Pelo menos 140 crianças já morreram na Ucrânia devido à guerra

Em Zaporizhzhya, tanto no centro de acolhimento como no hospital pediátrico tenta-se ajudar os menores a ultrapassar os traumas de uma guerra que vivem na primeira pessoa.
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Todos os ucranianos dizem o mesmo: a guerra começou em 2014. Mas a partir do último 24 de fevereiro tudo piorou com a invasão da Ucrânia pelo exército russo. Os alvos civis tornaram-se uma constante e a tensão latente depressa escalou para terror em poucos dias. E o conflito, que já leva 37 dias, causou pelo menos 140 vítimas que são crianças. Toda a violência é insuportável mas quando a vemos desferida sobre crianças essa dor torna-se insuportável. Dasha trabalha num centro de acolhimento em Zaporizhzhya desde dia 25. "Eu sou professora num colégio, adoro crianças. Quando vi o pedido num canal do Telegram, que precisam de educadores de infância, decidi vir como voluntária. Temos de tentar dar-lhes um pouco de normalidade", conta enquanto cola mãos de papel recortadas com o nome das crianças que vão passando por este centro. "É uma forma de sabermos quantas crianças por aqui passam e uma maneira de as distrair, chama-se a árvore da amizade."

Olga tem 33 anos e antes da guerra trabalhava num salão de beleza, agora está a ajudar as crianças com Dasha. "Tenho um filho de 6 anos. Adoro crianças, gosto de estar aqui com elas", conta Olga, que é tímida mas não com as crianças. Logo a seguir, Dasha e Olga decidem posar para uma fotografia com os pequenos que estão ali naquela manhã "Todos para aqui, uma fotografia de grupo", diz Dasha - "Elas gostam de tirar fotografias e é uma recordação". Milena (11 anos), Vova (5 anos), Artem (9 anos), Ihor (3 anos e meio) todos de Mariupol; Nadya (4 anos) e Liza (9 anos, de Zaporizhzhya). Estas crianças são exemplo de milhares, de cidades como Mariupol, Berdyansk, Kherson, que passaram por este centro. Cidades que foram atacadas ou ocupadas pelo exército russo.

Estas crianças sabem que saíram de casa de manhã cedo, que deixaram os brinquedos para trás, que os pais estão preocupados, que fizeram horas de carro, que havia soldados a disparar sobre eles e que há semanas que não veem os amigos com quem brincavam todos os dias. Alguns deles não os voltaram a ver.

Mas sabem estas crianças o que é guerra? Não sabem, estão a vivê-la na primeira pessoa com tanta ou mais intensidade do que os adultos. Sabem que os pais colocaram um papel no para-brisas do carro a dizer "crianças" na tentativa de serem poupados a disparos inimigos durante a viagem, sabem que os lenços brancos nos retrovisores querem dizer que vão em paz e mais uma vez é uma tentativa para que não disparem sobre eles.

No hospital pediátrico de Kyiv, Ohmatdyt, vi várias crianças com ligeiros ferimentos a lutarem com espadas feitas de balões numa sala que tinha um checkpoint construído com restos de esferovite e papelão das máquinas novas que o hospital tinha recentemente recebido. Mas sabem o que é um checkpoint? Acabaram por construir um que assusta pelo nível de semelhança.

"O hospital de crianças de Zaporizhzhya já recebeu e tratou 17 menores desde o início da guerra", diz-nos o seu diretor Yuri Borzenko. "Já estou farto de jornalistas; vêm cá explorar as crianças. Já chega de fotografias. Isto para elas é uma dupla violência", acaba por desabafar durante uma entrevista. A uma das crianças aqui tratadas foi amputada uma perna. Outras foram tratadas a feridas profundas no rosto, nas pernas e nos braços. É impossível entrar naquele bloco do hospital e sair o mesmo. O silêncio é ensurdecedor. Sasha está fazer bolas de sabão gigantes, num centro de acolhimento, e todas as crianças saltam e gritam à volta delas, é um momento pleno de felicidade. Por instantes não há guerra nem bombas apenas bolas de sabão que rebentam no ar mas não fazem mal a ninguém.

Na sala ao lado, a Cruz Vermelha Ucraniana disponibiliza roupa para quem necessitar. Katya e a filha estão à procura de alguma roupa; têm uma mala pequena. "Somos de Polohy, região de Zaporizhzhya. Estou quase sem dinheiro. Quando saímos achei que ainda podíamos voltar. A nossa cidade está ocupada por russos. Se me puder ajudar com algum dinheiro." A filha não sorri como as crianças ao lado que brincam com as bolas de sabão. Vlada veio de Mariupol com a sua bebé há dias. Ela e Anhelina estão ambas sorridentes, mas mãe está cansada de a carregar ao colo. "É pequena mas pesa chumbo. É tão linda a minha menina não é?"

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