Perda “sem precedentes” de glaciares ameaça abastecimento de alimentos e de água de 2 mil milhões de pessoas
Os glaciares estão a derreter a um ritmo "sem precedentes" e como consequência 2 mil milhões de pessoas em todo o mundo estão em risco, uma vez que o degelo ameaça o abastecimento de água e de alimentos, alerta o relatório da Unesco "Desenvolvimento dos Recursos Hídricos 2025".
"Independentemente do local onde vivemos, todos nós dependemos de alguma forma de montanhas e glaciares – as torres de água do nosso planeta". A afirmação é de Audrey Azoulay, diretora-geral da Unesco, que chama a atenção para o problema que representa o recuo dos glaciares, devido às alterações climáticas, cujo impacto verifica-se nos ecossistemas, na agricultura e nas fontes de água.
No relatório, Audrey Azoulay explica que as "montanhas cobrem 33 milhões de km2 da superfície da Terra e são vitais para a manutenção da vida". "Albergam mais de 1,1 mil milhões de pessoas, ou 15% da população mundial. Além disso, outros 2 mil milhões de pessoas a jusante dependem destes reservatórios naturais para obter recursos de água doce a partir do degelo dos glaciares", afirma.
Glaciares que "correm um grande risco", diz a responsável pela agência da ONU sobre o relatório que dá a conhecer a atual situação e as muitas "ameaças económicas, ambientais e sociais que enfrentamos" decorrentes do degelo.
Documento indica que poderão ser afetados dois terços de toda a agricultura irrigada no mundo pelo recuo dos glaciares e pela diminuição da queda de neve nas regiões montanhosas, devido à crise climática.
Relatório mostra que "os Andes, que fornecem 50% da água que desagua no rio Amazonas, perderam entre 30% e 50% dos seus glaciares desde a década de 1980".
"Prevê-se que os glaciares do Monte Quénia, Rwenzori e Kilimanjaro desapareçam completamente até 2040 se não forem tomadas quaisquer ações", avisa a diretora-geral da Unesco. Já o Hindu Kush-Karakoram-Himalaia "poderá perder 50% do seu volume glaciar, que atualmente abrange 100.000 km2, até ao ano 2100".
Resumindo, a África Oriental perdeu 80% dos seus glaciares em alguns locais e, nos Andes, entre um terço e metade dos glaciares derreteram desde 1998. Na Europa, os glaciares dos Alpes e dos Pirenéus são os mais afetados pelo degelo, tendo em conta que já recuaram 40%.
Explica a análise da Unesco que 1,1 mil milhões de pessoas vivem em regiões montanhosas, a maioria em países em desenvolvimento, sendo que até metade já enfrenta insegurança alimentar. As mulheres e as crianças correm maior risco. Situação que se pode agravar, tendo em conta que a produção de alimentos nestas regiões depende das águas das montanhas, do degelo e dos glaciares, refere documento.
Mas não se pense que são só os países em desenvolvimentos que estão em risco com o degelo dos glaciares. Nos EUA, por exemplo, a seca na bacia do rio Colorado dura desde 2000. As temperaturas elevadas não ajudam significam que cai mais precipitação sob a forma de chuva, que escorre mais rapidamente do que a neve das montanhas, agravando as condições de seca, como explica o The Guardian.
Escreve o jornal britânico que, segundo um estudo da Organização Meteorológica Mundial, conhecido esta semana, a taxa de variação dos glaciares é a pior que há registo. Segundo este relatório, a maior perda de massa glaciar ocorreu nos últimos três anos, com a Noruega, a Suécia, Svalbard e os Andes tropicais entre os mais afetados.
“O degelo dos glaciares tem impacto na refletividade da radiação [solar] e isso vai impactar todo o sistema climático”, alertou Abou Amani, diretor de ciências da água na Unesco, referindo-se à alteração dos solos, que ficam mais escuros, com a perda de gelo, absorvendo mais calor.
O recuo sem precedentes dos glaciares significa também a possibilidade de ocorrerem mais avalanches e a água acumulada no degelo dos glaciares pode causar inundações repentinas.
"O relatório sublinha que muitas das questões relacionadas com a adaptação climática e a gestão da água são transnacionais, o que significa que as soluções mais eficazes exigem uma abordagem multissetorial", sublinha a diretora-geral da Unesco.
Para Audrey Azoulay, "sem uma gestão adequada, os sistemas hídricos alimentados por montanhas e glaciares correm o risco de se tornarem alvo de conflitos frequentes, especialmente porque estes recursos preciosos enfrentam problemas cada vez maiores". Defende, por isso, uma "governação transfronteiriça reforçada dos recursos hídricos apoiada pela cooperação internacional".
Depois de a Assembleia Geral das Nações Unidas ter declarado 2025 o Ano Internacional para a Conservação dos Glaciares, a Unesco espera "que este relatório sirva de catalisador para uma ação rápida e coletiva a nível local, nacional e internacional".
Alvaro Lario, presidente do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrícola (FIDA) e presidente da ONU-Água, pede apoio para as populações que vivem nas regiões mais afetadas e alerta para o aumento da insegurança alimentar. "As montanhas fornecem 60% da nossa água doce, mas as comunidades que protegem estes recursos vitais estão entre as que sofrem de maior insegurança alimentar”, afirma.
É necessário "investir" na resiliência destas populações "para proteger os glaciares, os rios e um futuro comum para todos nós”, defende.