dúvida. As comunidades de Nova Iorque, New Jersey e das regiões da Nova Inglaterra (Massachusetts, Rhode Island, Connecticut, Maine, Vermont e New Hampshire) e da Califórnia estão inseridas em zonas tradicionalmente liberais, de esquerda, e naturalmente que isso reflete-se e tem influência nas comunidades portuguesas, mas até mesmo aqui, e segundo os últimos atos eleitorais, o Partido Democrata tem perdido terreno e a tendência atual é de que a comunidade portuguesa vote mais à direita, pelas razões que já apontei acima...

Hoje Portugal está na moda, há artigos sobre Portugal no The New York Times, nas revistas americanas. Isso veio mudar a relação da comunidade com Portugal? Aumentou o desejo de conhecer a terra dos seus antepassados para os que não conhecem? Despertou a curiosidade pela música, pela culinária, pelo desporto também através do efeito Cristiano Ronaldo?

É isso mesmo. Portugal está na moda porque evoluiu também. Constato que essa evolução tem acontecido nos dois lados do Atlântico. Portugal tem ganho maior visibilidade não apenas pelo enorme potencial, a todos os níveis, de que dispõe em vários setores: a rica e variada gastronomia, os bons vinhos, no desporto temos dado cartas (no futebol temos exportado grandes valores que se destacam no estrangeiro), nas artes e na inovação e investigação científica, na música temos grandes valores, sobretudo na música mais identificável como nossa: o fado, como também pelo papel que as comunidades da diáspora têm exercido nas respetivas sociedades de acolhimento. Efetivamente as comunidades lusas têm sido autênticas embaixadas do Portugal moderno e renovado, sobretudo através das diversas iniciativas socioculturais que são veículos importantes de divulgação de Portugal, seus costumes, tradições e cultura em geral e que encontram no associativismo a grande alavanca de promoção do nosso país. Este dinamismo em exteriorizar a sua portugalidade e extraordinária capacidade de integração na sociedade de acolhimento tem contribuído para uma maior visibilidade do nosso país.

Uma questão mais pessoal, que balanço é que o Francisco faz destes quatro anos de Administração Biden? E o que espera de mais quatro anos de Administração Trump?

Duas questões que em meu entender foram determinantes para a derrota de Biden e consequente vitória do seu opositor republicano: o fraco desempenho da economia, sobretudo nos primeiros dois anos da sua Administração, com a inflação a atingir números expressivos e os problemas da imigração ilegal na fronteira sul com o México perante a ausência de leis mais restritivas nesta matéria, e quando foram impostas leis mais rígidas já foi tarde. No plano internacional, a forma como os EUA retiraram as suas tropas do Afeganistão é claramente uma nódoa na Administração democrata e uma péssima imagem da política externa americana de fragilidade, tal como a saúde frágil do inquilino da Casa Branca. A invasão russa da Ucrânia, segundo alguns observadores e analistas, não teria acontecido se os republicanos e Donald Trump estivessem no poder. O que esperar dos quatro anos da Administração Trump: veremos políticas mais rígidas nas questões de imigração e a nomeação de Tom Homan, como czar das fronteiras, e de Stephen Miller, como vice-chefe de gabinete, são indicativos claros de que a imigração será uma das prioridades. No entanto, não acreditamos em deportações em massa na ordem de milhões. Tem havido alarmismo mesmo em alguns órgãos de informação de Portugal no que se refere às comunidades portuguesas nos EUA. Não penso que as nossas comunidades sejam atingidas perante tais medidas. A deportação que se anuncia deverá atingir aqueles imigrantes com passado criminoso e a comunidade portuguesa em geral goza de bom nome e grande prestígio. Outra das questões prioritárias de Trump é a economia e o aproveitamento dos recursos naturais dos EUA, para além de medidas protecionistas económicas nas relações internacionais, como tem sido anunciado. Até nesta matéria não acreditamos num aumento exagerado de impostos aos produtos vindos do estrangeiro, como tem sido anunciado. Estas duas questões: deportação em massa de imigrantes e aumento das tarifas nos produtos vindos do estrangeiro, nomeadamente da China, México e Canadá, pode ter consequências negativas na economia norte-americana. O Congresso (Câmara dos Representantes e Senado), mesmo controlado pelo Partido Republicano que apoiou Trump, não irá certamente aprovar tais medidas drásticas. Os primeiros meses de Donald Trump na Casa Branca vão definir diretrizes. Aguardemos.

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